TSE decide pela inexistência de multa por propaganda irregular em bens particulares

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anulou a multa de R$ 2 mil aplicada a Arnaldo Borgo Filho (MDB), candidato a deputado estadual no Espírito Santo nas Eleições de 2018. O Tribunal Regional Eleitoral do estado (TRE-ES) havia imposto a sanção ao candidato por eventual propaganda irregular realizada em imóvel particular durante a campanha eleitoral.

Ao julgar procedente uma representação contra Borgo Filho, o TRE capixaba entendeu que a legislação em vigor somente autoriza a veiculação de propaganda em bens particulares por meio de adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e em janelas de residências, desde que não exceda a extensão de meio metro quadrado.

Já no TSE, o relator do processo, ministro Og Fernandes, acolheu parcialmente o recurso especial movido pelo candidato, assinalando que a legislação em vigor, com a nova redação dada pela Reforma Eleitoral de 2017 ao parágrafo 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997, não mais faz referência à possibilidade de aplicação de multa no caso de propaganda irregular em bens particulares.

O entendimento do relator foi acompanhado por unanimidade pelo Plenário.

Processo relacionado: Respe 060182047 (Proc. nº 0601820-47.2018.6.08.0000)

NOTA DO ESCRITÓRIO

Para melhor compreensão da matéria, registramos que o § 1º, do art. 37, da Lei nº 9.504/1997, dispõe sobre o valor da multa:

§ 1o  A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Em anterior redação dada pela Lei nº 13.165/2015, o § 2º, do art. 37, da Lei nº 9.504/1997, fazia referência ao § 1º:

§ 2o Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral, desde que seja feita em adesivo ou papel, não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado) e não contrarie a legislação eleitoral, sujeitando-se o infrator às penalidades previstas no § 1o.

Ocorre que com a última reforma eleitoral, empreendida pela Lei nº 13.484/2017, a nova redação do § 2º não mais remete ao § 1º, o que motivou o novo entendimento do TSE pela inaplicabilidade da multa: 

§ 2º Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de:

I – bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos;

II – adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado).

No mesmo sentido é o entendimento do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco:

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL.RETIRADA DE ELEITORAL IRREGULAR EM BEM PARTICULAR NO MUNICÍPIO DO RECIFE-PE. MINI OUTDOOR. DEFERIMENTO DA REPRESENTAÇÃO. ABSTENÇÃO DE VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA COMBATIDA, SOB PENA DE PAGAMENTO DE MULTA DE R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS) A CADA PROPAGANDA IRREGULAR.
NE: Trecho do voto do relator:” […] A legislação eleitoral previa que o descumprimento do contido no art. 37 da Lei 9.504/97 acarretava a aplicação de multa pelo seu descumprimento. Com o advento da Lei 13.488/2017, essa previsão foi revogada. Desta forma, a única previsão é a retirada da propaganda irregular, o que foi feito pela Demandada.” (TRE/PE – RP nº 060278573, Relator ITAMAR PEREIRA DA SILVA JÚNIOR, julgado em 03/10/2018, Publicado em Sessão de 03/10/2018)

Diante dessa alteração legislativa a Súmula TSE nº 48 (A retirada da propaganda irregular, quando realizada em bem particular, não é capaz de elidir a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997) perdeu sentido diante da supressão da multa e, por via indireta, corrigiu um tratamento legislativo irrazoável.  

A título de registro esse entendimento sumulado para bens particulares sempre foi objeto de crítica pela doutrina na medida que para a aplicação da multa por propaganda irregular em bens públicos (infração mais grave que em bem particular), necessário que o infrator, previamente notificado, não retire o artefato publicitário e repare o bem público (nos casos de danos), tolerância essa inexistente na situação de propaganda ilícita ser em bem particular criando um tratamento não isonômico. Vejamos o teor do § 1º, do art. 37, da Lei nº 9.504/1997:

§ 1o  A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Destaca-se, por fim, que esse condicionamento praticamente torna letra fria o caput do art. 37, da Lei Eleitoral, dando ao transgressor uma chance de escapar da sanção pecuniária justamente quando se utiliza de bem da coletividade com mais proteção legal e, geralmente, com maior visibilidade.

ATUALIZAÇÃO EM 26.10.2020

Segue a ementa do julgado:

ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EM BEM PARTICULAR. ARTEFATO COM EFEITO DE PLACA. IRREGULARIDADE RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRETENSÃO DE REEXAME NO TOCANTE AO PONTO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DO ENUNCIADO DA SÚMULA Nº 24 DO TSE. ALEGAÇÃO DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL QUANTO À MULTA APLICADA. CARACTERIZAÇÃO. ALTERAÇÃO POSTERIOR DO § 2º DO ART. 37 DA LEI Nº 9.504/97, QUE EXCLUIU A POSSIBILIDADE DE SANÇÃO PECUNIÁRIA EM CASO DE PROPAGANDA IRREGULAR EM BENS PARTICULARES. HIPÓTESE DE NORMA IMPERFECTAE. CONHECIDO O RECURSO PELA DIVERGÊNCIA E PROVIDO EM PARTE, TÃO SOMENTE PARA AFASTAR A MULTA APLICADA AO RECORRENTE. 
1. Recurso especial interposto por Arnaldo Borgo Filho, então candidato ao cargo de deputado estadual em 2018, de acórdão do TRE/ES que, em âmbito de representação por propaganda eleitoral irregular, negou provimento a recurso para manter a decisão que condenou o recorrente, com base no art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997, ao pagamento de multa. 
2. Das razões apresentadas pelo voto condutor do aresto recorrido, observa–se que a conclusão da Corte de origem – de que a ilicitude da propaganda decorreu da produção do efeito de placa, não mais permitido pelo art. 37, § 2º, da Lei nº 9.504/1997 – está ancorada nas provas dos autos. Nesse contexto, é inviável, no âmbito do recurso especial, reexaminá–la para averiguar a possível utilização de artefato permitido, confeccionado em papel rígido. Incidência do Enunciado Sumular nº 24 do TSE. 
3. A nova redação do § 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/97, dada pela Lei nº 13.488/2017, não mais faz referência à possibilidade de se aplicar, com base no § 1º do mesmo dispositivo legal, sanção pecuniária em caso de propaganda irregular em bens particulares. 
4. Hipótese de superveniente ausência de substrato normativo para a aplicação do Enunciado Sumular nº 48 do TSE (“A retirada da propaganda irregular, quando realizada em bem particular, não é capaz de elidir a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997”), cuja edição ocorreu quando o § 2º do art. 37 remetia às penalidades do § 1º do citado dispositivo legal, o que não mais ocorre. 
5. Conhecido o recurso especial pela divergência e provido em parte, tão somente para afastar a multa aplicada ao recorrente. (TSE – RESPE nº 060182047, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 06.06.2020, DJE de 26.10.2020, p. 0)

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