Comparecimento ostensivo em inaugurações de obras públicas, nos três meses antes da eleição, causa cassação do mandato

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou as cassações dos mandatos de Joel de Lima (PSD) e Jaílson de Sousa, que haviam sido reeleitos prefeito e vice-prefeito de Miguel Leão, no Piauí, em 2016. Os ministros entenderam que Joel de Lima cometeu abuso de poder político e econômico ao comparecer às inaugurações de duas obras públicas três meses antes da eleição de 2016, período proibido pela legislação eleitoral para esse tipo de conduta.

Após a chapa eleita em 2016 ter sido cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI), os 1,5 mil eleitores de Miguel Leão voltaram às urnas no dia 6 de agosto de 2017 para escolher, por meio de eleição suplementar, o novo chefe do Executivo municipal. Na oportunidade, foi eleito para o cargo Roberto César Leão Nascimento (PR), que recebeu 663 votos, o que corresponde a 51.48% dos votos dados aos candidatos a prefeito.

Ao rejeitar nesta terça-feira dois recursos apresentados pelo prefeito e vice punidos, o TSE manteve integralmente o entendimento da Corte Regional que cassou os mandatos dos políticos. O titular da chapa também foi declarado inelegível por oito anos por ter sido o autor do ilícito eleitoral. O TRE tomou a decisão ao julgar procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) ajuizada pela coligação adversária Juntos Somos Mais Fortes.

Segundo a coligação, Joel de Lima participou, no dia 2 de julho de 2016, de forma ostensiva e com claro objetivo eleitoral, das inaugurações de obras, entre elas, a de uma piscina no Centro de Convivência do Idoso Renovar é Viver e a da reforma do estádio Altamirão, em Miguel Leão. Pelo Calendário da Eleição de 2016, a proibição de qualquer candidato comparecer a inaugurações de obras públicas (artigo 77 da Lei nº 9.504/1997 – Lei das Eleições) passou a vigorar justamente em 2 de julho daquele ano, três meses antes da data da eleição, que ocorreu no dia 2 de outubro de 2016.

Apesar de não ser ainda legalmente candidato à reeleição, já que as convenções partidárias de escolha dos candidatos a prefeito, vice-prefeito e a vereador somente seriam realizadas de 20 de julho a 5 de agosto para o pleito de 2016, Joel de Lima teria participado dos eventos como agente público para promover sua eventual candidatura.

Em decisão individual proferida no dia 1º de agosto de 2018 nos recursos apresentados por Joel de Lima e Jaílson de Sousa, a então relatora dos processos, ministra Rosa Weber, afirmou que, diante dos fundamentos adotados pelo TRE do Piauí para cassar os mandatos, está “configurado o abuso de poder, com gravidade bastante para desequilibrar a disputa eleitoral”.

Entre os elementos mencionados pela Corte Regional para caracterizar o abuso de poder político e econômico no episódio, estão: a atuação ostensiva do prefeito nos eventos, em posição de destaque; peculiaridades que revelam que as inaugurações ocorreram com a intenção de favorecer uma provável candidatura do prefeito à reeleição; e a magnitude dos eventos em relação aos habitantes do município. Por fim, de acordo com o TRE, houve ainda ampla divulgação da participação de Joel de Lima nos eventos, feita por meio de quatro veículos de comunicação e do Facebook.

Com relação à gravidade dos fatos, a ministra Rosa Weber afirmou que a Corte Regional destacou ter sido “patente” o benefício eleitoral obtido pelo político ao comparecer de forma ostensiva a inaugurações de obras públicas, em período vedado. Segundo o TRE, ao praticar a conduta ilícita como agente público, Joel de Lima violou a igualdade de chances entre os postulantes à Prefeitura de Miguel Leão naquela eleição.

O ministro Edson Fachin passou a ser o relator dos recursos após a ministra Rosa Weber assumir a Presidência do TSE, no dia 14 de em agosto de 2018. O ministro encaminhou voto pela rejeição dos recursos.

Ressalva

Ao votarem, os ministros Admar Gonzaga e Jorge Mussi ressalvaram o enquadramento do caso concreto analisado nos processos, relativos às Eleições 2016, na conduta vedada no artigo 77 da Lei 9.504/1997, tendo em vista que, na data da inauguração das obras, o então prefeito ainda não era formalmente candidato, ou seja, não tinha registro protocolado na Justiça Eleitoral.

