A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera pré-questionados os fundamentos que, embora não analisados no julgamento que deu provimento à apelação, foram reiterados nas contrarrazões do recurso especial pela parte vencedora em segunda instância. O entendimento foi manifestado em julgamento que analisou duas posições antagônicas adotadas pelo tribunal em situações semelhantes.
Em demanda contra a União, um grupo de servidores interpôs apelação com mais de um fundamento. O tribunal local deu provimento integral ao recurso com base em um só desses fundamentos, sem examinar os demais. O relator no STJ reverteu o acórdão, e, no agravo contra essa decisão monocrática, os servidores sustentaram fundamentos que não tinham sido analisados no julgamento da apelação.
Ao julgar o agravo, a Primeira Turma negou-lhe provimento, mantendo a decisão monocrática quanto ao ponto que havia sido tratado no acórdão da apelação, e não conheceu do recurso em relação às outras alegações dos agravantes, por falta de pré-questionamento. De acordo com a turma, essas questões não poderiam ser discutidas no STJ porque não foram analisadas pelo tribunal de origem.
Precedente
Em embargos de divergência, os servidores apontaram acórdão de 2018 – posterior à decisão da Primeira Turma – no qual a Corte Especial, dando interpretação diferente à mesma situação, registrou que, “uma vez superado o argumento acolhido pelo tribunal de origem, cabe a esta Corte Superior, no prosseguimento do julgamento do recurso especial, examinar os demais fundamentos suscitados nas contrarrazões, ainda que não anteriormente apreciados”.
Os embargantes alegaram ainda que, sendo vencedores na segunda instância e não tendo interesse em recorrer, só lhes restava a possibilidade de suscitar as matérias de defesa nas contrarrazões ao recurso especial da parte contrária.
Do mesmo modo, vencedores na apelação, não tinham interesse recursal para opor embargos de declaração e obter o pré-questionamento dos demais fundamentos.
Sucumbência e vantagem
Para o relator dos embargos de divergência, ministro Francisco Falcão, a posição que deve prevalecer é a do precedente da Corte Especial. “O entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios”, afirmou.
A questão – explicou o relator – deve ser analisada sob a perspectiva da sucumbência e da possibilidade de melhora da situação jurídica da parte recorrente, critérios de identificação do interesse recursal.
Segundo o ministro, a discussão desse tema não está vinculada à vigência do novo ou do antigo Código de Processo Civil (CPC), mas sim a uma questão antecedente, base teórica do sistema recursal: “Só quem perde, algo ou tudo, tem interesse em impugnar a decisão, desde que possa obter, pelo recurso, melhora na sua situação jurídica.”
Nesse sentido, o ministro apontou que a identificação do interesse recursal pressupõe a presença do binômio sucumbência-perspectiva de maior vantagem. “Sem ele, a parte simplesmente não consegue superar o juízo de admissibilidade recursal”, ponderou.
Temática viva
Em seu voto, Falcão considerou que os servidores não dispunham de nenhum dos elementos do binômio para recorrer contra o julgamento da apelação, pois não eram vencidos e não havia a perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Assim, para o ministro, eles “agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer”.
“Se se comportaram corretamente e, mais ainda, se tomaram o cuidado de averbar nas contrarrazões do especial o fundamento descartado no julgamento da apelação, não há como deles cobrar algo a mais. Fizeram o que se esperava para manter viva a temática”, destacou o relator.
Ao acolher os embargos de divergência, Francisco Falcão também enfatizou que a exigência de oposição de embargos de declaração a fim de, inutilmente, pré-questiornar matéria que “sequer se sabe se voltará a ser abordada” seria contrária à tendência – vigente mesmo antes do CPC de 2015 – de desestimular a utilização desnecessária das vias recursais.
Leia o acórdão.