O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve Ismael Edson Boiani no cargo de prefeito de Iacanga (SP). O Plenário reverteu decisão tomada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) que havia indeferido o registro do candidato eleito em 2016. Por maioria de votos, os ministros acolheram o recurso apresentado por Boiani ao TSE.
Segundo o TRE de São Paulo, Ismael Boiani, na condição de prefeito, teve suas contas de governo do exercício de 2011 rejeitadas por não utilizar o percentual mínimo obrigatório de 95% da verba do Fundo de Manutenção Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). As duas irregularidades apontadas foram a aplicação de sobras de recursos do Fundeb de 2010 em 2011, no valor de R$ 32 mil, e a compra de um ônibus com 54 lugares, no valor de R$ 80 mil, para o transporte de alunos do ensino básico, médio, técnico e superior até a cidade de Bauru (SP).
No entanto, a maioria do Plenário do TSE entendeu que não houve ato de improbidade administrativa nem dolo na aplicação dos recursos do Fundeb por Ismael Boiani, sendo as irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP) de caráter sanável, ou seja, que poderiam ser corrigidas. Assim, de acordo com o colegiado do TSE, elas não seriam capazes de afastar do cargo o candidato eleito.
Voto-vista
A tese que conduziu o resultado do julgamento foi do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que apresentou voto-vista na manhã de hoje. Ao abrir a divergência, ele afirmou que não está presente, no caso, nenhum dos elementos capazes de levar ao indeferimento do registro da candidatura, uma vez que o prefeito aplicou 97% dos recursos do Fundeb na educação básica em 2011, e esse percentual teria caído para 94,53% (uma diferença de 0,47% em relação aos 95%, o mínimo exigido), porque o Tribunal de Contas afastou duas despesas efetuadas pelo prefeito na área de educação com as verbas do Fundo.
Para o ministro Barroso, os itens assinalados não são irregularidades insanáveis nem revelam a prática de ato doloso de improbidade administrativa por parte do prefeito. Ele destacou que houve, ainda, a aplicação efetiva de recursos do Fundeb na educação, tanto com relação às sobras de campanha quanto no tocante à compra de um ônibus um pouco maior para atender aos alunos, inclusive de outros níveis educacionais.
O ministro destacou, também, a economia de recursos por parte do administrador na compra do ônibus e informou que o prefeito foi inocentado em uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que o acusava justamente de prática de improbidade. Nesse aspecto, ele ressaltou a importância de equilibrar a necessidade de reprimir a improbidade sem intimidar os administradores corretos.
“É competência dessa Justiça especializada verificar a ocorrência, em tese, de ato de improbidade administrativa praticado com dolo, ainda que genérico, e com todas as vênias eu entendo que esse requisito não está configurado no caso”, disse Barroso, ao ser acompanhado pela maioria, ficando vencidos o relator, ministro Edson Fachin, e o ministro Sérgio Banhos, que votaram para manter a decisão do tribunal regional.
Apesar de ter negado o recurso, o relator havia concedido ação cautelar para que Boiani pudesse ser reconduzido à Prefeitura até o julgamento definitivo do seu recurso pelo Plenário da Corte.
Processo relacionado: Respe 25092 (PJe)
NOTA DO ESCRITÓRIO
Em acréscimo trazemos matéria do portal Consultor Jurídico – ConJur sobre o julgamento:
“Uso irregular do Fundeb para investir em educação não gera inelegibilidade, diz TSE
Inconsistências meramente formais e irregularidades que contemplem uma compreensão razoável da obrigação imposta ao gestor público não são suficientes para fazer incidir a punição de inelegibilidade por rejeição às contas relativas ao exercício de função pública, como dispõe a Lei da Ficha Limpa. Inclusive quando referentes ao uso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral deu provimento a recurso especial eleitoral interposto pelo prefeito de Iacanga (SP), Ismael Edson Boiani (PSDB), que foi eleito em 2016, mas acabou cassado depois de ter o registro da candidatura indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral paulista, em maio de 2020.
Na ocasião, o TRE-SP se baseou em rejeição das contas pelo Tribunal de Contas paulista porque, quando era prefeito da cidade em gestão anterior, em 2011, Boiani não usou o percentual mínimo obrigatório de 95% da verba do Fundeb.
