Natureza singular de serviços advocatícios não deve ser compreendida como uma situação de ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, decide TCU

Para fim de contratação com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, serviços advocatícios podem ser considerados como singulares não apenas por suas características abstratas, mas também em razão da relevância do interesse público em jogo, a exigir grande nível de segurança, restrição e cuidado na execução dos serviços, a exemplo de demandas judiciais envolvendo valores de indenização muito elevados, que coloquem em risco a sobrevivência da entidade contratante. 

No exame da prestação de contas da Companhia Energética do Piauí (Cepisa) relativa ao exercício de 2010, dois atos foram tidos como suficientemente graves pelo TCU para julgar irregulares as contas dos responsáveis (Acórdão 1.936/2016 Primeira Câmara), ambos relacionados à contratação de escritório de advocacia, por inexigibilidade de licitação, para a prestação de assessoria jurídica em processos judiciais e administrativos. As contratações foram reputadas como irregulares, entre outros motivos, porque os serviços não seriam de natureza singular, um dos pressupostos exigidos no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993.

Inconformados, os responsáveis interpuseram recursos de reconsideração contra a referida deliberação, aduzindo, entre outros argumentos, que “a contratação era necessária em reforço ao departamento jurídico da entidade e envolvia fornecedores de expertise reconhecida e suficiente para dar suporte estratégico em casos de alto relevo” e que “a Cepisa estava sendo alvo de inúmeras ações no campo regulatório de energia elétrica, com pretensões e atos de escritórios e advogados que causavam risco para o próprio abastecimento do Estado do Piauí e para sua própria sobrevivência, já que os pleitos que lhe eram impingidos e as sanções que lhe podiam ser aplicadas pela Aneel colocavam em risco a continuidade da atuação da concessionária”.

Em seu voto, o relator externou o seu entendimento de que a singularidade pressupõe “complexidade e especificidade”, razão por que “a natureza singular não deve ser compreendida como uma situação de ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada que exige grande nível de segurança, restrição e cuidado”.

Para o relator, no caso concreto, afigurava-se “inegável que os serviços colocados sob a responsabilidade do escritório contratado eram estratégicos e de grande relevância, ligados à regulação do setor energético e à atuação da Cepisa”. A corroborar tal assertiva, ressaltou que “os recorrentes relacionaram demandas que colocavam em risco o abastecimento de energia e a sobrevivência da própria empresa, uma vez que envolviam litígios acerca de indenizações de elevadíssimos valores. Citaram, ainda, ações civis públicas em que se questionava a qualidade do fornecimento de energia ou se pretendia impor à concessionária pesadas condutas, redução do prazo de ressarcimento de consumidores supostamente lesados e multa de milhões de reais a título de danos morais. Mencionaram, ainda, diversas demandas tributárias, dentre elas execuções fiscais do Estado do Piauí, com discussões que superaram a cifra dos treze milhões de reais, em dados históricos. Outras ações mencionadas discutiram dívidas havidas pela Águas e Esgotos do Piauí S.A (Agespisa) relativas a faturas de serviços, com débitos históricos da ordem de R$ 159.274.574,28”.

Diante desse contexto, anuiu à manifestação do titular da unidade técnica no sentido de que “a natureza singular está aí: a própria sobrevivência da empresa estaria em jogo (…). A materialidade, portanto, a singularidade, também estariam provadas pela natureza das ações. Sabemos que as ações coletivas, como a ação popular e a ação civil pública, impõem pesados ônus ao sucumbente, devido ao caráter ‘erga omnes’ da condenação (no caso todos os consumidores do Piauí)”.

Por fim, ao enfatizar que “o objeto é caracterizado como singular não pelas suas características abstratas, mas pela relevância dos interesses públicos em jogo”, o relator concluiu ter restado demonstrada a “impossibilidade fática de a entidade assumir, por seu corpo próprio de advogados, a execução dos serviços em comento”.

Acolhendo o voto do relator, o colegiado decidiu dar provimento aos recursos de reconsideração.

Acórdão 10940/2018 Primeira Câmara, Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Benjamin Zymler. 

Fonte: Tribunal de Contas da União Autor: Informativo de Licitações e Contratos nº 355
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