Recursos provenientes de aportes financeiros realizados para a cobertura de déficit atuarial não podem ser utilizados antes do prazo de cinco anos, estabelecido pela Portaria nº 746/11 do Ministério da Previdência Social (MPS). Afinal, isso resultaria em novo desequilíbrio atuarial ao regime próprio de previdência social (RPPS), o que implicaria a apuração de responsabilidades nos diversos âmbitos de fiscalização, conforme o caso, e a sujeição dos responsáveis às sanções previstas na Lei nº 9.717/98.
Além disso, ocorreria a desnaturação do elemento de despesa criado para finalidade específica, com implicações diretas na Receita Corrente Líquida (RCL) e, consequentemente, no recálculo da despesa com pessoal. Esses recursos também não podem ser usados para suprir insuficiência financeira de RPPS, pois sua finalidade é justamente a constituição de reserva financeira para equacionamento do déficit.
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela presidente da autarquia Foz Previdência – RPPS do Município de Foz do Iguaçu -, Áurea Cecília da Fonseca, por meio da qual questionou sobre a possibilidade de utilização de recursos financeiros transferidos pelo Poder Executivo sob a rubrica de aportes para cobertura de déficit atuarial.
Instrução do processo
A assessoria jurídica da Foz Previdência afirmou que a inobservância das disposições da Portaria nº 746/11 do Ministério da Previdência Social (MPS) poderia resultar na responsabilização do prefeito e do município, nos âmbitos político, administrativo e penal.
A procuradoria da autarquia também ressaltou que a utilização dos aportes geraria eventuais reflexos no cômputo de tais gastos no índice de despesas com pessoal; e que esses recursos vinculados não podem ser utilizados antes do prazo estabelecido na norma regulamentar.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR salientou que o desrespeito às disposições regulamentares sobre os aportes para cobertura de déficit atuarial pode resultar na aplicação de sanções administrativas previstas na Lei Orgânica do TCE-PR (Lei Complementar Estadual nº 113/2005), na imputação de crime de responsabilidade e até mesmo da configuração de improbidade administrativa.
A unidade técnica frisou, também, que a desnaturação dos valores aportados em razão da sua utilização antes do prazo determinado afetaria diretamente a RCL, o que demandaria a instauração de tomadas de contas para novo cálculo da despesa com pessoal. Finalmente, a CGM lembrou que é expressamente vedada a utilização dos valores antes do prazo de cinco anos, pois isso prejudicaria a finalidade de constituição de reserva financeira para equacionamento do déficit atuarial.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com a instrução técnica. O órgão ministerial acrescentou que a Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) ressalva do cômputo de despesas com pessoal os gastos com inativos custeados com recursos provenientes de receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade.
Legislação
A Lei nº 9.717/98 dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento de RPPS dos servidores públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além dos militares dos estados e do Distrito Federal, e dá outras providências.
A Portaria nº 746/11 do MPS definiu os requisitos para a contabilização orçamentária dos recursos correspondentes aos aportes para cobertura de déficit atuarial de RPPS. O artigo 1º, parágrafo 1º, dessa portaria dispõe que os aportes ficarão sob a responsabilidade da unidade gestora; e que eles deverão ser controlados separadamente dos demais recursos, de forma a evidenciar a vinculação para a qual foram instituídos, e permanecer devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, no mínimo, por cinco anos.
Os incisos I e II desse artigo 1º condicionam que os recursos relativos aos aportes sejam constituídos como despesa orçamentária vinculada legalmente ao plano de amortização estabelecido pelo ente; e que eles sejam utilizados exclusivamente para o pagamento de benefícios dos segurados vinculados ao plano previdenciário.
O artigo 53 da Portaria nº 464/2018 do Ministério da Fazenda (MF) estabelece que, para fazer frente a uma situação de déficit atuarial, o ente público deverá tomar uma das duas medidas previstas para o equacionamento destes números.
A primeira é a instituição, mediante lei, de plano de amortização com contribuição suplementar, na forma de alíquotas ou aportes mensais com valores preestabelecidos, para em, no prazo máximo de 35 anos, acumular os recursos necessários à cobertura desse resultado – artigos 54 e 55 da Portaria nº 464/18 do MF.
A segunda medida é a manobra de segregação da massa de segurados, previamente aprovada pela entidade fiscalizadora no âmbito da União, em que parcela dos benefícios seria custeado por um plano financeiro de repartição simples e outra, por um regime de capitalização – artigo 56 da Portaria nº 464/18 do MF.
