O poder-dever de a Administração rever seus próprios atos, mesmo quando eivados de ilegalidade, encontra-se sujeito ao prazo decadencial de 5 (cinco) anos, ressalvada a comprovação de má-fé por parte do anistiado político, nos termos do previsto no art. 54, caput, da Lei 9.784/99 c.c. 37, § 5º, da Constituição da República, ou a existência de flagrante inconstitucionalidade.
Ora, situações flagrantemente inconstitucionais, como o provimento de cargo público efetivo sem a devida submissão a concurso público, não podem e não devem ser superadas pelo eventual reconhecimento da prescrição ou decadência, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal.
Os institutos da prescrição e decadência não se aplicam em situações que afrontam diretamente a Constituição Federal. Desse modo, o decurso do tempo não possui o condão de convalidar atos administrativos que afrontem o princípio do concurso público. É a posição iterativa no colendo STJ:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INVESTIDURA. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE DECADÊNCIA.
1. O acórdão encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que não ocorre a decadência administrativa em situações de evidente inconstitucionalidade, como é o caso de admissão de servidores sem concurso público (RMS 48.848/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 9/8/2016, DJe 18/8/2016). Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no AREsp 1108774/GO, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 05/04/2018)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO DO PODER LEGISLATIVO ESTADUAL. ACESSO A CARGO PÚBLICO SEM CONCURSO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO PARQUET ESTADUAL OBJETIVANDO A ANULAÇÃO DESSE ATO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da qual pretende-se a anulação do ato administrativo que determinou o enquadramento de diversos servidores, sem concurso público, em cargos de provimento efetivo da Assembléia Legislativa do estado do Rio Grande do Norte.
2. Consoante jurisprudência do STJ, na hipótese de ato de provimento efetivo flagrantemente inconstitucional, não há como reconhecer a prescrição ou decadência do ato administrativo. Este é o posicionamento que tem sido adotado pela Primeira e Segunda Turma deste Superior Tribunal de Justiça em casos semelhantes ao dos autos, que envolvem a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte. Precedente: AgInt no REsp 1.312.181/RN, Relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 28/8/2017.
3. Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp 1444111/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018)
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL OCUPADO SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA N. 83 DO STJ. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO INCONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 473 DO STF. ACÓRDÃO RECORRIDO COM FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.
2. Quanto à decadência para a administração desconstituir ato administrativo e à alegação de direito adquirido à titularidade do tabelionato, o recurso também não merece ser admitido, pois o acórdão recorrido decidiu que o ato administrativo inconstitucional pode ser revisto a qualquer momento, enquanto que o recorrente se apega à genérica alegação de que se deveria observar o prazo quinquenal para a revisão dos atos administrativos. Entendimento da Súmula n. 283 do STF.
3. (…)” (AgRg no Ag 1403967/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 04/09/2013)
Por sua vez, a Suprema Corte também tem pacificado o entendimento quanto à impossibilidade de se consolidarem no tempo as situações flagrantemente inconstitucionais, como a de descumprimento do mandamento constitucional que determinada a prévia aprovação em concurso público para ingresso em cargos efetivos. Vejamos:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PERMUTAS E REMOÇÕES ENVOLVENDO TITULARES DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONCURSO PÚBLICO.
1. Com o advento da Constituição de 1988, o concurso público é inafastável tanto para o ingresso nas serventias extrajudiciais quanto para a remoção e para a permuta (dupla remoção simultânea). Precedentes.
2. O Plenário desta Corte já assentou que o prazo decadencial quinquenal do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 não se aplica à revisão de atos de delegação de serventia extrajudicial editados após a Constituição de 1988, sem a observância do requisito previsto no seu art. 236, § 3º. Precedentes.
3. Recurso a que se nega provimento.” (MS 29428 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 09-02-2017 PUBLIC 10-02-2017)
Nessa toada, por fim, ainda é válido suscitar que não é legítima a invocação dos princípios da confiança e da boa-fé, diante da manifesta inconstitucionalidade da situação, consoante o seguinte aresto do STF:
“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INGRESSO. SUBSTITUTO EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, § 3º, DA CRFB/88. NORMA AUTOAPLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. OFENSA DIRETA À CARTA MAGNA. SEGURANÇA DENEGADA.
1. (…) 6. Consectariamente, a edição de leis de ocasião para a preservação de situações notoriamente inconstitucionais, ainda que subsistam por longo período de tempo, não ostentam o caráter de base da confiança a legitimar a incidência do princípio da proteção da confiança e, muito menos, terão o condão de restringir o poder da Administração de rever seus atos. 7. (…)” (MS 26860, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)