Ao julgar o processo de um vereador do município de Timbó Grande (SC), os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por maioria, fixaram a seguinte tese jurídica:
“Admite-se, em regra, como prova do ilícito eleitoral, a gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem prévia autorização judicial, seja em ambiente público ou privado”.
Esse entendimento será válido apenas para casos ocorridos a partir das Eleições de 2016.
A decisão diz respeito ao vereador Gilberto Massaneiro, que teve uma conversa gravada ao oferecer vantagens a uma eleitora em troca de seu voto.
O julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso, que reconheceu não haver, neste caso, o chamado “flagrante preparado”, que poderia ser utilizado para prejudicar candidatos a cargos eletivos.
Segundo o ministro, há a comprovação da compra de votos, uma vez que houve espontânea oferta de vantagens vinculadas ao especial fim de obter votos ao então candidato.
Ao concluir, Barroso afastou a acusação de abuso de poder político e de autoridade, uma vez que a gravação só comprova a oferta a uma única eleitora que, embora suficiente para caracterizar a compra de votos, não tem aptidão para afetar a normalidade do pleito e atrair as sanções da prática de ato abusivo.
O entendimento seguiu a mesma linha do voto do relator, ministro Edson Fachin.
Divergência
Ficaram vencidos os ministros Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos, que se posicionaram pela invalidade da prova obtida por gravação ambiental.
A divergência foi aberta pelo ministro Tarcisio, que julgou totalmente improcedente a ação iniciada no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC). Em sua opinião, a prova obtida por meio de escuta sem o conhecimento da outra parte não pode servir de prova.
Processo relacionado: Respe 40898
ATUALIZAÇÃO EM 07.08.2019
Em acréscimo a matéria, colacionamos a ementa do aresto:
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. ART. 22 DA LC N° 64/90. PRELIMINAR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DE VOTO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.
1. A jurisprudência que vem sendo aplicada por este Tribunal Superior, nos feitos cíveis-eleitorais relativos a eleições anteriores a 2016, é no sentido da ilicitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e desacompanhada de autorização judicial, considerando-se lícita a prova somente nas hipóteses em que captada em ambiente público ou desprovida de qualquer controle de acesso.
2. Não obstante esse posicionamento jurisprudencial, mantido mormente em deferência ao princípio da segurança jurídica, entendimentos divergentes já foram, por vezes, suscitados desde julgamentos referentes ao pleito de 2012, amadurecendo a compreensão acerca da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial.
3. À luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica.
4. A despeito da repercussão geral reconhecida pelo STF no RE n° 1.040.515 (Tema 979) acerca da matéria relativa à (i)licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais nesta seara eleitoral, as decisões deste Tribunal Superior sobre a temática não ficam obstadas, dada a celeridade cogente aos feitos eleitorais.
5. Admite-se, para os feitos referentes às Eleições 2016 e seguintes, que sejam examinadas as circunstâncias do caso concreto para haurir a licitude da gravação ambiental. Ou seja, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita, ficando as excepcionalidades, capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetam a lisura e a legitimidade das eleições.
6. No caso, analisando o teor da conversa transcrita e o contexto em que capturado o áudio, a gravação ambiental afigura-se lícita, visto que os recorrentes protagonizaram o diálogo, direcionando-o para oferta espontânea de benesses à eleitora, de modo que restou descaracterizada a situação de flagrante preparado.
7. O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma.
8. Acertada a decisão regional, visto que, a partir do teor da conversa anteriormente transcrito, objeto da gravação ambiental, depreende-se ter havido espontânea oferta de benesses, pelos recorrentes, à eleitora Juscilaine Bairros de Souza e seus familiares – oferecimento da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), facilitação do uso dos serviços médicos da Unidade de Saúde Moisés Dias, oferta de gasolina e de veículos para transportar, no dia das eleições, os parentes que moram em outro município e promessa de emprego para o marido da eleitora -, vinculada ao especial fim de obter votos para o então candidato Gilberto Massaneiro, que participou ativamente da conduta.
9. O art. 22, XVI, da LC n° 64/90, com a redação conferida pela LC n° 135/2010, erigiu a gravidade como elemento caracterizador do ato abusivo, a qual deve ser apurada no caso concreto. A despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da presença desse elemento normativo é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, quais sejam, a normalidade e legitimidade das eleições, que possuem guarida constitucional no art. 14, § 9°, da Lei Maior.
10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC n° 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO n° 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO n° 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe n° 33230/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 31.3.2016).
11. Na hipótese dos autos, em que pese a moldura fática evidencie o uso desvirtuado da instituição pública, as circunstâncias não se afiguram suficientemente graves para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, porquanto os fatos comprovados no acórdão cingem-se à eleitora específica e à ocasião única, o que, embora aptos a caracterizar captação ilícita de sufrágio, mostram-se inábeis para atrair a gravidade necessária à configuração do ato abusivo.
12. Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a configuração do abuso do poder político em relação a ambos os recorrentes, mantendo-se a condenação de Gilberto Massaneiro pela prática de captação ilícita de sufrágio. Julgo prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial. (TSE – Respe nº 40898, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 09.05.2019, DJe 06.08.2019, p. 71/72)
NOTA DO ESCRITÓRIO
Destacamos outro acórdão do TSE em que a gravação ambiental foi considerada prova ilícita e a dela derivada pela circunstância de no caso concreto a eleitora ter sido induzida e municiada para promover a gravação do candidato:
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUGRÁGIO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. INDUZIMENTO. ADVERSÁRIO POLÍTICO. ILEGALIDADE. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA QUE PRODUZIU O VÍDEO. ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. DESPROVIMENTO.
