A situação concreta foi a seguinte:
O Distrito Federal estabeleceu, para o sistema previdenciário do regime próprio, que, a partir de determinada data, haveria dois fundos: um por repartição simples e outro por capitalização.
O primeiro fundo apresentou déficit e, por essa razão, o Distrito Federal utilizou recursos do segundo fundo para cobrir essas dívidas.
A União considerou que essa providência foi indevida e, diante disso, inscreveu o Distrito Federal no Sistema de Informações dos Regimes Públicos de Previdência Social – CADPREV.
Com essa inscrição, o Distrito Federal ficou impedido de emitir Certificado de Regularidade Previdenciária– CRP.
Além disso, o DF foi inserido no Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias (CAUC), que é um banco de dados restritivo no qual são inseridos os Estados-membros ou Municípios que estão com débitos ou outras pendências perante o Governo federal. Com a inscrição no CAUC, o ente devedor fica impedido de contratar operações de crédito, celebrar convênios com órgãos e entidades federais e receber transferências de recursos.
CRP
O Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP é um documento fornecido pela Secretaria de Políticas de Previdência Social (órgão do Ministério da Previdência Social), que atesta que o ente federativo está cumprindo as obrigações legais relacionadas com o regime próprio de previdência social.
As obrigações legais para os regimes próprios estão disciplinadas na Lei nº 9.717/98.
Em suma, o CRP atesta que o regime próprio da previdência social está cumprindo a Lei nº 9.717/98.
Qual é a importância do CRP para o ente federativo?
Caso o ente federativo não tenha o CRP, estará sujeito, em tese, às sanções previstas no art. 7º da Lei nº 9.717/98:
Ação cautelar
Diante dessa situação, o Distrito Federal e o Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – IPREV/DF propuseram ação cível originária no STF com o objetivo de suspender a inscrição do Distrito Federal no CADPREV e, por consequência, permitir a emissão do CRP.
Os autores alegaram, dentre outros argumentos, que o CRP não está previsto em lei, tendo sido criado pelo Decreto nº 3.788/2001 e regulamentado pela Portaria MPS nº 204/2008. Assim, argumentaram que foram impostas obrigações e restrições a direitos subjetivos por meio de “atos infralegais”, o que fere o princípio da legalidade e viola a autonomia administrativa.
Além disso, argumentaram que a União teria extrapolado sua competência ao editar o art. 7º da Lei nº 9.717/98 acima transcrito.
O STF, ao apreciar a liminar desta ação, concordou com o pedido dos autores?
SIM. A 1ª Turma do STF, por maioria, deferiu a medida liminar e determinou que a União expeça o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) em favor do Distrito Federal.
Determinou, ainda, a retirada do ente federado do Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias (CAUC) até o julgamento definitivo da ação.
Competência para legislar sobre previdência social
Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre previdência social, nos termos do art. 24, XII, da Constituição Federal:
Art. 7º O descumprimento do disposto nesta Lei pelos Estados, Distrito Federal e Municípios e pelos respectivos fundos, implicará, a partir de 1o de julho de 1999:
I – suspensão das transferências voluntárias de recursos pela União;
II – impedimento para celebrar acordos, contratos, convênios ou ajustes, bem como receber empréstimos, financiamentos, avais e subvenções em geral de órgãos ou entidades da Administração direta e indireta da União;
III – suspensão de empréstimos e financiamentos por instituições financeiras federais.
IV – suspensão do pagamento dos valores devidos pelo Regime Geral de Previdência Social em razão da Lei nº 9.796, de 5 de maio de 1999.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
No campo da legislação concorrente, a competência da União fica limitada a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1o, da CF/88).
Inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 9.717/98, do Decreto 3.788/2001 e da Portaria MPS 204/2008
O STF possui alguns julgados reconhecendo que o art. 7º da Lei nº 9.717/98, o Decreto 3.788/2001, que instituiu o CRP, e a Portaria MPS 204/2008, que o regulamentou, seriam inconstitucionais.
Quanto ao art. 7º, o STF entendeu que a União extrapolou sua competência. Isso porque, a pretexto de estabelecer normas gerais, este dispositivo previu inúmeras sanções aos Estados, DF e Municípios, violando, assim, o pacto federativo.
Sendo o art. 7º da Lei inconstitucional, o Decreto nº 3.788/2001 e a Portaria MPS 204/2008 não teriam fundamento de validade, sendo, portanto, igualmente inválidos.
Veja outros julgados do STF no mesmo sentido:
A União extrapolou os limites de sua competência legislativa na edição da Lei nº 9.717/98, ao impor sanções decorrentes da negativa de expedição de Certificado de Regularidade Previdenciária.
STF. 1ª Turma. RE 933138 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 26/08/2016.
A jurisprudência do Supremo Tribunal está orientada no sentido de que, ao editar a Lei nº 9.717/1998 e o Decreto nº 3.788/2001, a União extravasou a competência legislativa para a edição de normas gerais sobre previdência social.
STF. 2ª Turma. ACO 2490 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 05/02/2018.
Assim, entende-se que o certificado de regularidade previdenciária fornecido pelo MPS aos órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta da União, atestando ou não a regularidade de regime próprio dos demais entes federativos, não se constitui em estabelecimento de parâmetros e diretrizes gerais previstos na lei, representando uma medida que desequilibra o pacto federativo, sem amparo constitucional.
Logo, não pode a União, sob o pretexto de descumprimento da referida Lei e do citado Decreto, aplicar sanções, deixar de expedir repasses ou mesmo abster-se quanto à expedição de Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP.
Em suma:
Ao editar o art. 7º da Lei nº 9.717/98 e o Decreto nº 3.788/2001, a União extravasou a competência legislativa para a edição de normas gerais sobre previdência social.
A União extrapolou os limites de sua competência legislativa na edição da Lei nº 9.717/98, ao impor sanções decorrentes da negativa de expedição de Certificado de Regularidade Previdenciária.
STF. 1º Turma. ACO 3134 TP-AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, red. p/ ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/12/2018 (Info 928)