“A restrição de acesso a cargos públicos a partir da idade somente se justifica uma vez prevista em lei e havendo a devida ponderação da necessidade tendo em conta o grau de esforço físico-mental a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função. E, em nenhum dos cargos destacados, há situação excepcional hábil a justificar os limites etários questionados.” Com esse entendimento, os Desembargadores do Órgão Especial do TJRS julgaram inconstitucional lei do município de São Sebastião do Caí que previa idade mínima e máximo para ingresso em cargos públicos.
Caso
A Lei Municipal nº 2.600/2004 dispõe sobre o quadro de cargos e funções públicas do Município, estabelece o Plano de Carreira dos Servidores, consolida a legislação vigente sobre a matéria e dá outras providências.
Conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, a lei prevê limites etários máximos e mínimos em desacordo com as normas da Constituição Federal e Estadual.
Na ação, o MP requer a retirada do ordenamento jurídico dos limites de idade máximos para o provimento dos cargos de Agente Administrativo, Motorista, Oficial Administrativo, Professor, Técnico em Contabilidade, Telefonista, Tesoureiro e Técnico de Enfermagem; dos limites de idade máximo e mínimo para provimento dos cargos de Arquiteto, Bioquímico, Enfermeiro, Engenheiro-Agrônomo, Médico, Odontólogo e Veterinário; e dos limites de idade mínimos para provimento dos cargos de Assistente Social, Fisioterapeuta, Odontopediatra, Psicólogo, Biomédico, Contador, Nutricionista, Pedagogo, Biólogo, Terapeuta Ocupacional, Bibliotecário e Controlador Interno, todos constantes do Anexo I da lei.
Decisão
No voto do relator, Desembargador Ricardo Torres Hermann, é destacado que a Constituição Estadual, no art. 29, proíbe qualquer diferenciação por critério de sexo, idade, cor ou estado civil para o ingresso em função pública. A Constituição Federal também apresenta a mesma previsão no art. 7º. “Embora não se desconheça que tal previsão não possui caráter absoluto, há que estar caracterizada situação excepcional, ou seja, somente se admite distinção quando a natureza do cargo exigir.”
O relator cita ainda a Súmula 683 do Supremo Tribunal Federal: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art.7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.”
“Se percebe que, afora aqueles que evidentemente exigem esforço físico para o desempenho da atividade, os quais não estão em discussão (como pedreiro e operador de máquinas), para todos os demais, foi simplesmente imposta uma restrição etária sem que se visualize, na descrição das atividades de cada cargo, a indicação de sua real necessidade, ou seja, por qual razão foi imposta tal limitação etária”, afirmou o relator.
No caso dos cargos de Agente Administrativo, Motorista, Oficial Administrativo, Professor, Técnico em Contabilidade, Telefonista, Tesoureiro e Técnico de Enfermagem o magistrado destaca que são cargos que não exigem efetivo vigor físico que imponha a exigência de limitação estaria. “Para esses cargos, a limitação a 45 anos chega a configurar um absurdo, sobretudo para o cargo de Professor. Tais atividades são perfeitamente exercidas, tanto na esfera pública quanto na privada, por profissionais com mesma idade ou superior ao limite de 45 anos indicado na legislação em questão”.
Assim, por unanimidade, a ADIN foi julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade da legislação.
Processo nº 70080253966 (inteiro teor)
NOTA DO ESCRITÓRIO
Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ. LIMITES ETÁRIOS PREVISTOS NO ANEXO I DA LEI MUNICIPAL Nº 2.600, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2004 E NAS LEIS MUNICIPAIS SUBSEQUENTES PARA DIVERSOS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
1. Padece de inconstitucionalidade as disposições impondo limites etários fixadas nas leis municipais de São Sebastião do Caí em desacordo com as Constituições Federal e Estadual. A restrição de acesso a cargos públicos a partir da idade somente se justifica uma vez prevista em lei e havendo a devida ponderação da necessidade tendo em conta o grau de esforço físico-mental a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função.
2. E, em nenhum dos cargos destacados, há situação excepcional hábil a justificar os limites etários questionados. Na verdade, numa leitura geral de todos os cargos indicados no Anexo I da Lei Municipal nº 2.600/2004, percebe-se que, afora aqueles que evidentemente exigem esforço físico para o desempenho da atividade e que não foram questionados (como pedreiro e operador de máquinas), para todos os demais, foi simplesmente imposta uma restrição etária sem que, na descrição das atividades de cada cargo, houvesse a indicação de sua real necessidade, ou seja, a razão por que imposta tal limitação etária. Aos cargos de Agente Administrativo, Motorista, Oficial Administrativo, Professor, Técnico em Contabilidade, Telefonista, Tesoureiro e Técnico de Enfermagem, cargos técnicos ou burocráticos que não exigem, para o desempenho das atribuições pertinentes, efetivo vigor físico, idade máxima de 45 anos. Para os cargos de Arquiteto e Engenheiro, idade máxima de 50 anos; para os de Bioquímico, Enfermeiro, Engenheiro-Agrônomo, Médico, Odontólogo e Veterinário, o limite de 45 anos, atividades essas todas de caráter intelectual, inexistindo qualquer motivação razoável para a imposição de limite etário. Tampouco se visualiza a necessidade de imposição de idade mínima de 23 anos para os cargos de Assistente Social, Fisioterapeuta, Odonto-Pediatra e Psicólogo; de 21 anos, para o de Biomédico; e de 18 anos, para Contador, Nutricionista, Pedagogo, Biólogo, Terapeuta Ocupacional, Bibliotecário e Controlador Interno, pois, para todos eles, exige-se, como requisito, nível superior. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (TJRS – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70080253966, Tribunal Pleno, Rel. Des. Ricardo Torres Hermann, Julgado em 27/05/2019, DJ de 06.06.2019)