Assim, foi enquadrado no inciso I do artigo 1º da Lei Complementar 64/1990, alínea “g”. O trecho, incluído pela Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), indica que os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa estarão inelegíveis pelos oito anos seguintes.
Apesar disso, Boiani seguia no cargo graças a liminar do presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu efeito suspensivo à decisão em julho.
O julgamento foi retomado nesta quinta-feira (24/9) com leitura de voto-vista do próprio Barroso, que divergiu do relator, ministro Luiz Edson Fachin, para dar provimento ao recurso do prefeito, e foi seguido por maioria.
Falha formal e economicidade
O prefeito de Iacanga, em 2011, não aplicou o percentual mínimo de 95% do Fundeb. Em vez disso, usou 94,53%, constatados após duas glosas feitas pelo Tribunal de Contas de São Paulo, que identificou que o prefeito incluiu sobra de recursos de 2010 no orçamento de 2011, que, portanto, não poderia ser computado no percentual.
O prefeito também usou parte da verba para adquirir ônibus para transportar estudantes não apenas do ensino fundamental — o que admitiria uso de verba do Fundeb —, mas também dos ensinos médio, técnico e universitário.
“Conclui-se que na hipótese as contas do gestor foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas em razão de irregularidades da aplicação de verbas do Fundeb que efetivamente foram investigadas em benefício da educação. Não cabe à Justiça Eleitoral rever a fixação da irregularidade contábil. Porém tem a competência de aferir a ocorrência, em tese, de ato de improbidade praticado com dolo, ainda que genérico”, disse o ministro Barroso.
Com ele, a maioria dos ministros entendeu que não estão configurados os requisitos para reconhecimento da inelegibilidade. Houve falha contábil de pequena monta e uso de verbas sem destinação legal, mas que foram devidamente aplicadas na educação. “A toda evidência, não houve prejuízos para os alunos da educação básica. Houve até economicidade”, disse o presidente.
Fundeb tem destinação certa
Ficaram vencidos o relator, ministro Luiz Edson Fachin, e o ministro Sergio Banhos, que votaram por negar provimento ao recurso do prefeito e, assim, manter a inelegibilidade. O relator destacou que ninguém almeja punir quem na verdade não agiu com dolo, mas que os fundos do Fundeb não podem nem devem ser flexibilizados.
“É um problema que tem uma seriedade imensa. Se for assim, poderemos, com os recursos do Fundeb, pagar professor, comprar insumos educacionais e usar a verba em outros turnos que não a da educação básica”, destacou o ministro Fachin.
Ele ainda exemplificou: se por um lado a compra do ônibus para transportar uma parcela maior de estudantes de uma só vez emprega os recursos em favor dos mesmos, por outro pode ser contraposta pelo fato de que beneficia pessoas que já estavam em idade de votar e, assim, ajudar o prefeito que flexibilizou a verba da educação básica. “Ele pode conduzir a um caminho ou a outro”, disse.
Interpretação da Lei da Ficha Limpa
“Esse caso demonstra que não é razoável que a rejeição de contas acabe sempre acarretando a inelegibilidade”, concordou o ministro Alexandre de Moraes. Ele afirmou que, em que pesem os grandes avanços da Lei da Ficha Limpa, há necessidade de interpretação sistemática que adeque todo o sistema existente antes dela e o que passou a existir depois da mesma.
“Como consequência gravíssima, a lei trouxe uma confusão que já existia, mas foi potencializada: o que é improbidade administrativa e o que é incompetência, falha, erro administrativo ou mesmo algumas ilegalidades — mas não as chamadas ilegalidades qualificadas”, explicou.
Para o ministro Barroso, se de um lado houve uma quantidade impressionante de atos ímprobos que levaram ao agravamento da repressão pela lei, por outro isso gerou temor dos administradores íntegros de tomarem decisões, muitas vezes intimidados pelo risco de eventual atuação rigorosa no julgamento das ações.
“Estamos aqui em busca de um equilíbrio. Precisamos de probidade de administradores decentes, mas que tenham coragem de inovar, ousar e fazer coisas importante sem medo de serem glosados”, destacou.
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