As normas relativas à terceirização de serviços se aplicam à administração pública no que concerne às atividades que não compreendam o exercício de parcela do poder estatal

Trata-se de Consulta formulada por Controlador Interno de Município ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, nos seguintes termos:

“Aplica-se à Administração Pública o disposto na Lei 13.429/17, que altera a Lei 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dispõe sobre as rel. de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros? Em caso afirmativo, quais seriam as atividades passíveis de terceirização na Administração Pública, ou seja, a Lei n. 13.429/2017 torna possível a terceirização da atividade fim (sic)?”

Admitida a Consulta, o relator, conselheiro Cláudio Couto Terrão explanou que a origem da terceirização na Administração Pública se insere no contexto da desconcentração e descentralização das funções estatais, processo que teve início, no Brasil, com a reforma administrativa verificada no segundo quartel do século XX e que tem, no Decreto-Lei n. 200/67, o seu marco normativo. Em seguida, traçando a evolução do processo de descentralização, esclareceu que, no final do século XX, foi implementada a reforma administrativa gerencial, norteada pela ideologia neoliberal, por meio do Decreto n. 2.271/97, que, regulamentando o § 7º do art. 10 do Decreto-Lei n. 200/67, estabeleceu, em seu art. 1º, rol exemplificativo das atividades “materiais acessórias, instrumentais ou complementares” passíveis de terceirização, quais sejam, as de “conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações”. Nesse contexto, a Justiça do Trabalho passou a produzir orientação jurisprudencial no sentido de considerar ilícita a terceirização da atividade-fim.

Ressaltou, no entanto, que houve recente modificação na disciplina normativa quanto ao tema, com a promulgação da Lei n. 13.429/17 e da Lei n. 13.467/17, que modificaram substancialmente a sistemática até então disciplinada pela Lei 6.019/74. Na sequência da aprovação das Leis n. 13.429/17 e n. 13.467/17, o Poder Executivo Federal editou o Decreto n. 9.507/18, para regulamentar o disposto no art. 10, § 7º, do Decreto-Lei n. 200/67 e disposições da Lei n. 8.666/93, revogando o Decreto n. 2.271/97. Salientou que, nos termos desse novo diploma regulamentar, que trata da “execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União”, a terceirização não mais se pauta pelas noções de atividade-fim ou atividade-meio, ou mesmo de atividades “materiais acessórias, instrumentais ou complementares”.

Assim, alteou que, dentro do novo cenário legal, observa-se que, para a administração direta, autárquica e fundacional, é possível a terceirização de todas as atividades que não detenham natureza típica de Estado e que não reflitam o seu poder de império pois, para estas, segue prevalecendo a regra do concurso público, estabelecida no art. 37, II, da Constituição da República.

Dentro dessas diretrizes, explicou que o art. 3º do Decreto n. 9.507/18 detalhou as atribuições incompatíveis com a execução indireta no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, quais sejam: I) que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; II) que sejam consideradas estratégicas para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; III) que estejam relacionadas ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; IV) que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. Poderão, contudo, ser terceirizadas as atividades “auxiliares, instrumentais ou acessórias” referentes a tais serviços, ressalvados os referentes a serviços de fiscalização e poder de polícia e vedada a “transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado” (art. 3º, §§ 1º e 2º).

No tocante às empresas públicas e sociedades de economia mista, dada a personalidade jurídica de direito privado e a vocação para atuação no mercado, destacou que a única vedação à terceirização se refere aos “serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes as dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários”. E ainda assim a proibição não se aplica quando a contratação de empregado público por meio de concurso público contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, quando essa violação se der com a ocorrência de uma das hipóteses: I – caráter temporário do serviço; II – incremento temporário do volume de serviços; III – atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou IV – impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere.

Evidenciou que a Lei 6.019/74, na sua atual redação, trata o trabalho temporário, como aquele destinado à satisfação de “substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”, esta entendida como a oriunda de “fatores imprevisíveis” ou que tenha “natureza intermitente, periódica ou sazonal”, cujo serviço será fornecido por empresa de trabalho temporário que coloca “trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente”. Dessa forma, quando o seu âmbito de regulação se restringe ao trabalho temporário, a Lei 6.019/74 não se aplica à administração direta, autárquica e fundacional. Neste tema, destacou a existência de regra constitucional expressa e específica (art. 37, inciso IX, da CR/88) a indicar que trabalho temporário no âmbito da Administração Pública – nos termos da lei específica de cada ente federado – deve restringir-se aos casos de “contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público”, havendo, portanto, a própria Constituição da República estabelecido os parâmetros de admissão e a remissão à legislação de cada esfera federativa para os entes submetidos ao regime jurídico público, não se aplicando a eles as disposições gerais da Lei 6.019/74 sobre a matéria.

