TSE define parâmetros para gravação de propaganda eleitoral nas dependências de prédios públicos

Trata-se de representação, com pedido de liminar, ajuizada contra coligação e outros por suposta prática de conduta vedada, com fundamento no art. 73, I e III, da Lei nº 9.504/19972, cujo pedido foi julgado parcialmente procedente, com aplicação de multa.

Na espécie, a coligação representante argumentou que a realização de filmagens e a colheita de entrevistas utilizadas na propaganda eleitoral de candidatos à reeleição nas Eleições 2014 caracterizaram utilização de bem público e de servidores públicos em campanha eleitoral.

Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso, relator, a vedação à prática das condutas descritas no art. 73 da Lei nº 9.504/1997 visa assegurar a isonomia e a paridade de armas entre os candidatos nos pleitos eleitorais.

Desse modo, o Plenário do TSE reiterou o entendimento de que, para fins eleitorais, entendem-se como bens públicos de uso comum os assim definidos pelo Código Civil e tambémaqueles aos quais a população em geral tem acesso. Escolas e bibliotecas públicas também estarão enquadradas no conceito de bens públicos de uso comum, desde que:

(i) o local das filmagens seja de acesso livre a qualquer pessoa;
(ii) o uso das dependências seja igualmente possibilitado aos demais candidatos;
(iii) a utilização do bem se restrinja à captação de imagens, verificada pela “ausência de interação direta entre os que são filmados e a câmera” e de encenação (RO nº 1960-83/AM, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgada em 27.6.2017); e
(iv) não haja interrupção da prestação do serviço ao público em virtude das filmagens.

Quanto à configuração de mera captação de imagens, assentou o Tribunal que é necessária a ausência de identificação expressa do estabelecimento público – o que não teria ocorrido na espécie –, servindo o local apenas como pano de fundo para a filmagem.

Por outro lado, firmou não configurar prática das condutas vedadas pelo art. 73, III, da Lei nº 9.504/1997, seja a cessão de servidor público, seja o uso de seus serviços para comitê de campanha eleitoral de candidato, partido ou coligação durante o horário de expediente normal, quando:

(i) servidores de órgão público não praticam ato de campanha ou não disponibilizam sua força de trabalho a comitê eleitoral, limitando-se a dialogar com as autoridades e conceder entrevista sobre seu cotidiano de trabalho, acreditando se tratar de visita técnica;
(ii) ministros de Estado, por serem agentes políticos e não se sujeitarem “a expediente fixo ou ao cumprimento de carga horária, posto que titulares de cargos estruturais à organização política do País” (Rp nº 145-62/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, julgada em 7.8.2014), tenham “presença moderada, discreta ou acidental […] em atos de campanha” (Rp nº 848-90/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgada em 4.9.2014).

Desse modo, configurado o uso de bem público em benefício da candidatura e reconhecida a prática de conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei nº 9.504/1997, com aplicação individual de multa.