Processo relacionado: AgR no Respe 29409

NOTA DO ESCRITÓRIO (Atualização em 12.04.2019)

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA E VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. CONDUTA VEDADA. ABUSO DE PODER. INDEPENDÊNCIA. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. TEMA NÃO DEBATIDO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. ART. 77 DA LEI Nº 9.504/1997. CONDIÇÃO DE CANDIDATO. DESCOMPASSO LEGISLATIVO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. PRESERVAÇÃO DO ESPECTRO DE PROTEÇÃO DA NORMA. ABUSO DE PODER. GRAVIDADE DA CONDUTA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 24/TSE. AGRAVOS DESPROVIDOS.
Agravo de Jailson de Sousa
1. Desnecessidade de intimação de corréu absolvido para se manifestar em recurso de interesse exclusivo da defesa de corréu, pois não há possibilidade de alteração do julgado em seu prejuízo.
2. A parcial procedência do pedido formulado na representação por conduta vedada que implicou, na primeira instância, absolvição do candidato a vice-prefeito não impede o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral proposta por autor diverso para a análise de abuso de poder que pode culminar na condenação da chapa majoritária.
Não há caracterização de coisa julgada.
3. A imputação de abuso de poder ao titular da chapa implica a legitimidade passiva do candidato a vice, pois se trata de hipótese de litisconsórcio necessário em razão do princípio da indivisibilidade.
4. Nos termos do art. 132, § 2º, do Código Civil, os prazos materiais em meses expiram no dia de igual número do de início. Dessa forma, o prazo de 3 meses referido na vedação do art. 77 da Lei nº 9.504/1997 incidiu, nas eleições de 2016, a partir de 2.7.2016.
5. Reconhecido o abuso de poder e a gravidade das condutas praticadas pelo candidato a prefeito, rever tal posicionamento demandaria o reexame do acervo fático-probatório, vedado pela Súmula nº 24/TSE.
6. Agravo interno desprovido.
Agravo de Joel de Lima
7. A arguição de inconstitucionalidade do art. 96-B da Lei nº 9.504/1997 não foi prequestionada, tendo sido trazida aos autos pela primeira vez nas razões do recurso especial, o que atrai o óbice da Súmula nº 72/TSE.
8. A menção incidental do tema em voto-vista, com a ressalva expressa no sentido de não levar o assunto à discussão do Colegiado, não é suficiente para fins de prequestionamento, mormente quando a discussão sequer é aventada pelo restante dos julgadores. A análise do requisito do prequestionamento deve se afastar de concepção formalista, passando necessariamente pela noção constitucional de causa decidida como aquela sobre a qual o Tribunal recorrido efetivamente debateu e firmou entendimento.
9. Os recursos especial e extraordinário possuem função constitucional que acarreta tratamento processual diferenciado, sendo exigível o prequestionamento das alegações aduzidas ainda que se trate de matéria de ordem pública, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
10. O art. 77 da Lei nº 9.504/1997, ao exigir a condição de candidato para a configuração da conduta vedada, deve ser interpretado de acordo com o telos subjacente à normatização, no sentido de evitar que agentes e gestores se utilizem das inaugurações de obras públicas como meio de angariar benefício eleitoral. 
11. As alterações promovidas pela Lei nº 13.165/2015, ao estreitarem o processo eleitoral e postergarem a data-
limite para apresentação do registro de candidatura, não alteraram a possibilidade de que gestores compareçam a eventos imbuídos da condição material de concorrentes à reeleição. Portanto, o fato de o gestor não ostentar a qualificação formal de candidato não afasta a necessidade de proteção reconhecida pelo art. 77 da Lei nº 9.504/1997. 
12. Impor interpretação estritamente formal ao ilícito em debate enveredaria por violação ao princípio da proporcionalidade sob a ótica da vedação da proteção deficiente. A qualificação formal de candidato seria exigível apenas a partir do dia 16 de agosto, possibilitando que notórios candidatos participem de inaugurações de obras públicas até 45 dias antes das eleições e decotando pela metade o espectro de proteção da norma. 
13. Demonstrada a participação do prefeito na condição de candidato à reeleição, não se pode fazer prevalecer condição formalista sobre a realidade comprovada nos autos. 
14. O acórdão recorrido entendeu demonstrado o abuso de poder político pela conjunção de diversos elementos fáticos, qualificados pela conotação eleitoral e pela má-fé do agravante ao participar de evento em período vedado. Não houve presunção de abuso pelo simples fato de haver divulgação das inaugurações e o comparecimento de muitas pessoas. 
15. A insurreição do agravante contra a condenação por abuso de poder revela mero inconformismo quanto à análise das provas. No entanto, esta matéria não pode ser revisitada em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 24/TSE.
16. Agravo interno desprovido. (TSE – RESPE nº 29409, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 05.02.2019, DJE de 05.04.2019)

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