Em conclusão, relativamente à possibilidade de terceirização em sentido estrito, em virtude de necessária interpretação sistemática, notadamente quanto à eventual incompatibilização com o modelo do regime jurídico único previsto na redação originária do m do art. 39 da CR/88 e, sobretudo, com a regra do art. 37, II, CR/88, as normas da Lei 6.019/74 devem aplicar-se parcialmente à administração direta, às autarquias e às fundações públicas, ou seja, apenas naquelas atividades que não compreendam o exercício de parcela do poder estatal, a exemplo do que fora disciplinado pelo Poder Executivo Federal nos termos do Decreto n. 9.507/18. Por outro lado, aplicam-se plenamente as normas da Lei 6.019/74, tanto no que concerne ao trabalho temporário quanto à terceirização, às concessionárias de serviços públicos, às empresas públicas e às sociedades de economia que atuam em concorrência no mercado, as quais são regidas pelo art. 173, inciso II e § 2º, da Constituição da República e possuem “regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”.

Diante do exposto, o Tribunal Pleno, por maioria de votos, fixou prejulgamento de tese, com caráter normativo, nos seguintes termos:

1) As normas da Lei 6.019/74 referentes ao contrato de trabalho temporário se aplicam às empresas públicas e sociedades de economia mista, mas não se aplicam à administração direta, às autarquias e às fundações públicas, para as quais o art. 37, IX, da CR/88 estabeleceu regime jurídico específico. 2) As normas da Lei 6.019/74 relativas à terceirização de serviços se aplicam à administração direta, às autarquias e fundações públicas no que concerne às atividades que não compreendam o exercício de parcela do poder estatal, estando vedada para as funções que: a) envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; b) sejam consideradas estratégicas para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; c) estejam relacionadas ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; d) sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. 3) As normas da Lei 6.019/74 relativas à terceirização de serviços se aplicam às empresas públicas e sociedades de economia mista regidas pelo art. 173, da CR/88, salvo quando os serviços demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes as dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários. A vedação não se aplica caso implique contrariedade aos princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade.

Consulta n. 1024677, Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão, 04.12.2019. 

NOTA DO ESCRITÓRIO

O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, em 2019, respondeu a duas consultas sobre o tema: 

“Pergunta: Há possibilidade de cooperativa de serviços ser contratada pela administração pública direta e indireta, via licitação, para terceirização de pessoal especializado? Qual reflexo da Lei n° 13.429/2017 na administração pública? 
1) É possível a contratação de pessoal especializado sob forma de terceirização por meio de cooperativas, quando se tratar de atividades não finalísticas, ou seja, para atividades-meio. No caso da terceirização de serviços complementares de saúde, é exequível, desde que se atenda aos requisitos estabelecidos no Acórdão T.C. nº 1203/17 (prolatado em sede do processo de consulta TCE-PE nº 1723881-0).
2) É inaplicável a Lei Federal nº 13.429/2017, no âmbito da Administração Pública (administração direta, autarquias e fundações públicas), considerando que a referida lei é voltada para a regulação das relações de trabalho temporário no âmbito das empresas privadas e a suposta autorização não encontra respaldo constitucional, uma vez que viola os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativas. (TCE/PE – Pleno – Proc. nº 1726357-8 (Acórdão nº 1548/19), Rel. Cons. RICARDO RIOS, julgado em 30.10.2019, publicado 04.11.2019)

“1 – Ao município é permitida a terceirização de atividade-meio e de atividade-fins, no âmbito da Administração Pública, sob o viés da Lei Federal 13.429/2017?
R1.1 – É possível a Administração Pública contratar empresa de prestação de serviços a terceiros, de comprovada capacidade econômica e em conformidade com os demais preceitos da Lei nº 6.019/1974, para atender suas atividades-meio, tais como as atividades de conservação, limpeza, segurança, transportes, informática e manutenção predial, desde que não existam cargos efetivos em sua estrutura com tais funções;
R1.2 – Nos termos do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, bem como dos demais princípios constitucionais aplicáveis, não é permitida a terceirização da atividade-fim na Administração Pública, devendo ser observadas ainda as regras da Lei Federal 8.666/1993, atinentes à execução indireta a que se referem seus artigos 6º, inciso VIII, e 10 (Processo Consulta TCE-PE nº 1750283-4);
2 – Outrossim, caso seja permitida a terceirização, poderá ser contratada através de Microempreendedor Individual – MEI?

R.2- Não é possível a contratação de Microempreendedor Individual – MEI como empresa prestadora de serviços terceirizados, tanto em atividades- eio quanto em atividades-fim da empresa contratante, dada sua incapacidade econômica e estrutural para assumir tal função. (TCE/PE – Pleno – Proc. nº 1820010-2 (Acórdão nº 0063/19), Rel. Cons. RANILSON RAMOS, julgado em 30.01.2019, publicado 04.02.2019)

Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Autor: Informativo de Jurisprudência n. 208
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