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

DIREITO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2014. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. BEM PÚBLICO. USO COMUM. CESSÃO OU USO. UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE – UBS. VISTORIA DAS DEPENDÊNCIAS. GRAVAÇÃO DE PROGRAMA ELEITORAL. PRESENÇA DA PRESIDENTE DA REPÚBLICA CANDIDATA À REELEIÇÃO. CAPTAÇÃO DE IMAGENS. REUNIÃO E ENTREVISTA COM MÉDICOS. CONDUTA VEDADA CONFIGURADA. SERVIDOR PÚBLICO. CESSÃO OU USO DE SERVIÇOS. CORPO CLÍNICO DA UBS. MERA APRESENTAÇÃO DO LOCAL A AUTORIDADES E ENTREVISTA SOBRE COTIDIANO DE TRABALHO. MINISTRO DA SAÚDE. INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CONDUTA VEDADA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE IMPACTO E DE GRAVIDADE DO ILÍCITO RECONHECIDO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. MULTA. APLICAÇÃO A CANDIDATO BENEFICIADO.
I – Hipótese
1. Representação, com pedido de liminar, ajuizada contra a Coligação Com a Força do Povo (PT/PMDB/PDT/PCdoB/PP/PR/PSD/PROS/PRB), Dilma Vana Rousseff, Michel Miguel Elias Temer Lulia, então Presidente e Vice–Presidente da República candidatos à reeleição em 2014; Ademar Arthur Chioro dos Reis, então Ministro da Saúde; César Tamashita, Juan Gusmelie e Hilda Suares, médicos; e Walter Freitas Júnior, servidor público municipal, por suposta prática de conduta vedada, com fundamento no art. 73, I e III, da Lei nº 9.504/1997. 
2. Gravação de propaganda eleitoral nas dependências de Unidade Básica de Saúde, com presença da Presidente da República e do Ministro da Saúde, captação de imagens e concessão de entrevista, por médicos.
II – Agravo interno
3. Decisão liminar de suspensão da veiculação da propaganda. Exclusão dos médicos e do servidor público municipal do polo passivo da ação. Interposição de agravo interno no qual sustentada a necessidade de manutenção de todos os representados no polo passivo.
4. Art. 29 da Res.–TSE nº 23.398/2013, aplicável às Eleições 2014. Irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias proferidas no curso das representações, cabendo à parte interessada o ônus de suscitar a matéria em alegações finais, a fim de que seja apreciada pelo colegiado por ocasião do julgamento. Procedimento não observado pela agravante, que interpôs recurso incabível.
III – Mérito
5. Para fins eleitorais, entendem–se como bens públicos de uso comum os assim definidos pelo Código Civil e também aqueles aos quais a população em geral tem acesso. Escolas e bibliotecas públicas também já foram consideradas bens públicos de uso comum, desde que: (i) o local das filmagens seja de acesso livre a qualquer pessoa; (ii) o uso das dependências seja igualmente possibilitado aos demais candidatos (AgR–RO nº 1379–94/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 28.11.2016); (iii) a utilização do bem se restrinja à captação de imagens, verificada pela “ausência de interação direta entre os que são filmados e a câmera” e de encenação (RO nº 1960–83/AM, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 27.06.2017) e (iv) não haja interrupção da prestação do serviço ao público em virtude das filmagens. Precedentes.
6. Para que seja constatada a mera captação de imagens, é necessário que não haja a identificação expressa do estabelecimento público, servindo o local apenas como pano de fundo, a fim de ilustrar as propostas dos candidatos para as áreas relacionadas ao local das filmagens.
7. Art. 73, I, da Lei nº 9.504/1997. O conjunto probatório demonstra que a conduta dos representados extrapolou a mera captação de imagens, uma vez que: (i) medidas preparatórias para a visita foram adotadas ante a comunicação de que um representante do Ministério da Saúde realizaria uma visita técnica no local; (ii) a candidata circulou por áreas internas da UBS e realizou reunião em sala administrativa, espaços em relação aos quais não se pode presumir acesso do público em geral; (iii) as circunstâncias não permitem concluir que outros candidatos poderiam ter acesso idêntico. Assim, ficou configurado o uso de bem público em benefício da candidatura.
8. Art. 73, III, da Lei nº 9.504/1997. Não se caracterizou cessão de servidores públicos ou uso de seus serviços por comitê de campanha em horário de expediente normal, pois: (i) os médicos não praticaram ato de campanha ou disponibilizaram sua força de trabalho a comitê eleitoral, limitando–se a dialogar com as autoridades e conceder entrevista sobre seu cotidiano de trabalho, durante o que acreditavam ser uma visita técnica, o que constitui conduta atípica; (ii) Ministros de Estado, na qualidade de agentes políticos, “não se sujeitam a expediente fixo ou ao cumprimento de carga horária, posto que titulares de cargos estruturais à organização política do País” (Rp nº 145–62/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, j. em 07.08.2014), razão pela qual não viola o art. 73, III, da Lei das Eleições a sua “presença moderada, discreta ou acidental […] em atos de campanha” (Rp nº 848–90/DF, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, j. em 04.09.2014).
IV – Aplicação das sanções
9. Configurada a conduta vedada, a proporcionalidade e a razoabilidade devem nortear a aplicação das penalidades. No caso, a prática do ilícito previsto no art. 73, I, da Lei nº 9.504/1997: (i) não impactou significativamente no cotidiano de trabalho dos servidores públicos e de funcionamento da UBS; (ii) isoladamente, não possui gravidade no contexto de eleição presidencial, uma vez que redundou em cenas de pouco mais de um minuto na propaganda dos candidatos, não havendo nos autos indicativo de repercussão anormal da sua veiculação. Assim, é suficiente a aplicação da multa em seu patamar mínimo.
10. A multa deve ser aplicada individualmente a cada réu, uma vez que os §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 preveem a condenação tanto do agente público responsável quanto dos partidos políticos, coligações e candidatos que se beneficiaram da conduta vedada, independentemente de autorização ou anuência para a prática do ato.
11. As circunstâncias fáticas autorizam a condenação de Arthur Chioro dos Reis como agente público responsável pela conduta vedada pelo art. 73, I, da Lei nº 9.504/1997. Isso porque: (i) a organização do evento ocorreu a partir do comunicado de que um representante do Ministério da Saúde visitaria o local, fator decisivo para que medidas excepcionais fossem adotadas para receber a suposta visita técnica oficial; (ii) a presença do então Ministro da Saúde durante os fatos corrobora essa narrativa; e (iii) não foram contrapostas versão ou provas ao relato da petição inicial e aos depoimentos.
12. São beneficiários da conduta, aos quais também se aplica a multa, nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/1997: (i) Dilma Vana Rousseff, então Presidente da República, candidata à reeleição, que ademais participou da gravação da propaganda; (ii) Michel Miguel Elias Temer Lulia, então Vice–Presidente, candidato à reeleição; e a Coligação Com a Força do Povo, que se beneficiou da prática da conduta vedada, independentemente de sua participação ou anuência na prática ilícita.
V – Conclusão
13. Agravo interno não conhecido.
14. Pedido julgado parcialmente procedente, para aplicar, a cada representado, multa de R$ 5.320,50. (TSE – RP nº 119878, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 13.08.2020, DJe de 26.08.2020)

Leia o acórdão.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral Autor: Informativo TSE nº 8
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