Considerando as restrições impostas pela Lei Eleitoral, quais são os cuidados a serem observados pelo gestor público quanto à publicidade institucional relacionada à pandemia do coronavírus?
Inicialmente, ressalta-se que as normas eleitorais inerentes à publicidade institucional integram o escopo das prestações de contas anuais, além de constituírem objeto de fiscalização concomitante realizada pelo Tribunal de Contas.
A Lei nº 9.504/97 (Lei Eleitoral) possui 2 dispositivos relacionados à publicidade institucional:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
VI – nos três meses que antecedem o pleito:
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
Essa norma proíbe a veiculação, no período de 3 (três) meses que antecedem o pleito (a partir de 15 de agosto de 2020, agora por força do § 2º do art. 1º, da Emenda Constitucional nº 107, de 2 de julho de 2020), de toda e qualquer publicidade institucional, excetuando-se apenas a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado e os casos de grave e urgente necessidade pública reconhecida pela Justiça Eleitoral.
A proibição dirige-se aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa, conforme § 3º do art. 73 da Lei nº 9.504/97. Neste ano, portanto, a norma é aplicável aos agentes públicos municipais, independentemente da pretensão de concorrer ao cargo de prefeito ou vereador nas eleições municipais.
Não importa se a publicidade gera custos ao ente público: o Tribunal Superior Eleitoral tem precedente (Recurso Especial Eleitoral nº 415-84) no sentido de que o conceito de publicidade institucional, para fins desta norma, abrange a publicidade veiculada, sem custos, na rede social (Facebook, Instagram, WhatsApp, etc.) pessoal do agente público ou do órgão público.
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO EM PERÍODO VEDADO. PERFIL PESSOAL. PREFEITO. FACEBOOK. ART. 73, VI, B, DA LEI N° 9.504/1997. CONDENAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM, COM FIXAÇÃO DE MULTA ACIMA DO MÍNIMO, LEGAL. DISPÊNDIO DE RECURSOS PÚBLICOS. IRRELEVÂNCIA NO CASO CONCRETO. DEMONSTRAÇÃO DO ILÍCITO POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR N°30 DO TSE. PRETENSÃO DE REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO SUMULAR N° 24 DO TSE. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO AO VALOR DA MULTA. NÃO OCORRÊNCIA. CORRETA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS HÁBEIS A MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.
1. O TSE possui entendimento, firmado para as eleições de 2016, no sentido de que a ausência de dispêndio de recursos públicos; por si só, não é capaz de afastar a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, VI, b, da Lei das Eleições, uma vez que a indigitada proibição visa a evitar não apenas o gasto de recursos públicos, mas também o desequilíbrio da disputa eleitoral causado pelo benefício indevido de candidatos apoiados pela administração, tal como na hipótese dos autos. Incidência, na espécie, do Enunciado da Súmula n130 do TSE.
2. Hipótese em que o acórdão regional entendeu caracterizada a divulgação de publicidade institucional dentro do período vedado por lei, tendo em vista a divulgação de brasão e slogans da gestão administrativa do município em perfil pessoas (Facebook) do então prefeito de Juiz de Fora e máquina pública e a sua pessoa. A modificação dessas conclusões exigiria o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta instância especial (Enunciado Sumular n° 24 do TSE).
3. “[…] O dever de fundamentação das decisões judiciais, garantia fundamental do Estado Democrático de Direito, encartada no inc. IX do art. 93, exige apenas e tão somente que o juiz ou o tribunal apresente as razões que reputar necessárias à formação de seu convencimento, prescindindo, bem por isso, que se procede à extensa fundamentação, cado que a motivação sucinta se afigura decisão motivada[ … ]” (AgR-REspe n° 305-66/AL, reil Min. Luiz Fux, julgado em 5.3.2015, DJe de 28.4.2015).
4. O Tribunal de origem, ao reduzir o quantum da multa aplicada ao agravante, assim o fez de forma fundamentada, com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, registrando haver motivos idôneos para mantê-la em patamar acima do valor mínimo definido pelo art. 73, § 4º, da Lei das Eleições.
5. Alicerçada a decisão impugnada em fundamentos idôneos e ausentes argumentos hábeis para modificá-la, não merece ser provido o agravo interno.
