O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. A decisão foi tomada, por maioria de votos, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 657718, com repercussão geral reconhecida, de relatoria do ministro Marco Aurélio.
Votos
O julgamento que começou em 2016 e foi retomado, em sessão extraordinária na manhã desta quarta-feira (22), com o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, acompanhando a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso no sentido do provimento parcial ao recurso. Em seu voto-vista, ele concluiu pela constitucionalidade do artigo 19-T da Lei 8.080/1990, que veda, em todas as esferas de gestão do SUS, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa. “Não se trata de negar direito fundamental à saúde. Trata-se de analisar que a arrecadação estatal, o orçamento e a destinação à saúde pública são finitos”, assinalou.
Segundo o ministro, a excessiva judicialização da matéria não tem sido bem-sucedida. “Para cada liminar concedida, os valores são retirados do planejamento das políticas públicas destinadas a toda coletividade”, afirmou. Na sua avaliação, esse sopesamento é importante. “Senão, não teremos universalidade, mas seletividade, onde aqueles que obtêm uma decisão judicial acabam tendo preferência em relação a toda uma política pública planejada”.
Os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes acompanharam o entendimento divergente e ressaltaram que o Estado deve observar as situações excepcionais em que um medicamento sem registro pode ser fornecido.
O ministro Edson Fachin reajustou seu voto para também dar provimento parcial ao recurso, mas manteve entendimento de que o Estado tem o dever de fornecer o medicamento ao cidadão e que cabe ao próprio Poder Público fixar os parâmetros para que esse fornecimento seja garantido.
Vencidos
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de negar provimento ao recurso. Ambos consideraram que a lei prevê que nenhum medicamento pode ser comercializado no país sem o registro na vigilância sanitária.
O ministro Toffoli lembrou que é tamanha a importância do registro que o artigo 273, parágrafo 1º-B, do Código Penal prevê a criminalização da comercialização de medicamento sem o aval da Anvisa. “Sem ele, torna-se deficiente o monitoramento do uso do medicamento, uma das funções do registro. Além disso, a capacidade aquisitiva do país e o fomento às empresas nacionais também interferem na admissão da comercialização de medicamentos, o que torna inviável a simples e imediata aplicação à realidade brasileira das conclusões obtidas por outras agências instaladas em países produtores de tecnologia”, apontou.
No entendimento do presidente do Supremo, a regulação pela Anvisa é necessária para fomentar a responsabilidade social das empresas que, comumente, promovem a ampla divulgação dos seus produtos, em geral diretamente à classe médica, comercializam-no em razão de decisões judiciais em larga escala e em altos valores, mas não requerem a submissão do medicamento à Anvisa, onde ele teria ainda seu preço regulado, evitando “dispêndio excessivo e muitas vezes abusivos ao Poder Público”.
Tese
O Plenário, por maioria de votos, fixou a seguinte tese para efeito de aplicação da repercussão geral:
1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;
III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.
Processo relacionado: RE 657718