1. O Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário submetido ao regime de repercussão geral, firmou ser lícita a prova consistente em gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem conhecimento do outro, desde que não haja causa legal de sigilo, tampouco de reserva da conversação, e, sobretudo, quando usada para defesa própria em procedimento criminal (RE nº 583937 QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 18.12.2009).
2. A jurisprudência do TSE, inicialmente, firmou-se no sentido de que a gravação ambiental, ainda que feita por um dos interlocutores, somente seria considerada lícita se precedida de autorização judicial e quando utilizada para viabilizar a defesa em feitos criminais.
3. Posteriormente, esta Corte, relativizando a regra da ilicitude das gravações ambientais na seara eleitoral, passou a considerar válida a gravação audiovisual feita em ambiente aberto, justamente por não haver mácula ao direito à privacidade.
4. Prevaleceu, para as eleições de 2012 e 2014, a tese de que é prova ilícita a gravação ambiental feita de forma clandestina, sem autorização judicial, em ambiente fechado ou sujeito à expectativa de privacidade.
5. Para o pleito de 2016 e seguintes, este Tribunal sinalizou a necessidade de amoldar seu entendimento ao raciocínio firmado, embora no âmbito penal, pelo Supremo Tribunal Federal. O assunto começou a ser tratado no julgamento do REspe nº 2-35/RN, relativo às eleições de 2012, iniciado em 9.2.2017. Conquanto não tenha sido fixada tese, os e. Ministros Herman Benjamin e Gilmar Mendes registraram, respectivamente, que “o peso que essa prova adquirirá – pelas circunstâncias que envolvem o processo eleitoral – é questão a ser aferida no caso concreto. Sendo certa ou muito provável a sua fragilidade, pelos ânimos e meios dirigidos à sua produção, deve ser avaliada com cuidado pelo julgador e preferencialmente acompanhar outras provas” e “é preciso perscrutar os motivos do autor da gravação, sua necessidade, adequação e ponderar os interesses envolvidos”.
6. A valoração da prova, especialmente consideradas as circunstâncias em que produzida, deve ocorrer sob a ótica das nuances que envolvem o processo eleitoral, no qual as acirradas disputas pelo poder dão ensejo a condutas apaixonadas que, às vezes, extrapolam o limite da ética e da legalidade.
7. Na espécie, a gravação ambiental foi produzida pela eleitora testemunha Cláudia Heidmann da Silva, em sua própria residência, ou seja, em ambiente cujos direitos à privacidade e à intimidade, se necessário, devem ser sopesados.
8. O TRE/RS relatou, de forma bastante evidente, a rivalidade entre os “lados” “Cezar” e “Aldi”, os quais, ainda segundo o acórdão, em determinadas situações, agiam, nitidamente, de maneira reprovável.
9. A eleitora testemunha não produziu a gravação ambiental espontaneamente, mas induzida pelo “lado Cezar”: “promoveu a gravação autorizada por ‘Valdori’ (que era com quem contava a respeito do ‘negócio da gravação’, e, inclusive, motivava a realização do ato)” (fl. 268v); “Disse que Valdori orientou no sentido de que se o ‘lado’ de Aldi ligasse era pra aceitar as propostas e gravar” (fl. 268v); “Observou possuir o gravador há três ou quatro dias, o qual lhe foi entregue por um dos auxiliares de campanha de Cézar (Edson), vinculado ao PT” (fl. 268v); “a alegada pressão da candidatura adversária em relação à Cláudia, para gravar a realização da proposta” (fl. 269v). Cláudia Heidmann da Silva agiu também motivada pela sensação de débito/agradecimento assumidamente pressionada pela sensação de débito para com o lado de “Cezar”” (fl. 268v) , visto que seu marido recebeu auxílio do Município de Vitória das Missões/RS na época em que Cezar Coleto, candidato vencido, era prefeito e que o “lado de Cezar” havia “prometido uma função profissional acaso não passasse no já citado concurso municipal prometido pelos candidatos adversários, Aldi Minetto e Luciano Lutzer” (fl. 268v).
10. Conquanto os interlocutores gravados tenham ido voluntariamente ao encontro da eleitora e não tenham agido de maneira induzida, Cláudia Heidmann da Silva, tendo em vista o motivo pelo qual confeccionou a gravação, não detém legitimidade para tal, porquanto atuou, ainda que inadvertida e indiretamente, como longa manus do candidato adversário vencido.
11. O ato de o ora agravante Cezar Coleto se utilizar de uma gravação ambiental produzida antes das eleições (11.9.2016) somente em 7.10.2016, quando já proclamado o resultado a ele desfavorável, fere o princípio da proporcionalidade, pois, ciente da gravação, deveria ter adotado medidas imediatas.
12. O reconhecimento da ilegalidade da gravação ambiental, no caso dos autos, gizadas as suas peculiaridades, é medida que se impõe.
13. Quanto ao depoimento da testemunha Cláudia Heidmann da Silva, por se tratar da autora da gravação aqui tida como ilícita, reputa-se ilícito por derivação. Precedente.
14. Ausente prova robusta da prática de captação ilícita de sufrágio, a AIJE deve ser julgada improcedente, afastando-se a condenação confirmada pela Corte Regional.
15. Agravo regimental desprovido. (TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 39941, Rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, julgado em 18.12.2018, DJe de 27.03.2019, p. 62/63)
Dessa forma, inobstante o julgamento mais recente ter fixado tese, imprescindível o exame das circunstâncias do caso concreto para se evitar a valoração indevida de gravações e testemunhas induzidas, flagrantes preparados ou armações provocadas premeditadamente por eleitor com intuito de criar uma situação ilícita para um candidato opositor.