6. Negado provimento ao agravo interno. (TSE – Agravo de Instrumento nº 3994, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 174, Data 09/09/2019, Página 65-66)
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO JULGADA PROCEDENTE PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PREFEITO NÃO CANDIDATO. VEICULAÇÃO DE CONVITES VIA FACEBOOK DA PREFEITURA E APLICATIVO PARTICULAR WHATSAPP PARA DIVERSOS EVENTOS PROMOVIDOS PELO EXECUTIVO MUNICIPAL. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. ART. 73, INCISO VI, ALÍNEA B, DA LEI 9.504/97. CONDENAÇÃO SOMENTE AO PAGAMENTO DE MULTA. ANOTAÇÃO NO CADASTRO ELEITORAL DO CÓDIGO ASE 540. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÃO PECUNIÁRIA PELA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA NÃO GERA INELEGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DE ANTONIO LUIZ COLUCCI A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, TÃO SOMENTE PARA AFASTAR A ANOTAÇÃO NA INSCRIÇÃO ELEITORAL DO RECORRENTE DO CÓDIGO ASE 540.
1. Tem-se que o TRE de São Paulo manteve a condenação de ANTONIO LUIZ COLUCCI o qual estava exercendo seu segundo mandato como Prefeito de Ilhabela/SP ao pagamento de multa pela prática da conduta vedada a agente público prevista no art. 73, VI, b, da Lei das Eleições publicidade institucional em período defeso, consubstanciada na distribuição de convites para diversos eventos promovidos ou apoiados pelo Poder Executivo Municipal por meio da conta da Prefeitura na rede social Facebook e do aplicativo particular WhatsApp.
2. Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, ressalvadas as exceções de lei, os agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa (§ 3º do art. 73 da Lei das Eleições) não podem veicular publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos respectivos órgãos durante o período vedado, ainda que haja em seu conteúdo caráter informativo, educativo ou de orientação social.
3. A lei eleitoral proíbe a veiculação, no período de três meses que antecedem o pleito, de toda e qualquer publicidade institucional, excetuando-se apenas a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado e os casos de grave e urgente necessidade pública reconhecida pela Justiça Eleitoral (AgR-REspe 500-33/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 23.9.2014).
4. A jurisprudência deste Tribunal é na linha de que as condutas vedadas do art. 73, VI, b, da Lei das Eleições possuem caráter objetivo, configurando-se com a simples veiculação da publicidade institucional dentro do período vedado, independente do intuito eleitoral (AgR-AI 85-42/PR, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 2.2.2018).
5. O fato de a publicidade ter sido veiculada em rede social de cadastro e acesso gratuito não afasta a ilicitude da conduta (AgRAI 160-33/RS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, de 11.10.2017). (…) (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 41584, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 156, Data 07/08/2018, Página 23/24)
Reconhecimento da Justiça Eleitoral: o gestor público deverá solicitar ao Juízo Eleitoral competente, por meio de petição, autorização para veiculação da publicidade estritamente relacionada às orientações e informações para prevenção e combate ao COVID-19.
Autorizada pela Justiça Eleitoral, a publicidade deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, conforme o disposto no artigo 37, § 1º, da Constituição Federal.
Desnecessidade do Reconhecimento da Justiça Eleitoral: no contexto da atual pandemia, como a atual situação de emergência sanitária decorrente da pandemia do coronavírus (COVID-19), aplica-se o inciso VIII, do art. 1º, da Emenda Constitucional nº 107/2020:
VIII – no segundo semestre de 2020, poderá ser realizada a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados ao enfrentamento à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
Que autoriza de antemão a realização de gastos relacionados a publicidade institucional direcionada ao enfrentamento da Covid-19. Ou, ainda, aqueles necessários à orientação da população em relação a serviços que possam ter sido afetados pela pandemia como, por exemplo, transporte público, funcionamento de locais públicos, horário de funcionamento e retorno das escolas, dentre outros.
Essa previsão da EC nº 107 excepcionalmente dispensa o gestor público municipal de ter que recorrer à Justiça Eleitoral para ver declarada a necessidade da publicidade relacionada à pandemia, uma vez que já há o reconhecimento amplo e consolidado de que estamos enfrentando uma situação de grave calamidade pública. Contudo, essas ações publicitárias devem ser conduzidas no estrito interesse público. Eventuais desvios poderão ser apurados como abuso de poder e punidos com cassação de registro ou diploma e inelegibilidade para eleições futuras.
Na cauda de tais considerações, registramos que:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
VII – realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito;
No entanto, a norma não faz qualquer ressalva em casos de emergência ou calamidade pública.
Diante disso, foi ajuizada, recentemente, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 6374, com pedido de medida cautelar, para afastar a incidência dessa norma jurídica tão somente quanto às despesas com publicidade institucional necessárias ao contexto de calamidade pública inerente ao enfrentamento do coronavírus.
