Eleições 2018: As condutas vedadas aos agentes públicos em atos de pessoal se aplicam ou não as gestões municipais?

Questão tormentosa que sempre vem à baila nas eleições de âmbito federal e estadual é saber se as condutas vedadas aos agentes públicos previstas no art. 73, da Lei nº 9.504/1997 se aplicam aos municípios, visto que em tais unidades da federação não estarem em pleito eleitoral.

No presente artigo abordaremos os atos de pessoal por ser a mais comum das indagações.

Preleciona o inciso V, do art. 73, da Lei nº 9.504/1997 o seguinte:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
 
V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

Sublinhamos ainda que o inciso V, do art. 73, da Lei nº 9.504/1997, prevê exceções à proibição quanto:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

Verifica-se que o dispositivo em debate contém a locução na circunscrição do pleito. Daí advém a celeuma.

Muitos pensariam que se as eleições são de nível federal e estadual, por os municípios estarem inseridos nesse contexto, também se submeteriam a essas vedações.

A pensar dessa forma, as gestões municipais estariam inviabilizadas, pois de 2 em 2 anos ocorrem eleições e os municípios conviveriam com demasiadas restrições cíclicas que, certamente, dificultariam a execução de políticas públicas e o próprio cotidiano da administração local.

É certo que normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente e que na lei não contém palavras inúteis. Então se o legislador inseriu a expressão na circunscrição do pleito, a toda evidência, que a pretensão foi a de que a vedação se restringiria apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.

Inicialmente, destacamos o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, manifestado por meio de consulta:

“- A contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, constitui exceção à regra geral do concurso público, cabendo à lei enumerar as hipóteses em que serão admitidas tais contratações, conforme disposto no artigo 37, IX, da Constituição Federal, e no artigo 97, VII, da Constituição Estadual, com redação dada pela ECE nº 16/99.
– No âmbito da Administração Pública Estadual deve-se observar o artigo 37 da Lei Complementar Estadual nº 49/2003. Este dispositivo legal afirma que as contratações temporárias serão efetuadas sob regime de direito público, expresso na Lei nº 10.954/93, e suas posteriores modificações, mediante processo seletivo.
– Os atos que admitirem pessoal por prazo determinado deverão ser submetidos, imediatamente, à apreciação do Tribunal de Contas, nos termos da Resolução TC no 09/92.
– No presente exercício por ser também ano eleitoral, requer observar o que disciplina a Lei Federal nº 9.504/97, artigos 73 a 78, que enumeram condutas proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, na circunscrição do pleito, nos 3 (três) meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvada, entre outras hipóteses previstas no inciso V, do artigo 73, a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo.
– A expressão “circunscrição do pleito” empregada no dispositivo legal retrocitado indica que as condutas ali descritas são vedadas no âmbito da Administração Pública Federal, se os cargos eletivos em disputa forem de Presidente e Vice-Presidente da República; no âmbito da Administração Pública Estadual, se os cargos forem de Governador e Vice-Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual; e no âmbito da Administração Municipal, se os mandatos eletivos em disputa forem de Vereador, Prefeito e Vice-Prefeito.
– A eleição que ocorrerá no próximo dia 03 de outubro destina-se à escolha de ocupantes de cargos eletivos municipais, o que, em si, não representa impedimento legal à prática dos atos de contratação, objeto da presente consulta, considerando que o IPEM/PE é autarquia integrante da Administração Pública Estadual.” (TCE/PE – Pleno – Proc. nº 0403394-2 (Decisão nº 1133/04), Rel. Cons. em exercício MARCOS FLÁVIO TENÓRIO DE ALMEIDA, julgado em 11.08.2004, DOE em 19.08.2004)

Sobre o tema, os Tribunais Regionais Eleitorais já se manifestaram, vejamos:

“ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS. PERÍODO VEDADO. ÂMBITO MUNICIPAL. CIRCUNSCRIÇÃO DO PLEITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 73, V, DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.
1 – São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (…) nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito. Inteligência do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97. 
2 – “(…) Note-se que as condutas elencadas no artigo 73, V, só se tornam relevantes se ocorrerem na circunscrição do pleito e durante o período especificado, isto é, nos três meses que o antecedem até a posse dos eleitos. (…)” GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 9ª edição, São Paulo: Atlas, 2013, pág. 580.
3 – Caso em que as contratações temporárias não caracterizam conduta vedada, tendo em vista que foram realizadas em âmbito municipal e a Representada Augusta Brito, suposta beneficiária, era candidata em âmbito estadual, nas Eleições 2014. As vedações previstas no art. 73, da Lei nº 9.504/97 são aplicadas, tão somente, na circunscrição do pleito.
4 – Improcedência da Representação.” (TRE/CE– REPRESENTAÇÃO n 289824, ACÓRDÃO n 289824 de 15/03/2016, Relator(a) ANTONIO SALES DE OLIVEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 52, Data 18/03/2016, Página 14 )

