Em virtude da falta de autorização judicial ou do consentimento do dono da linha telefônica, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilícita prova obtida por um policial que atendeu o celular de um investigado e, passando-se por ele, negociou uma venda de drogas com o interlocutor – situação que levou à prisão em flagrante. De forma unânime, o colegiado concedeu habeas corpus ao investigado e anulou toda a ação penal.
“O vício ocorrido na fase investigativa atinge o desenvolvimento da ação penal, pois não há prova produzida por fonte independente ou cuja descoberta seria inevitável. Até o testemunho dos policiais em juízo está contaminado, não havendo prova autônoma para dar base à condenação”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior.
De acordo com os autos, policiais militares realizavam patrulhamento em Porto Alegre quando fizeram a abordagem de um veículo e encontraram droga embaixo do banco do motorista. Durante a abordagem, após o telefone de um dos investigados tocar várias vezes, o agente checou algumas mensagens e atendeu a ligação de um suposto consumidor de drogas. Passando-se pelo dono do celular, o policial combinou com o interlocutor as condições da entrega.
Flagrante
Após a negociação, os policiais foram até o local combinado e encontraram o potencial comprador, que confessou estar adquirindo drogas dos investigados. Por isso, os agentes realizaram o flagrante e prenderam os suspeitos.
Encerrada a instrução criminal, o réu foi condenado a cinco anos e oito meses de reclusão em regime inicial fechado, pelo crime de tráfico de drogas.
A condenação foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Em relação às provas produzidas no processo, o tribunal entendeu que o fato de os policiais terem atendido a ligação no telefone celular de um dos investigados não configura obtenção de prova por meio ilícito, pois, quando o telefone tocou, o delito de tráfico de drogas já estava configurado, de forma que os fatos posteriores só ratificaram a existência do crime. Além disso, o TJRS considerou válidos os depoimentos dos policiais na ação penal.
Conduta ilegítima
Segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, até as mensagens aparecerem na tela de um dos suspeitos e o policial atender a primeira ligação, o contexto da abordagem não revelava a traficância, pois a quantidade de drogas encontrada no carro era pequena (2,8g de cocaína e 1,26g de maconha) e não foi localizado mais nada que indicasse o tráfico.
Para o ministro, não é possível considerar legítima a conduta do policial de atender o telefonema sem autorização e se passar pelo réu para fazer a negociação de drogas e provocar o flagrante. De igual forma, ressaltou, não se pode afirmar que o vício ocorrido na fase de investigação não atingiu o desenvolvimento da ação penal.
“Que base teriam a denúncia ou a condenação se não fossem os testemunhos dos policiais contaminados pelas provas que obtiveram ilegalmente? Não se trata de prova produzida por fonte independente ou cuja descoberta seria inevitável”, concluiu o ministro ao anular a ação penal.
Leia o acórdão.