Desse modo, até que sobrevenha decisão do STF na ADI 6374 e considerando a ausência de restrição quanto à publicidade veiculada sem custos, recomendava-se aos gestores públicos que estivessem na iminência de extrapolar o limite legal, a utilização, no primeiro semestre de 2020, de redes sociais e outros meios que não gerem despesas públicas, para divulgação das orientações e informações necessárias ao enfrentamento do COVID-19.
O próprio Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, antes da promulgação da EC nº 107, já tinha se manifestado nesse sentido em dois processos:
EMENTA. CONSULTA. ELEIÇÕES 2020. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, VII, DA LEI N.º 9.504/97. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL VOLTADA À INFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO E ORIENTAÇÃO DA POPULAÇÃO. ART. 37, § 1º, CF/88. PANDEMIA DO COVID-19. CALAMIDADE PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO LIMITE LEGAL DE GASTOS. NÃO CABIMENTO DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. Na forma do previsto no art. 73, inciso VII, da Lei das Eleições, é vedado aos agentes públicos, durante o primeiro semestre do ano eleitoral, realizar despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito.
2. Diante do estado de calamidade pública, motivado pela pandemia do COVID-19 – novo coronavírus, alega o consulente que os gastos com publicidade institucional seriam superiores ao mesmo período dos anos anteriores, em virtude da necessidade de intervenção do executivo municipal na orientação da população sobre isolamento social, redução das interações sociais e horário de funcionamento de estabelecimentos.
3. Ao contrário do previsto em outros artigos, a Lei n.º 9.504/97 não previu qualquer exceção para o seu art. 73, inciso VII, de forma que não cabe a adoção de interpretação extensiva e, ato contínuo, o afastamento do comando legal. Precedentes jurisprudenciais no mesmo sentido.
4. Conhecimento e resposta à consulta nos seguintes termos: Os gastos com publicidade institucional, voltada à informação, educação e orientação da população acerca do COVID-19, não podem ser excluídos da regra delineada no art. 73, inciso VII, da Lei n.º 9.504/97. (TRE/PE – Consulta nº 060020684, Rel. Des. CARLOS FREDERICO GONÇALVES DE MORAES, julgado em 19.06.2020, DJe de 01.07.2020, p. 9)
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. ART. 73, VI, “b”, e VII, DA LEI Nº 9.504/97. PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. GRAVE E URGENTE NECESSIDADE PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE, EM PRINCÍPIO, DA ANÁLISE DOS CRITÉRIOS LEGAIS ANTES DO PERÍODO VEDADO.
1. Dispõe o art. 73, inc. VI, “b”, da Lei 9.504/97, a vedação quanto à realização de publicidade institucional por órgão municipal, nos três meses que antecedem as eleições, salvo se reconhecida pela Justiça Eleitoral grave e urgente necessidade pública que autorize a continuidade da propagada pela edilidade, durante o período compreendido na coibição legal.
2. Hipótese em que, em razão da pandemia da COVID-19, a municipalidade se antecipa quanto à permissão supracitada, não sendo possível, neste momento, examinar requisitos da norma de regência que apenas cabem ser analisados dentro do lapso temporal em questão, diante de circunstâncias concretas e atuais e, não apenas, previsíveis e futuras.
3. O limite financeiro para gastos com propaganda institucional, no primeiro semestre de ano eleitoral, rege-se por critério objetivo, previsto no art. 73, VII, da Lei 9.504/97, no qual não se observa qualquer ressalva legal assentada àquele parâmetro, não cabendo, pois, ao Poder Judiciário criar hipótese de exceção não prescrita pelo legislador.
4. Recurso não provido. (TRE-PE – RE nº 060000296, Rel. Des. EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR, julgado em 04.06.2020, DJe de 10.06.2020, p. 6)
Ocorre que para as Eleições 2020, com o advento da EC nº 107 o dispositivo acima foi substituído pelo inciso VII da referida emenda constitucional ao dispor que:
VII – em relação à conduta vedada prevista no inciso VII do caput do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, os gastos liquidados com publicidade institucional realizada até 15 de agosto de 2020 não poderão exceder a média dos gastos dos 2 (dois) primeiros quadrimestres dos 3 (três) últimos anos que antecedem ao pleito, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
A proibição agora relaciona-se ao excesso de despesas com publicidade até de 15 de agosto do ano de eleição, utilizando como parâmetro a média dos gastos dos 2 (dois) primeiros quadrimestres dos 3 (três) últimos anos que antecedem ao pleito.
Acontece, que no caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral, será possível a realização de gastos com publicidade institucional com caráter educativo, informativo ou de orientação social, mesmo a partir de 15 de agosto.
