TRE-SE cassa mandato de deputado federal por doações simuladas por pessoas com perfil financeiro incompatível com o valor doado

Os membros do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe decretaram, em votação unânime, a cassação do mandato do deputado federal José Valdevan de Jesus Santos. Em adição, foi imposta a inelegibilidade, pelo período de 8 anos a contar da data das eleições de 2018, para José Valdevan de Jesus Santos, Evilázio Ribeiro da Cruz, Karina dos Santos Liberal e Rafael Meneguesso Lima.

Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0601585-09, proposta pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), versava sobre possível abuso de poder econômico cometido pelo deputado federal eleito em 2018, José Valdevan de Jesus Santos.

Além de José Valdevan, outras dez pessoas constavam no polo passivo da ação (acusados). Os fatos iniciais dizem respeito à simulação de doações, 86 no toal, no valor de mil e cinquenta reais cada, em outubro de 2018, totalizando a quantia de noventa mil e trezentos reais.

Pedido do Ministério Público

Segundo o MPE, o perfil dos doadores era incompatível com o valor que estava sendo doado. Foram colhidos depoimentos, quebra de sigilo bancário, com análise de fita da caixa, extratos bancários, entre outras medidas, explicou Heitor Alves Soares, procurador regional eleitoral

O procurador afirmou que “Valdevan recebeu doações que não foram declaradas à Justiça Eleitoral, inclusive havendo doação por Pessoa Jurídica, o que é vedado pela legislação”.

O órgão ministerial apontou, ainda, indícios de utilização de caixa 2, tendo em vista doações provenientes do Estado de São Paulo e não apresentação das receitas na prestação de contas. O procurador regional eleitoral afirmou, também, que os gastos referentes à contratação de cabos eleitorais e ao fornecimento de quentinhas não teriam sido declarados à Justiça Eleitoral.

 A votação 

A relatora do caso, Desa. Iolanda Santos Guimarães, negou provimento às alegações preliminares, sendo acompanhada, por unanimidade, pelos demais membros do TRE-SE.

A magistrada afirmou que é preciso assegurar que o resultado do pleito reflita exatamente os reais anseios do corpo eleitoral, sem quaisquer interferências de condutas abusivas por candidatos ou terceiros.

A relatora destacou que na prestação de contas não há, sequer menção aos gastos realizados. A pergunta que se impõe é: como esses recursos foram angariados e repassados aos depositantes?

Entre as muitas irregularidades detectadas pela relatora, foram citados os casos de contas bancárias de servidores do município de Arauá, que recebiam remuneração média de dois mil reais mensais, porém movimentaram, durante o período eleitoral, valores significativos, chegando a mais de cem mil reais em cada conta. Ainda segundo a Desa. Relatora, esses valores foram doados por pessoas jurídicas com sede em São Paulo.

Em trecho de seu voto, a magistrada asseverou que “estabelecida, com nitidez, a relação entre as contas dos servidores Denilson dos Santos Ribeiro e Alisson Alexandre dos Santos, que funcionaram como intermediários para abastecer a campanha do investigado José Valdevan, restou patente a utilização de recursos de origem não identificada”.

Outro ponto destacado pela desembargadora foi o acervo probatório robusto, que serviu de base para demonstrar que a campanha de Valdevan, além do uso indevido dos mencionados recursos, utilizou-se de contas de interposta pessoas para tentar dissimular a verdadeira origem dos recursos financeiros. “Evidentemente o uso de recursos de fontes vedadas compromete severamente a lisura do processo eleitoral, disse Iolanda Guimarães.

Em relação ao fornecimento de quentinhas, o proprietário do negócio e responsável pela produção informou que disponibilizou mais de mil unidade para a campanha, porém na prestação de contas tal gasto não é mencionado.

Concluindo a fundamentação de seu voto, a relatora considerou a gravidade das práticas e o desapreço pela legislação eleitoral, razão pela qual entendeu ser proporcional e razoável a incidência da sanção de cassação de mandato e de inelegibilidade, com vistas a salvaguardar a legitimidade do processo eleitoral, cuja lisura é valor essencial do regime democrático.

Penas aplicadas

Por fim, a douta magistrada votou pela cassação do mandato do deputado federal José Valdevan de Jesus Santos. Em adição, foi imposta a inelegibilidade, pelo período de 8 anos a contar da data das eleições de 2018, para José Valdevan de Jesus Santos, Evilázio Ribeiro da Cruz, Karina dos Santos Liberal e Rafael Meneguesso Lima. Os demais juízes membros acompanharam integralmente o voto da relatora.

Em votação unânime, o Tribunal julgou improcedente os pedidos em face dos investigados Melkiades Honorato, José Ranulfo dos Santos, Laís Kelly Conceição Santos, Isaac Clayton Batista, Jilvan Conceição Leão, Joaldo Rodrigues Gois e João Henrique Alves.

