A existência de um único imóvel apto à aquisição enseja a inexigibilidade de licitação e não a dispensa

A existência de um único imóvel apto a, por suas características de instalação e localização, atender às finalidades precípuas da Administração não é requisito para a contratação por dispensa de licitação fundada no art. 24, inciso X, da Lei 8.666/1993. 

Representação formulada ao TCU apontara supostas irregularidades relativas a aquisição de imóveis pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis – 1ª Região (Creci/RJ).

Quanto à irregularidade consistente na “prática de fuga às licitações cabíveis e aplicáveis às compras das salas comerciais, situadas nos bairros do Méier e Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro, caracterizada pela ausência de justificativas consistentes de que os imóveis adquiridos por meio de dispensa de licitação (art. 24, inciso X, da Lei 8.666/1993) eram, à época da aquisição, únicos para o atendimento às necessidades específicas cumuladas de instalação, dimensões e localização do Creci/RJ”, apesar de o responsável ouvido em audiência juntar aos autos parecer da Procuradoria-Geral Federal admitindo a possibilidade de o administrador público se valer da hipótese prevista no art. 24, inciso X, da Lei 8.666/1993 ainda que existam outros imóveis, a unidade técnica propôs a rejeição de suas razões de justificativa, no que foi acompanhada pelo relator.

Ao defender a “possibilidade de se adquirir imóvel por dispensa, mesmo que não tenha sido caracterizada a inexigibilidade de licitação”, o revisor colacionou decisão do STJ que traz, em seu bojo, doutrina de Marçal Justen Filho no sentido de que a conclusão acerca da caracterização da inexigibilidade de licitação “faz-se em momento logicamente anterior ao do reconhecimento da dispensa. Num primeiro momento, avalia-se se a competição é ou não é viável. Se não for, caracteriza-se a inexigibilidade. Se houver viabilidade de competição, passa-se à verificação da existência de alguma hipótese de dispensa”.

O revisor sustentou ainda que, ao prever a possibilidade de dispensa de licitação para a aquisição de imóveis, o legislador “deve ter antevisto as dificuldades em se estabelecer um critério objetivo de avaliação de propostas ante as inúmeras variáveis que acompanham a seleção de tal espécie de objeto (localização, área, proximidade de serviços públicos, qualidade das instalações, segurança da região, facilidade de acesso, custos condominiais, dentre outros)”.

Por não constar do processo que tivessem sido “formalizadas em relatório técnico as necessidades da entidade (v.g. área e localização do imóvel) para que a partir daí fossem realizadas pesquisas entre imóveis disponíveis, de forma a atender plenamente o disposto no art. 26, parágrafo único, inciso II, da Lei 8.666/1993”, mas reconhecendo ser “intuitivo entretanto que esses requisitos existiam ao serem aprovados pela reunião do colegiado da diretoria do Conselho Regional de Corretores de Imóveis – 1ª Região (Creci/RJ), pois se buscava a substituição de instalações já existentes e que já não atendiam mais às necessidades da entidade”, o revisor propôs e o Plenário decidiu acatar parcialmente as razões de justificativa apresentadas pelo responsável. 

Processo relacionado: Acórdão nº 5244/2017 – Primeira Câmara, Representação, Redator Ministro Benjamin Zymler. 

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo ao teor do informativo, colhemos trecho do voto vencedor do acórdão:

“2. Acerca da possibilidade de se adquirir imóvel por dispensa, mesmo que não tenha sido caracteriza a inexigibilidade de licitação, menciono a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“A compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia, não carece de licitação, ante a ratio do art. 24 da Lei 8666/93. (…) a abalizada doutrina sobre o thema decidendum, especialmente no que pertine à dispensa de licitação, assenta que:

‘A inexigibilidade é um conceito logicamente anterior ao da dispensa.

Naquela, a licitação não é instaurada por inviabilidade de competição. …. Na dispensa, a competição é viável e, teoricamente, a licitação poderia ser promovida. Não o é, diante das circunstâncias, a lei reputa que a licitação poderia conduzir à seleção de solução que não seria a melhor, tendo em vista circunstâncias peculiares.

Em suma a inexigibilidade é uma imposição da realidade extranormativa, enquanto a dispensa é uma criação legislativa. Como decorrência direta, o elenco de causas de inexigibilidade contido na Lei tem cunho meramente exemplificativo. Já os casos de dispensa são exaustivos, o que não significa afirmar que todos se encontram na Lei n° 8.666. Outras leis existem, prevendo casos de dispensa de licitação. (…) Como decorrência, a conclusão acerca da caracterização da inexigibilidade faz-se em momento logicamente anterior ao do reconhecimento da dispensa. Num primeiro momento, avalia-se se a competição é ou não é viável. Se não for, caracteriza-se a inexigibilidade. Se houver viabilidade de competição, passa-se à verificação da existência de alguma hipótese de dispensa.’ (Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, São Paulo, 2005) ” (REsp 797.671/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/6/2008, DJe 16/6/2008)

Inobstante no caso concreto tenha sido o julgamento de uma aquisição de imóvel, por se debater a melhor interpretação do inciso X, do art. 24, da Lei nº 8.666/1993, entendemos que nas hipóteses de locação o mesmo entendimento pode ser aplicado, visto que o citado dispositivo trata das situações tanto de aquisição como de locação. 

“Art. 24. É dispensável a licitação:

X – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;”

Vale aqui relembrar duas antigas regras de hermenêutica jurídica segundo as quais: Ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir).

Fonte: Tribunal de Contas da União Autor: Informativo de Licitações e Contratos nº 327
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