Dessa forma, interpretando conjuntamente os incisos VII e VIII, do art. 1º, da Emenda Constitucional nº 107/2020, tem-se o seguinte sobre a propaganda institucional, no enfrentamento ao COVID-19 ou em caso de grave e urgente necessidade pública, a partir de 15 de agosto:
a) Continua permitida sem a necessidade de prévia autorização da Justiça Eleitoral, mesmo com gastos que possam comprometer a média dos gastos dos 2 (dois) primeiros quadrimestres dos 3 (três) últimos anos que antecedem 2020, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva.
Qual fase da despesa orçamentária (empenho, liquidação, pagamento) é considerada para apuração do limite de gastos previsto no inciso VII, do art. 1º, da EC nº 107?
Analisando o contido nos incisos VII e VIII, do art. 1º, da Emenda Constitucional nº 107/2020, nota-se que a limitação de gastos imposta busca evitar que no ano do pleito os agentes públicos realizem publicidades acima da real necessidade das instituições, o que acarretaria um desiquilíbrio publicitário em desfavor dos demais candidatos.
Desse modo, fica claro que o objetivo da limitação de gastos tem por base os serviços realizados neste período, ou seja, que foram efetivamente prestados.
Assim, a apuração dos montantes das despesas com publicidade para fins de apuração do limite de gastos definido no inciso VII, do art. 1º, da Emenda Constitucional nº 107/2020, deve considerar as despesas que tiveram seus fatos geradores ocorridos até os 2 (dois) primeiros quadrimestres dos 3 (três) últimos anos que antecedem ao pleito. Dito de outra forma, devem ser considerados os serviços que foram efetivamente prestados até estes períodos.
Em termos de execução da despesa orçamentária, entende-se que a fase a ser considerada é a liquidação da despesa (a própria redação do inciso VII, do art. 1º, da EC nº 107, usa a expressão gastos liquidados), conforme previsão contida no inciso III, § 2º, do art. 63, da Lei nº 4.320/64, o qual define que a liquidação da despesa por serviços prestados terá por base os comprovantes da prestação efetiva do serviço.
Tal entendimento está alinhado à jurisprudência da Justiça Eleitoral, como se nota na decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral na Ação Cautelar, de 24.10.2013, REspe n.º 67994:
Recurso especial. Representação. Conduta vedada. Art. 73, VII, da Lei nº 9.504/97.
1. O Tribunal Regional Eleitoral entendeu não configurada a conduta vedada do art. 73, VII, da Lei nº 9.504/97, reconhecendo que as despesas com publicidade em Município, efetivamente realizadas em 2012, não ultrapassaram o limite legal. Diante das premissas contidas no voto condutor da decisão recorrida, seria necessário reexaminar os fatos e as provas contidas nos autos para concluir, ao contrário, que foram realizados gastos acima da média legal no ano da eleição. Incidem, no particular, as Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.
2. O art. 73, VII, da Lei nº 9.504/97 previne que os administradores públicos realizem no primeiro semestre do ano da eleição a divulgação de publicidade que extrapole o valor despendido no último ano ou a média dos três últimos, considerando-se o que for menor. Tal proibição visa essencialmente evitar que no ano da eleição seja realizada publicidade institucional, como meio de divulgar os atos e ações dos governantes, em escala anual maior do que a habitual.
3. A melhor interpretação da regra do art. 73, VII, da Lei das Eleições, no que tange à definição – para fins eleitorais do que sejam despesas com publicidade -, é no sentido de considerar o momento da liquidação, ou seja, do reconhecimento oficial de que o serviço foi prestado – independentemente de se verificar a data do respectivo empenho ou do pagamento, para fins de aferição dos limites indicados na referida disposição legal.
4. A adoção de tese contrária à esposada pelo acórdão regional geraria possibilidade inversa, essa, sim, perniciosa ao processo eleitoral, de se permitir que a publicidade realizada no ano da eleição não fosse considerada, caso a sua efetiva quitação fosse postergada para o ano seguinte ao da eleição, sob o título de restos a pagar, observados os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. (TSE – (RESpe nº 67994, Rel. Min. Henrique Neves Da Silva, julgado em 24.10.2013, DJE de 19.12.2013)
Por fim, ressalta-se que a aferição dos montantes dos valores das despesas liquidadas nos períodos definidos no inciso VII, do art. 1º, da Emenda Constitucional nº 107/2020, será auxiliada pelas informações dos documentos comprobatórios das prestações de serviços.
Quais os cuidados devem ser observados na licitação de serviços de publicidade?
