TRE-RN declara inconstitucionais os arts. 55-A e 55-C da Lei dos Partidos Políticos

Em sua penúltima sessão como membro da corte do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN), o juiz José Dantas de Paiva foi responsável pela relatoria de um julgamento de inconstitucionalidade na Lei dos Partidos Políticos.

O magistrado foi acompanhado à unanimidade pelos colegas de corte ao declarar a inconstitucionalidade de forma incidental do artigo 55-A da Lei 9.096/95, a pedido do Ministério Público Eleitoral. A decisão quanto a esse artigo é inédito nos TREs do Brasil. Em outubro de 2019, o TRE-RN também foi o primeiro do país a declarar a inconstitucionalidade do artigo 55-C da mesma Lei, posteriormente seguido por outros regionais.

A corte eleitoral potiguar entendeu que o dispositivo legal não é coerente com a Constituição Federal. Essa declaração de inconstitucionalidade não acarreta a anulação do artigo da Lei para todos, mas somente para as partes do processo em que a norma foi assim declarada.

Nesse caso, a decisão se deu em um processo de Prestação de Contas do diretório potiguar do partido Solidariedade, pelo exercício financeiro do ano de 2016.

O artigo em questão foi adicionado à Lei em 2019 e dispõe que “os partidos que não tenham observado a aplicação de recursos para promover a participação política das mulheres nos anos anteriores a 2019, e que tenham utilizado esses recursos no financiamento das candidaturas femininas até as eleições de 2018, não poderão ter suas contas rejeitadas ou sofrer qualquer outra penalidade”.

Ao justificar o voto, Dantas ressaltou que o artigo 55-A “criou uma espécie de compensação, permitindo que partidos políticos que não reservaram qualquer quantia para programas de participação feminina pudessem agora destinar recursos financeiros equivalentes para o financiamento de candidaturas femininas, em efetivo prejuízo e retrocesso quanto às duas ações afirmativas”.

“Em vez de se somarem os dois recursos e de se efetivamente promover políticas e programas voltados à conscientização feminina quanto ao seu papel de agente transformador, simplesmente se permitiu a compensação das ações afirmativas, em clara afronta ao princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres, encartado no artigo 5º, parágrafo I, da Constituição Federal de 1988”, concluiu o juiz.

O juiz também entendeu que o 55-A afronta princípio constitucional da vedação ao retrocesso de direitos fundamentais, por ir de encontro a uma política pública de caráter compensatório que visa reduzir a discrepância entre homens e mulheres na ocupação dos postos de poder na política e dentro dos partidos políticos.

Declaração de Inconstitucionalidade do art. 55-C, da Lei nº 9.096/1995 em Outubro de 2019

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN) tomou uma decisão inédita em todo o Brasil. Recentemente, em processo de prestação de contas sob relatoria do juiz Ricardo Tinoco, a corte eleitoral potiguar julgou inconstitucional o artigo 55-C da nova Lei dos Partidos Políticos, aprovada recentemente pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro. Com as alterações, o artigo 55-C retira do judiciário eleitoral a possibilidade de desaprovar as contas dos partidos que não cumprirem a obrigação de investir 5% do Fundo Partidário em programas de incentivo à participação feminina.

Conforme explica o relator Ricardo Tinoco, a decisão da Justiça Eleitoral potiguar se baseia em três princípios: proibição do retrocesso, igualdade substancial e imperfeição normativa. “A nova lei viola uma série de conquistas de natureza constitucional quanto à evolução do reconhecimento da mulher em sede política, e quanto ao tratamento isonômico e igualitário de gêneros. Não pode em uma democracia existir a ofensa ao pluralismo. Se não há um incentivo às candidaturas femininas, certamente haverá uma hegemonia masculina na representatividade partidária, o que é muito grave”.

O juiz ainda chamou atenção para outras questões: “Se permitíssemos essa norma, sem qualquer restrição, nós estaríamos aprovando o retrocesso. Logo, além de proibir o retrocesso, a decisão do TRE-RN protege o progresso das candidaturas femininas. É importante também fazer valer o princípio da igualdade substancial, que é justamente a iniciativa de favorecer aqueles que historicamente foram colocados a margem do processo político, como foi o caso das mulheres. Outro ponto é a imperfeição normativa, que é o fato dessa nova regra violar outra dentro da mesma lei”, justificou o relator.