“Ação de Investigação Judicial Eleitoral.  Improcedência. Recurso. Irregularidade na contratação de servidores. Art. 73 da Lei nº 9.504/97. Inexistência de afronta à legislação eleitoral. Manutenção da sentença. Desprovimento do apelo.
1. A proibição contida no art. 73, V, da Lei 9.504/97 diz respeito à contratação de servidores públicos, na circunscrição do pleito, o que não é o caso dos autos, visto que os servidores públicos contratados são estaduais e o pleito em questão é municipal.
2. A parte autora não comprovou quem seriam os servidores contratados, que teriam sido beneficiados com favores em troca de votos, o que demonstra a inexistência de qualquer irregularidade na seara eleitoral.
3. Recurso a que se nega provimento.” (TRE/PB – RECURSO ELEITORAL n 27689, ACÓRDÃO n 505 de 05/12/2013, Relator(a) SYLVIO PELICO PORTO FILHO, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Data 08/01/2014 )

Com a mesma compreensão o Tribunal Superior Eleitoral já se pronunciou:

“Consulta. Recebimento. Petição. Art. 73, V, Lei nº 9.504/97. Disposições. Aplicação. Circunscrição do pleito. Concurso público. Realização. Período eleitoral. Possibilidade. Nomeação. Proibição. Ressalvas legais.
1. As disposições contidas no art. 73, V, Lei nº 9.504/97 somente são aplicáveis à circunscrição do pleito.” (TSE – Consulta nº 1065, Resolução de , Relator(a) Min. Fernando Neves Da Silva, Publicação:  DJ – Diário de justiça, Volume  1, Data 12/07/2004, Página 02)

No voto condutor da consulta acima, o ministro relator, foi didático:

“Ressalto que a ANEEL, entidade autárquica federal, nas eleições de 2004 não está sujeita às vedações impostas pela Lei Eleitoral, uma vez que, por se tratar de eleições municipais, essas disposições são aplicáveis tão-somente à circunscrição do pleito, conforme expressamente prevê a regra do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97.”

Por derradeiro, vale o alerta de que apesar do dispositivo não se estender aos municípios nas eleições federal e estadual, essa permissão, nos 3 meses que antecedem o pleito, não pode servir de salvaguarda para a prática atos de pessoal atrelados a razões premeditadamente eleitorais. Em certas situações, devidamente comprovadas, condutas lícitas podem se transmudar em posturas ilícitas quando houver finalidade eleitoral no período vedado. Essa é a interpretação mais recente do TSE:

“ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS EM PROL DA CANDIDATURA DA IRMÃ DO PREFEITO. CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DE CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. RESCISÃO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS APÓS AS ELEIÇÕES E ANTES DA POSSE DOS ELEITOS. CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA VEDADA NO CASO CONCRETO APESAR DE NÃO PRATICADA NA CIRCUNSCRIÇÃO DO PLEITO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA AO NÃO CANDIDATO.
1. (…)
Conduta vedada do art. 73, V, da Lei nº 9.504/1997
18. Sendo incontroverso que ocorreram rescisões de contratos temporários após as eleições, mas antes da posse dos eleitos, a questão que se coloca é se seria possível a configuração de conduta vedada, uma vez que o inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 traz a restrição “na circunscrição do pleito” e, no caso, os fatos aconteceram no âmbito municipal e as eleições se referiam ao âmbito estadual e federal.
19. No caso da realização da conduta tipificada no inciso V do art. 73 na circunscrição do pleito, existe presunção absoluta de prática de conduta vedada; tratando-se de circunscrição diversa, não há essa presunção, podendo, em tese, os atos referidos no dispositivo serem praticados de forma lícita. Todavia, caracteriza-se a conduta vedada se demonstrada a conexão com o processo eleitoral.” (TSE – RO nº 220961, Rel. Min. ROSA WEBER, julgado em 06.03.2018, DJe de 06.04.2018)

Dessa forma, esperamos ter esclarecido essa questão tão latente nos períodos eleitorais, ou seja, a conduta vedada descrita no inciso V, do art. 73, da Lei nº 9.504/1997 não se aplica aos municípios nas Eleições 2018.

Por Josembergues Melo

Comentários