A atividade publicitária é bastante peculiar e a forma de sua contratação pela Administração Pública exige a observação de normas legais específicas.
A contratação de serviços de publicidade e propaganda no âmbito da administração pública encontra-se regulamentada pela Lei nº 12.232/2010, que dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda. Dessa forma, a Lei nº 8.666/93 é aplicada de forma subsidiária.
Inicialmente, observa-se que a contratação de serviços publicitários pela Administração Pública deverá ser obrigatoriamente precedida de processo licitatório.
O art. 2º da Lei n.º 12.232/2010, define os serviços de publicidade como “o conjunto de atividades realizadas integradamente que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação e a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir ideias ou informar o público em geral”.
Já o § 1º do art. 2º do mencionado diploma legal, permite a inclusão, nas contratações de serviços de publicidade, como atividades complementares, dos serviços especializados pertinentes:
I – ao planejamento e à execução de pesquisas e de outros instrumentos de avaliação e de geração de conhecimento sobre o mercado, o público-alvo, os meios de divulgação nos quais serão difundidas as peças e ações publicitárias ou sobre os resultados das campanhas realizadas;
II – à produção e à execução técnica das peças e projetos publicitários criados; e
III – à criação e ao desenvolvimento de formas inovadoras de comunicação publicitária, em consonância com novas tecnologias, visando à expansão dos efeitos das mensagens e das ações publicitárias.
Vale ressaltar que outras atividades não enquadradas no rol delimitado acima não podem ser executadas ou intermediadas pela agência de publicidade dentro do contrato de prestação de serviços publicitários. Dessa forma, ficam excluídas atividades como relações públicas, assessoria de imprensa, realização de eventos festivos, ações de promoção e de patrocínio e outros, que deverão ser objeto de procedimento licitatório próprio, regido pela Lei nº 8.666/93 e não pela Lei nº 12.232/10.
A contratação dos serviços de publicidade segue um rito próprio previsto na Lei nº 12.232/10. Antes de iniciar a seleção das agências, a administração pública deve constituir uma subcomissão técnica composta por pelo menos 3 (três) membros que tenham formação em comunicação, publicidade ou marketing, ou que atuem em uma dessas áreas, os quais ficarão responsáveis pelo julgamento das propostas técnicas na fase da seleção das agências.
Iniciando a fase de seleção das agências, os gestores devem observar que a Lei nº 12.232/10 determina, respeitadas as modalidades definidas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, a utilização obrigatória dos tipos de licitação (critérios de julgamento) “melhor técnica” ou “técnica e preço”.
Por fim, é de suma importância que os gestores públicos possuam um prévio planejamento de quais campanhas publicitárias deverão ser realizadas ao longo do exercício para que não ultrapasse na fase de execução o montante licitado.
Quais são os cuidados na execução do contrato de publicidade?
A fase da execução dos serviços de publicidade e propaganda dar-se-á em plena conformidade com os termos e condições estabelecidas na licitação e no respectivo instrumento contratual. A Lei nº 12.232/10, em seus arts. 13 a 17, de forma didática, trata de uma série de regras que devem ser observadas pelos gestores públicos na fase de execução dos contratos.
Além de todas as observações pertinentes à fase de contratação e planejamento, os primeiros cuidados dos gestores estão no planejamento das campanhas publicitárias pela agência vencedora. É de suma importância que o fiscal do contrato, preferencialmente com conhecimento técnico na área, exerça o controle sobre todo o material que está sendo produzindo a fim de observar se as campanhas estão de acordo com seu caráter educativo, informativo ou de orientação social e, não menos importante, verificar se há qualquer elemento que faça promoção pessoal ao gestor ou grupo político, pois tais ações podem culminar em responsabilização civil em razão da configuração de improbidade administrativa dos responsáveis.
Cabe ressaltar, ainda, que as negociações realizadas pelas agências de publicidade devem sempre priorizar a transparência e observar: as melhores condições para o contratante; as cotações com 3 (três) fornecedores nos serviços ou produção externa; o cadastramento prévio de pessoas físicas ou jurídicas prestadoras de serviços complementares; além da garantia e comprovação de que os custos e despesas apresentados ao contratante para pagamento foram aprovados e prestados, inclusive com relatório de checagem de veiculação a cargo de empresa independente.
Por fim, os gestores devem observar o dever de transparência, garantindo o livre acesso ao respectivo portal da transparência, que deve disponibilizar todas as informações sobre a execução do contrato de publicidade e propaganda, como os dados completos dos fornecedores de serviços especializados e veículos de publicação, bem como os valores totais pagos para cada tipo de serviço prestado.