Embora tenha validade somente a nível local, a decisão da Justiça Eleitoral potiguar pode ser utilizada como precedente persuasivo por outros tribunais eleitorais, de modo a influenciar as interpretações e servir de elemento a mais para fundamentar o julgamento da matéria. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) tem a autoridade de, se achar necessário, apreciar a matéria, em nível de controle concentrado, e tomar uma decisão com validade para todo o país.

O julgamento do TRE-RN ocorreu durante votação que tratava da prestação de contas do partido político estadual Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

PRESTAÇÃO DE CONTAS – PARTIDO POLÍTICO – DIRETÓRIO ESTADUAL – EXERCÍCIO FINANCEIRO 2016 – ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, EX OFFICIO, DO ART. 55 – C DA LEI Nº 9.096/95. PRESENÇA DE ANTINOMIA NO MICROSSISTEMA JURÍDICO DA NORMA. CONTEÚDO NORMATIVO MITIGADOR DE AÇÃO AFIRMATIVA DESTINADA AO FOMENTO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL ENTRE HOMENS E MULHERES. MALFERIMENTO À PROIBIÇÃO DO RETROCESSO EM TEMAS RELATIVOS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.INCOMPATIBILIDADE COM O REGIME DE CONQUISTAS DE DIREITOS FORJADO NO ÂMBITO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA. ACOLHIMENTO DA ARGUIÇÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DO ART. 55 – C DA LEI Nº 9.096/95. MÉRITO. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGATORIEDADE DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE 5% (CINCO POR CENTO) DO FUNDO PARTIDÁRIO À PROGRAMA DE INCENTIVO DE PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA.POSSIBILIDADE DE REPROVAÇÃO CONTÁBIL COM BASE NO DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO INSERTA NO INCISO V DO ART. 44 DA LEI Nº 9.096/95.ANÁLISE DO CONTEXTO GLOBAL DAS CONTAS.SOPESAMENTO COM DEMAIS IRREGULARIDADES. RESERVA DO VALOR NÃO APLICADO. DESTINAÇÃO AO EXERCÍCIO SEGUINTE. INTELIGÊNCIA DO §5º DO ART. 44 DA LEI 9.096/95.PRECEDENTE. RECEBIMENTO DE RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA.VALOR POUCO EXPRESSIVO FRENTE AO TOTAL DE RECEITAS. DEVOLUÇÃO AO TESOURO NACIONAL. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO.PAGAMENTO DE JUROS E MULTA POR ATRASO. IRREGULARIDADE GRAVE.UTILIZAÇÃO PARA DESPESAS DE MANUTENÇÃO DA SEDE DO PARTIDO E OBRIGAÇÕES FAZENDÁRIAS. BAIXO PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DOS GASTOS. POSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO DA DESPESA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INTENÇÃO EM RECOLHER OS VALORES GLOSADOS. FALHAS QUE, EM CONJUNTO, CORRESPONDEM A PERCENTUAL POUCO EXPRESSIVO DO TOTAL DE RECEITAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABLIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.PRECEDENTES. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. PEDIDO DE PARCELAMENTO PRÉVIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES.INDEFERIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DETERMINAÇÃO DE RESERVA DO VALOR NÃO APLICADO NO FUNDO PARTIDÁRIO NA PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA PARA O EXERCÍCIO SUBSEQUENTE.
O teor normativo do art. 55 – C da Lei nº 9.096/95, ao prescrever a impossibilidade de reprovação contábil das contas partidárias anteriores a 2018 tendo por base o descumprimento do inciso V do art. 44 da mesma lei, de logo revela uma antinomia jurídica quando em cotejo com os demais preceitos insertos na norma, de modo a sinalizar sua antijuridicidade, mesmo ainda no âmbito da citada lei, visto que termina por empregar maus tratos a uma lição comezinha da Teoria Geral do Direito, voltada que é à preservação da coerência e da coesão na organicidade dos textos legislativos, já que, paradoxalmente, ao tempo em que lança a obrigação, retira do seu plano consequente, a respectiva sanção.
De todo perceptível que a alteração trazida pelo art. 55 -C consiste em verdadeira desidratação de ferramenta que visa aperfeiçoar materialmente a condição de igualdade entre os concidadãos do gênero masculino e feminino na seara da participação política, posto que uma medida que enfraquece ou esvazia uma ação de combate a um desequilíbrio material decerto equivale a algo que o amplia e o estimula, de modo que a inserção do referido dispositivo na ordem jurídica malfere a regra explicitada no art. 5º, I da Constituição Federal, consagradora da igualdade entre os cidadãos brasileiros.
