Pedir voto a fiéis nas redondezas de igreja também configura abuso de poder

É proibida a influência religiosa para fins eleitorais, sendo indiferente o local em que a propaganda política ocorre. Com esse entendimento, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo cassou o registro de um candidato a vereador de Campos do Jordão. A corte concluiu que o político foi auxiliado por um pastor com propaganda distribuída nas redondezas da igreja, às vésperas da eleição.

O pastor anunciou, durante o culto, que ao final entregaria aos fiéis presentes uma carta. Na mensagem, o líder religioso pedia ajuda dos congregados para “escolher o nosso representante para o Poder Legislativo” e sugeria que cada fiel conseguisse a colaboração de mais três pessoas que não são membros da igreja.

Uma candidata rival questionou os atos na Justiça Eleitoral, mas tanto o vereador como o pastor afirmaram que as cartas só foram distribuídas fora das dependências da igreja, em vias públicas autorizadas por lei.

Relator do caso, o desembargador Carlos Eduardo Cauduro Padin, presidente do TRE-SP, entendeu que o fato de entregar envelopes fora do templo não descaracteriza o abuso. Além da mensagem no final do culto e da carta, observa-se, ademais, que havia cabos eleitorais (…) nas imediações da igreja realizando a distribuição de santinhos”, disse.

“É indiferente o local exato em que foram entregues os materiais de propaganda, visto que as condutas ocorreram em seguida ao anúncio feito durante o culto, revelando o uso da influência religiosa para fins eleitorais”, concluiu Padin.

“A conduta imputada ao recorrente, de conclamar os fiéis a votar valendo-se da influência que possui na qualidade de líder religioso, inclusive invocando o nome de Deus, feriu a igualdade entre os candidatos, de modo a afetar a normalidade do pleito e demonstrar a gravidade apta a ensejar a cassação e a inelegibilidade”, concluiu o presidente do TRE-SP.

O posicionamento foi seguido por unanimidade pelos demais membros do colegiado. O juiz Marcelo Vieira Campos reconheceu influência sobre o “rebanho” e afirmou que, embora a propagação da fé nos templos possa apresentar reflexões sobre temas políticos em discursos sacerdotais livres da interferência estatal, devem ser respeitos limites constitucionais e legais, não sendo tal direito absoluto.

Potencialidade
Cauduro Padin ainda ressaltou que, diferentemente do que pregava anterior interpretação jurisprudencial, não importa a potencialidade de a ação influir no resultado do pleito. “O legislador estabeleceu expressamente como critério para a caracterização do abuso de poder, em qualquer de suas formas, a gravidade do contexto em que se insere.”

O vereador em questão foi eleito com 306 votos, número menor do que a tiragem da carta, de 500 exemplares — que teria potencial de gerar até 2 mil votos se cada fiel convencesse outras três pessoas a fazer sua escolha para a Câmara Municipal.

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RE 425-31.2016.6.26.0035

 

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria acima, destacamos que em 27.03.2017, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, entendeu que, apesar de a legislação não dispor sobre o abuso de poder religioso como ilícito eleitoral, pode caracterizar abuso de poder econômico a participação ativa de candidato a mandato eletivo em evento religioso, no qual há pedido expresso de voto em seu favor. Vejamos a ementa do acórdão, inobstante, no caso concreto, os investigados não tenham sido condenados:

“ELEIÇÕES 2010. RECURSOS ORDINÁRIOS. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E ABUSO DO PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Os candidatos que sofreram condenação por órgão colegiado pela prática de abuso do poder econômico e político têm interesse recursal, ainda que já tenha transcorrido o prazo inicial de inelegibilidade fixado em três anos pelo
acórdão regional. Precedentes.
2. Abuso do poder religioso. Nem a Constituição da República nem a legislação eleitoral contemplam expressamente a figura do abuso do poder religioso. Ao contrário, a diversidade religiosa constitui direito fundamental, nos termos do inciso VI do artigo 5º, o qual dispõe que: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
3. A liberdade religiosa está essencialmente relacionada ao direito de aderir e propagar uma religião, bem como participar dos seus cultos em ambientes públicos ou particulares. Nesse sentido, de acordo com o art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
4. A liberdade religiosa não constitui direito absoluto. Não há direito absoluto. A liberdade de pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de atos vedados pela legislação.
5. Todo ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma sistemática. A garantia de liberdade religiosa e a laicidade do Estado não afastam, por si sós, os demais princípios de igual estatura e relevo constitucional, que tratam da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou contra o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, assim como os que impõem a igualdade do voto e de chances entre os candidatos.
6. Em princípio, o discurso religioso proferido durante ato religioso está protegido pela garantia de liberdade de culto celebrado por padres, sacerdotes, clérigos, pastores, ministros religiosos, presbíteros, epíscopos, abades, vigários, reverendos, bispos, pontífices ou qualquer outra pessoa que represente religião. Tal proteção, contudo, não atinge situações em que o culto religioso é transformado em ato ostensivo ou indireto de propaganda eleitoral, com pedido de voto em favor dos candidatos.
7. Nos termos do art. 24, VIII, da Lei nº 9.504/97, os candidatos e os partidos políticos não podem receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie proveniente de entidades religiosas.
8. A proibição legal de as entidades religiosas contribuírem financeiramente para a divulgação direta ou indireta de campanha eleitoral é reforçada, para os pleitos futuros, pelo entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal no sentido de as pessoas jurídicas não poderem contribuir para as campanhas eleitorais (ADI nº 4.650, rel. Min. Luiz Fux).
9. A propaganda eleitoral não pode ser realizada em bens de uso comum, assim considerados aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como os templos, os ginásios, os estádios, ainda que de propriedade privada (Lei nº 9.504/97, art. 37, caput e § 4º).
10. O candidato que presencia atos tidos como abusivos e deixa a posição de mero expectador para, assumindo os riscos inerentes, participar diretamente do evento e potencializar a exposição da sua imagem não pode ser considerado mero beneficiário. O seu agir, comparecendo no palco em pé e ao lado do orador, que o elogia e o aponta como o melhor representante do povo, caracteriza-o como partícipe e responsável pelos atos que buscam a difusão da sua imagem em relevo direto e maior do que o que seria atingido pela simples referência à sua pessoa ou à sua presença na plateia (ou em outro local).
11. Ainda que não haja expressa previsão legal sobre o abuso do poder religioso, a prática de atos de propaganda em prol de candidatos por entidade religiosa, inclusive os realizados de forma dissimulada, pode caracterizar a hipótese de abuso do poder econômico, mediante a utilização de recursos financeiros provenientes de fonte vedada. Além disso, a utilização proposital dos meios de comunicação social para a difusão dos atos de promoção de candidaturas é capaz de caracterizar a hipótese de uso indevido prevista no art. 22 da Lei das Inelegibilidades. Em ambas as situações e conforme as circunstâncias verificadas, os fatos podem causar o desequilíbrio da igualdade de chances entre os concorrentes e, se atingir gravemente a
normalidade e a legitimidade das eleições, levar à cassação do registro ou do diploma dos candidatos eleitos.
12. No presente caso, por se tratar das eleições de 2010, o abuso de poder deve ser aferido com base no requisito da potencialidade, que era exigido pela jurisprudência de então e que, não se faz presente no caso concreto em razão de suas circunstâncias.
Recurso especial do pastor investigado recebido como recurso ordinário.
Recursos ordinários dos investigados providos para julgar improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.
Recurso especial da Coligação Rondônia Melhor para Todos, autora da AIJE, prejudicado.”(Recurso Ordinário nº 265308, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 05/04/2017, Página 20/21)

Fonte: Revista Consultor Jurídico Autor: ConJur
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