O artigo 58, IV, da Portaria nº 464/2018 expressa que “fica vedada transferência de beneficiários, recursos ou obrigações entre os fundos, não se admitindo, também, a previsão da destinação de contribuições de um grupo para o financiamento dos benefícios do outro, ressalvada a revisão da segregação.
A Orientação Normativa (ON) nº 2/2009 da Secretaria de Previdência Social (SPS) do MPS, em seu artigo 22, evidencia que a garantia do equilíbrio financeiro e atuarial se dará “em conformidade com a avaliação atuarial inicial e as reavaliações realizadas em cada exercício financeiro para a organização e revisão do plano de custeio e de benefícios”.
O artigo 19 da LRF estabelece os limites percentuais da RCL que a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da federação, não pode exceder. O parágrafo 1º desse artigo fixa que, na verificação do atendimento dos limites, não serão computadas as despesas com inativos – inciso VI -, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por recursos provenientes das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro – alínea “c”.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, concordou com a instrução da CGM e o parecer do MPC-PR. Ele ressaltou que, desde a Emenda nº 20/98, é requisito constitucional do RPPS a observância de critérios que preservem seu equilíbrio financeiro e atuarial.
Linhares afirmou que é necessário distinguir dois tipos de déficit que podem ocorrer no RPPS: o déficit financeiro, que ocorre quando as receitas auferidas pelo RPPS são insuficientes para cobrir as despesas com inativos e pensionistas em cada exercício financeiro; e o déficit atuarial, quando o valor presente entre a totalidade dos ativos vinculados ao RPPS, avaliados a valor de mercado e acrescidos do fluxo das receitas estimadas, é menor que o montante das obrigações projetadas, apuradas atuarialmente.
O conselheiro destacou que, além das duas medidas previstas na Portaria nº 464/2018 do MF, o enfrentamento do déficit atuarial também pode ser realizado por meio do aporte de bens, direitos e ativos; do aperfeiçoamento da legislação do RPPS e dos processos relativos à concessão, manutenção e pagamento dos benefícios; e da adoção de medidas que visem à melhoria da gestão integrada dos ativos e passivos do RPPS.
O relator lembrou, ainda, que a ON nº 2/2009 da SPS/MPS constitui importante marco regulamentar da organização do RPPS, em especial quanto à garantia do seu equilíbrio financeiro e atuarial.
Linhares frisou que, na medida em que somente o plano previdenciário se destina à capitalização de recursos para o pagamento de benefícios futuros, é inevitável que os aportes efetuados pelo ente instituidor sejam destinados a tal finalidade, pois, do contrário, conformariam mera cobertura de insuficiência financeira, sem objetivo de acúmulo.
Assim, ele concluiu que a utilização antecipada dos recursos acumulados e oriundos de aportes para cobertura de déficit atuarial caracteriza irregularidade, pois isso contraria a sistemática normativa dos regimes próprios e, especialmente, compromete o equilíbrio atuarial do sistema, sujeitando o responsável à apuração de responsabilidades.
Finalmente, o conselheiro destacou que a opção por plano de amortização na modalidade de instituição de alíquotas suplementares exige que sejam incluídos no computo de gasto com pessoal os valores utilizados, o que não ocorre na modalidade de aportes periódicos sob a rubrica “97” – Aporte para Cobertura do Déficit Atuarial do RPPS.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade.
Leia o acórdão.
Processo: 740360/19
NOTA DO ESCRITÓRIO
Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa da consulta:
EMENTA: Consulta. Utilização de recursos aportados para cobertura de déficit atuarial de RPPS. Pela resposta nos seguintes termos: Impossibilidade de utilização de recursos destinados à cobertura do déficit atuarial para suprir insuficiência financeira do RPPS antes do prazo mínimo de 5 anos. A utilização antecipada e indevida dos recursos traz desequilíbrio atuarial ao RPPS, sujeitando os responsáveis às sanções previstas na Lei nº 9.717/1998, bem como à apuração de responsabilidades nos diversos âmbitos de fiscalização. (TCE-PR – Pleno – Proc. 740360/19 (Acórdão nº 1483/20), Rel. Cons. Ivens Zschoerper Linhares, julgado em 08.07.2020, DETC nº 28.07.2020)