Noutro ângulo, permitir a descontinuidade, sem qualquer razão ponderável, de política de ação afirmativa que visa balancear desigualdade material e que já vem apresentando resultados ponderáveis, configura verdadeiro retrocesso do ponto de vista da evolução das conquistas no âmbito dos direitos fundamentais, circunstância sabidamente vedada pelo regime de proteção das garantias estabelecidas na Constituição, notadamente por se tratar de um direito forjado ao longo do tempo no debate político nacional, o qual observou historicamente as balizas e foros próprios do regime democrático.
À vista da incompatibilidade material do teor normativo do art. 55 – C da Lei nº 9.096/95 com a Constituição Pátria, cumpre declarar, incidenter tantum, sua inconstitucionalidade, de modo a permitir a desaprovação das contas partidárias escorada no descumprimento da obrigação prevista no art. 44, V da referida lei, a qual impõe a aplicação de percentual mínimo de 5% do Fundo Partidário na promoção da participação feminina na política, observada o organicidade de cada caso concreto.
Na espécie, portanto, não houve aplicação do referenciado percentual mínimo, circunstância que deve ser sopesada na análise da higidez contábil, considerado o contexto geral das contas e em linha com as demais irregularidades, sem olvidar, no entretanto, da incidência do §5º do art. 44, o qual impõe a reserva do valor não aplicado para o exercício seguinte ao do julgamento, vedada sua utilização para finalidade diversa, consoante precedente desta Corte (PC nº 44-62, Juiz José Dantas de Paiva, j. 5.9.2019).
O recebimento de recursos cuja origem não restou identificada é objeto de vedação pelas normas eleitorais, em homenagem ao dever de transparência que deve orientar a arrecadação e gastos de recursos pelas agremiações. Na espécie, todavia, o valor é pouco representativo frente à totalidade da receita, cumprindo à agremiação efetuar o seu devido recolhimento ao Tesouro Nacional, não havendo falar em gravidade suficiente à macular, de per se, a higidez contábil.
A natureza pública dos recursos oriundos do Fundo Partidário impõe cerrada limitação quanto às despesas que podem ser efetuadas com referidos valores, a vista do §1º do art. 17 da Resolução 23.464/TSE, configurando, pois, irregularidade grave os gastos realizados fora de tais hipóteses. Na espécie, entretanto, o montante utilizado para o pagamento de juros e multa por atraso de faturas e com Documentos de Arrecadação de Receitas Federais – DARF representa apenas 0,23% (vinte e três décimos por cento) do total de recursos advindos da mencionada fonte, circunstância que, aliada ao tipo de despesa vocacionada à manutenção da atividade partidária, não tem o condão de comprometer a regularidade contábil nem tampouco inviabilizar a fiscalização desta Justiça Especializada.
Bem de ver, pois, que as irregularidades somadas correspondem a menos de 6% (seis por cento) da totalidade dos recursos movimentados no exercício em análise e, de outro lado, não tendo se verificado atitude de má – fé por parte da agremiação quando foi instada a prestar informações e juntar documentos, bem assim sua disposição em efetivar a devolução dos valores apontados como irregulares, configurando, desse modo, cenário factível à aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a teor dos precedentes desta Corte e do Tribunal Superior Eleitoral.
À míngua de elementos atuais e concretos que indiquem efetiva impossibilidade financeira de recolher valor em sua totalidade, a simples alegação de falta de recursos não se mostra suficiente para o deferimento prévio de pedido de parcelamento cujo montante a ser devolvido mostra-se de baixa expressividade quando se tem em vista o volume financeiro que aparenta movimentar a agremiação.
Aprovação das contas com ressalvas, com determinação de recolhimento de valores glosados e reserva do valor não aplicado do Fundo Partidário na promoção da participação feminina na política, a ser utilizado no exercício seguinte. (TRE-RN – PC nº 4802 (Acórdão nº 163/2019), Rel. Des. RICARDO TINOCO DE GÓES, julgado em 08/10/2019, DJE de 17.08.2019, pág. 3/4)

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