Limite de despesas com pessoal: o drama das prefeituras

Por três anos consecutivos, o Tribunal de Contas de Pernambuco, divulga levantamento que expõe, talvez, o maior drama das gestões municipais que é respeitar os limites de despesas com pessoal definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Pelo que se observa dos estudos da Cortes Contas, inobstante as inegáveis deficiências de gestões descuidadas com este critério da LRF, da mesma forma é inegável que diante de um quadro em que aponta a esmagadora maioria dos municípios pernambucanos – e não deve ser diferente em outros estados – desrespeitando os contornos da mencionada lei, há de se convir, que o problema é estrutural ou que o modelo deva ser repensado.

Algumas inovações interpretativas começam a mitigar o excessivo rigor da norma e sobre isso já tratamos no artigo Verbas de natureza indenizatória não entram no cômputo das despesas com pessoal da LRF publicado aqui nesse portal.

Associado a isso muitos gestores estão tendo as contas anuais rejeitadas em muitos processos com   altas penalidades pecuniárias, incorrer em crime caso aumente a despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato e sujeição a responsabilização pela lei de improbidade administrativa. Os intervalos dos limites com gastos com pessoal, gradativamente, implicam em consequências legais, vejamos:

– Quando o percentual de despesa com pessoal ficar entre 48,6% e 51,3%. Para este caso, considerado como “limite alerta”, a lei não prevê vedações ou punições ao gestor. O propósito é tão somente chamar sua atenção para o limite do gasto;

– Quando o percentual estiver está entre 51,3% e 54% – mesmo ultrapassando o “limite prudencial”, a Lei não prevê punição para o gestor. Apenas o impede de realizar novas despesas na área de pessoal, tais como, concessão de vantagens, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, criação de cargo, emprego ou função, alteração da estrutura de carreira que implique aumento de despesa, provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal, e pagamento de horas extras.

– Quando o percentual ficar acima de 54% – neste cenário, há as vedações vão desde a aplicação de penalidades ao gestor até a proibição de celebrar convênios com os governos estadual e federal.

Ressalta-se que inciso IV, do parágrafo único, do art. 22, da LRF, permite a admissão ou contratação de pessoal, mesmo que o município esteja acima do limite prudencial (51,3%) desde que não supere o limite máximo (54%), nas hipóteses de reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança.

Nos últimos levantamentos realizados pelo TCE/PE verifica-se que:

Em 2016 (dados do RGF do 2º e 3º quadrimestres de 2015), dos 184 municípios pernambucanos

Cumprimento da DTP inferior a 48,6%


Entre Limite de Alerta
e o Prudencial
(48,6% e 54,0%)

Acima do Limite Máximo (54%)

14 prefeituras (8%)

42 prefeituras (23%)

126 prefeituras (68%)

Em 2017, dos 184 municípios pernambucanos

Cumprimento da DTP inferior a 48,6%


Entre Limite de Alerta
e o Prudencial
(48,6% e 54,0%)

Acima do Limite Máximo (54%)

29 prefeituras (15%)

63 prefeituras (34%)

92 prefeituras (50%)

Em 2018 (dados do 3º quadrimestre de 2017), dos 184 municípios pernambucanos

Cumprimento da DTP inferior a 48,6%


Entre Limite de Alerta
e o Prudencial
(48,6% e 54,0%)

Acima do Limite Máximo (54%)

12 prefeituras (6%)

29 prefeituras (15%)

141 prefeituras (76%)

O cenário objetivamente demonstra que outros fatores estão colaborando para pressionar a extrapolação do limite de despesa total com pessoal e não simplesmente acusar, às vezes de maneira injusta, que tudo é culpa de falta de gestão. Afinal, consequências legais graves podem recair sobre os prefeitos e as administrações municipais que podem ficar inviabilizadas de promover políticas públicas de maior vulto e importância por meio de recursos federais ou estaduais advindos de convênios e emendas de parlamentares .

Dentre esses fatores, podemos citar a baixa arrecadação municipal, a redução dos repasses do FPM, aumentos do salário mínimo, elevação do piso dos profissionais do magistério, assunção de diversos serviços descentralizados da União e do Estado, são exemplos comuns que afetam os municípios potencializados por uma insistente crise econômica nacional.

Sublinhamos que uma situação anteriormente era restrita aos municípios hoje se estende aos estados brasileiros. Em 12.01.2018, o jornal O Globo, publicou matéria sobre a dificuldade fiscal dessas unidades da federação (clique aqui para ler).

Em boa hora foi sancionada a Lei nº 13.655/2018 que incluiu na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. O art. 22, dispõe que:

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

O grupo de juristas (clique aqui para ler o parecer) que auxiliou na elaboração do anteprojeto assim justificou a nova previsão legal:

“(…) a norma em questão reconhece que os diversos órgãos de cada ente da Federação possuem realidades próprias que não podem ser ignoradas. A realidade de gestor da União evidentemente é distinta da realidade de gestor em um pequeno e remoto município. A gestão pública envolve especificidades que têm de ser consideradas pelo julgador para a produção de decisões justas, corretas.

As condicionantes envolvem considerar (i) os obstáculos e a realidade fática do gestor, (ii) as políticas públicas acaso existentes e (iii) o direito dos administrados envolvidos. Seria pouco razoável admitir que as normas pudessem ser ignoradas ou lidas em descompasso com o contexto fático em que a gestão pública a ela submetida se insere.”

A lei é novíssima e ainda vai passar pelo crivo da doutrina e da jurisprudência, mas, certamente, coloca no centro da discussão o primado da realidade.

Por fim, é válido o alerta do Min. Napoleão Nunes de Maia Filho, do STJ, ao criticar a banalização do ajuizamento de ações de improbidade administrativa ao sustentar que:

“10. Em face dessa situação, não se deve admitir que a conduta culposa renda ensejo à responsabilização do agente por improbidade administrativa; com efeito, a negligência, a imprudência ou a imperícia, embora possam ser consideradas condutas irregulares e, portanto, passíveis de sanção, não são suficientes para ensejar a punição por improbidade administrativa. (…)

14. Aceitando-se essa matriz analítica do ato de improbidade sugerida nessa ponderação, pode-se concluir de imediato que eventuais ilegalidades formais ou materiais cometidas pelos Agentes Públicos não se convertem automaticamente em atos de improbidade administrativa, se nelas não se identifica a vontade deliberada e consciente de agir, ou seja, excluindo-se a possibilidade de improbidade meramente culposa.

15. Essas limitações servem à finalidade de escoimar da prática administrativa a banalização das imputações vazias e para revelar a gravidade dessas mesmas imputações, que devem ser combatidas e intoleradas.” (AgRg no AREsp 509.655/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 04/08/2015)

 

Por Josembergues Melo

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