0601585-09.2018.6.25.0000 

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

I. AGRAVO INTERNO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ELEIÇÕES 2018. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/1990. DEPUTADO FEDERAL. AGRAVO INTERNO. PEDIDO DE ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. REGIMENTO INTERNO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO. NÃO ACOLHIMENTO. PUBLICAÇÃO DO DESPACHO. DATA DA AUDIÊNCIA. EXISTÊNCIA DE INTERVALO RAZOÁVEL ENTRE AMBOS. PEDIDO DE RETRATAÇÃO. AFASTAMENTO. REJEIÇÃO DA ARGUIÇÃO. AGRAVO. NÃO PROVIMENTO.
1. Demonstrada a concessão de prazo razoável entre o dia da publicação do despacho e a data da audiência, resta não caracteriza a alegação de violação do devido processo legal e de cerceamento de defesa, não havendo que se falar em retratação do despacho agravado.
2. Conhecimento e improvimento do agravo interno.
II. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ELEIÇÕES 2018. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. DEPUTADO FEDERAL. II. QUESTÕES PRÉVIAS. PRELIMINAR 1: REVELIA. NÃO INCIDÊNCIA DOS EFEITOS. ART. 345, I E II, DO CPC. ACOLHIMENTO. PRELIMINAR 2: INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REJEIÇÃO. PRELIMINAR 3: ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEIÇÃO. PRELIMINAR 4: REITERAÇÃO DE PREFACIAIS JÁ DECIDIDAS EM AGRAVO: OITIVA DE TESTEMUNHAS POR CARTA DE ORDEM. JUNTADA DE DOCUMENTOS APÓS A DEFESA DOS INVESTIGADOS. QUESTÕES JÁ ANTES REJEITADAS PELO PLENÁRIO. PRELIMINAR 5: TESTEMUNHAS. CONTRADITA. INDEFERIMENTO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRELIMINAR 6: DILIGÊNCIAS: A) PEDIDO DE INTIMAÇÃO DE PESSOAS REFERIDAS. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE. INDEFERIMENTO. B) TRÊS PEDIDOS DE REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE DE TESTEMUNHAS. ÔNUS DA PARTE REQUERENTE. INDEFERIMENTO. II. MÉRITO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA E DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. USO DE “CAIXA 2”. SIMULAÇÃO DE DOAÇÕES. ABUSO DE PODER ECONÔMICO CONFIGURADO. DECRETAÇÃO DE CASSAÇÃO DO MANDATO DO PARLAMENTAR ELEITO E DE INELEGIBILIDADE DOS QUATRO INVESTIGADOS RESPONSÁVEIS PELAS CONDUTAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. ART. 22, INC. XIV, DA LC 64/1990. QUESTÕES PRÉVIAS:
1. A Ação de Investigação Judicial Eleitoral trata de direito indisponível, sendo inaplicável aos feitos desta natureza os efeitos da revelia, nos termos do art. 345, II, do CPC.
2. A Ação de Investigação Judicial Eleitoral éadequada para a apuração de ilícitos tipificados nos artigos 41-A e 30-A da Lei das Eleições, bem com o abuso de poder econômico elencado no artigo 22 da LC 64/90. Precedentes.
3. Atribuídos fatos ocorridos, em tese, sob responsabilidade dos investigados (aferição in status assertionis), não há que se falar em ilegitimidade passiva.
4. O julgamento da matéria e a sua submissão à apreciação do órgão revisor implica o esgotamento da instância de origem, o que impede a reanálise da questão já decidida.
5. Não caracteriza cerceamento de defesa decisão que não acolhe contradita de testemunha que não possui interesse na causa e se mostra apta a depor voluntariamente, mormente se não houver claro indicativo de comprometimento da isenção e da imparcialidade.
6. Consoante disposto no Código de Processo Civil, regra também aplicável no processo eleitoral, “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito” (art. 370), devendo indeferir as “diligências inúteis ou meramente protelatórias”, inclusive negando a intimação de pessoa referida por testemunha se a produção da prova se revelar desnecessária e sem utilidade para o deslinde da causa.
7. Não compete ao órgão julgador intermediar a produção de provas em substituição da parte, a quem cabe providenciar os documentos necessários àcomprovação das suas alegações, ou de suas razões de pedir, mormente quando não se vislumbra elementos nos autos que indiquem qualquer negativa do poder publico em fornecer as informações 
requeridas, o que poderia legitimar a intervenção judicial.
MATÉRIA DE FUNDO: ABUSO DE PODE ECONÔMICO.
8. O abuso do poder econômico está presente no emprego dissimulado e reiterado de recursos financeiros oriundos de pessoa jurídica em campanha eleitoral, conduta reputada grave. Precedente do TSE.
9. A triangulação de recursos financeiros, inclusive originários de pessoa jurídica, que perspassaram por contabancária de interposta pesssoa, para só depois abastecer a conta da campanha, macula a lisura e a moralidade do pleito. Precedente.
10. O percentual representativo dos recursos de campanha irregularmente aportados não é critério único para avaliação da gravidade do ato em face do desvalor da conduta praticada. Há de ser considerada, como critério de aferição, a conjuntura decorrente tanto da relevância jurídica da irregularidade quanto da ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé e pelo pouco ou mesmo nenhum apreço por valores republicanos. Precedente do TSE.
11. A prática de “caixa dois” constitui motivo bastante para incidência das sanções, eis que a fraude escritural de omissão de valores recebidos e de falta de esclarecimento de sua origem inviabiliza o controle, por esta Justiça Especializada, de aporte financeiro em favor de candidatos, partidos políticos e coligações. Precedente do TSE.
12. Na espécie, as circunstâncias apuradas – triangulação de recursos financeiros via interpostas pessoas, uso de recursos de fonte vedada e de origem não identificada, simulação de doações e “Caixa 2” – ostentam gravidade de alta intensidade, o que significa que a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade apontam para a imposição das sanções previstas na norma regente.
13. Procedência parcial dos pedidos deduzidos na presente AIJE, julgando-os procedentes em relação aos investigados constantes no dispositivo da decisão e improcedentes quanto aos demais demandados, para, nos termos do artigo 22, XIV, da Lei Complementar n° 64/90, cassar o mandato do primeiro deles, eleito para o cargo de deputado federal, e decretar a inelegibilidade de todos o investigados relacionados no dispositivo, pelo período de 08 (oito) anos, a contar da data das eleições de 2018. (TRE-SE – Proc. nº 0601585-09.2018.6.25.0000, Rel. Des.
IOLANDA SANTOS GUIMARAES, julgado em 28.05.2020, DJe de 02.07.2020)

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