Havendo contratação de servidores sem concurso, há presunção legal de ilegitimidade dessa conduta e também de lesividade que ultrapassa a simples esfera da administração pública. A ilegalidade atinge valores da coletividade, que espera e exige dos administradores a correta gestão da coisa pública e o estrito cumprimento das leis e da Constituição.
Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a recurso especial interposto por membros da diretoria executiva da Fundação Assisense de Cultura, condenados em ação civil pública a pagar indenização por danos morais decorrentes da contratação de motorista de ônibus sem concurso público.
Segundo a defesa, não houve má-fé ou prejuízo ao erário público, uma vez que o servidor de fato prestou serviço enquanto esteve contratado. Sem ato ilícito e prática de qualquer comportamento que se caracterize, em tese, como crime, defenderam não haver ofensa capaz de causar danos morais.
Relator, o ministro Sergio Kukina entendeu diferentemente, baseado em jurisprudência segundo a qual os danos morais coletivos se configuram na própria prática ilícita, dispensam a prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva.
“Evidencia-se que o ato ímprobo em tela efetivamente importou em abalo à confiança depositada pela comunidade local na administração pública do Município de Assis/SP”, apontou o relator.
“Havendo contratação de servidores sem concurso, há presunção legal de ilegitimidade dessa conduta e também de lesividade que ultrapassa a simples esfera da Administração Pública para atingir, concomitantemente, valores da coletividade, que, com razão, espera e exige dos administradores a correta gestão da coisa pública e, sobretudo, o estrito cumprimento das leis e da Constituição”, concluiu.
Leia o acórdão.
Processo relacionado: REsp 538.308
NOTA DO ESCRITÓRIO
Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCURSO PÚBLICO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS COLETIVOS. POSSIBILIDADE.
1. Trata-se, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo objetivando a condenação dos ora agravantes por ato de improbidade administrativa, consistente na contratação de servidor sem concurso público para o quadro de pessoal da Fundação Assisense de Cultura – FAC.
2. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou a sentença de procedência parcial do pedido, para anular a contratação impugnada na petição inicial e, outrossim, condenar os corréus, ora agravantes, ao pagamento de indenização a título de dano moral difuso em favor do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados.
3. As teses de prescrição da pretensão punitiva e de ilegitimidade ativa do Parquet estadual, arguidas no recurso especial, foram originalmente apreciadas na decisão monocrática de fls. 1.086/1.091, a qual foi parcialmente reformada pela Primeira Turma, tão somente para afastar o óbice da Súmula 7/STJ e, dessa forma, permitir o exame do mérito da controvérsia. Nesse diapasão, uma vez que a parte ora agravante não se insurgiu contra o sobredito decisum da Primeira Turma, é de rigor reconhecer que as referidas prejudicial e preliminar de mérito se encontram preclusas.
4. “A jurisprudência desta Corte orienta-se pela viabilidade de condenação por danos morais coletivos em sede de ação civil pública” (AREsp 1.069.543/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 2/8/2017). Nesse mesmo sentido: AgRg no REsp 1.541.563/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 16/9/2015).
5. No que concerne aos elementos caracterizadores do dano moral coletivo, este Superior Tribunal já se manifestou no sentido de que “a possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art.
5º, inciso V, da Constituição Federal, não havendo restrição da violação à esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação tem levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa” (REsp 1.397.870/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 10/12/2014).
6. “Os danos morais coletivos se configuram na própria prática ilícita, dispensam a prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, na qual é desnecessária a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo” (AgInt no AREsp 1.343.283/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJe 19/2/2020).
7. A exigência de concurso público tem por escopo não apenas assegurar os critérios de probidade e impessoalidade da Administração, nos termos do art. 37, caput, da CF/1988, mas, ainda, permitir o recrutamento dos melhores dentre os candidatos às vagas, tanto assim que o descumprimento dessa diretriz está sujeito à nulidade, nos termos dos arts. 3º e 4º, I, da Lei da Ação Popular.
8. Nesse diapasão, evidencia-se que o ato ímprobo em tela efetivamente importou em abalo à confiança depositada pela comunidade local na Administração Pública do Município de Assis/SP.
Com efeito, havendo contratação de servidores sem concurso, há presunção legal de ilegitimidade dessa conduta e também de lesividade que ultrapassa a simples esfera da Administração Pública para atingir, concomitantemente, valores da coletividade, que, com razão, espera e exige dos administradores a correta gestão da coisa pública e, sobretudo, o estrito cumprimento das leis e da Constituição.
9. Agravo interno não provido. (STJ – 1ªT – AgInt no AREsp 538.308/SP, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, julgado em 31/08/2020, DJe 04/09/2020)