Trata-se de consulta formulada por prefeito municipal, nos seguintes termos:
“Qual a orientação do TCE-MG no que tange ao afastamento da vedação do art. 42 com a inclusão do inciso II ao § 1º do art. 65, ambos da LRF, por meio da Lei Complementar 173, de 2020, considerando a situação de calamidade pública reconhecida?; Qual o posicionamento do TCE-MG acerca da distribuição de benefício para fomentar a economia local, ante a situação de calamidade pública, tendo em vista a exceção à vedação eleitoral prevista no art. 73, § 10 da Lei n. 9.504, de 1997?; O TCE-MG entende que o termo combate à calamidade pública previsto no final do inciso II do § 1º do art. 65 da LRF, afastando a vedação do art. 42 da LRF, refere-se apenas às ações na área da Saúde ou abrange ações de fomento à economia?”
Admitida a consulta, o relator, conselheiro Cláudio Couto Terrão, registrou, de início, que a Lei Complementar 173/20, estabeleceu, exclusivamente para o exercício financeiro de 2020, o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), destinado a regulamentar as finanças públicas durante o período de pandemia, inclusive com a flexibilização do regime fiscal ordinário, bem como medidas de austeridade para a contenção do aumento da despesa pública, com destaque para os gastos com pessoal. Acrescentou que o art. 7º alterou o texto permanente da Lei Complementar n. 101/00, e que o primeiro e o terceiro questionamentos faziam referência ao inciso II do § 1º, acrescentado ao art. 65 da LRF, segundo o qual, no caso de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, enquanto perdurasse a situação, ficariam afastadas as vedações previstas no art. 42, desde que os recursos arrecadados fossem destinados ao combate à situação de excepcionalidade. Esclareceu que o art. 42, por sua vez, veda a contração, nos dois últimos quadrimestres do mandato dos gestores, de despesas que não sejam cumpridas no próprio exercício ou no exercício seguinte sem a correspondente disponibilidade financeira.
Considerou, então, respondida a primeira questão e a respeito da dúvida levantada na terceira indagação, qual seja, quais ações estariam contempladas na destinação ao combate à calamidade pública para fins de afastamento da vedação do art. 42 da LRF, afirmou que, nesse ponto, o texto incluído é abstrato. Para o relator, em que pese tal abstração, é possível extrair com clareza a sua extensão a partir do contexto fático e normativo atual, a exemplo do Decreto Legislativo n. 6, de 20/03/20, editado pelo Congresso Nacional, reconhecendo a ocorrência de estado de calamidade pública com efeitos até 31/12/20, em virtude da emergência de saúde pública devido ao Covid-19, sobrevindo uma série de atos normativos destinados a regulamentar a atuação estatal durante o período de anormalidade. Dentre os citados atos normativos, destacou a Emenda Constitucional n. 106, de 07/05/20, que instituiu regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para a União, com o propósito de enfrentar o contexto de calamidade e de seus efeitos sociais e econômicos (art. 2º), restando evidenciado que as medidas de combate alcançam também as inevitáveis consequências colaterais da pandemia em outras áreas, como assistência social e auxílio aos setores produtivos e de serviços, essenciais à sustentação da economia nacional. Nessa mesma linha de raciocínio, citou o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, o Auxílio Emergencial, o Programa Emergencial de Acesso a Crédito, as ações emergenciais destinadas ao setor cultural, as medidas emergenciais para a aviação civil, dentre outros, sem ligação direta com as ações de saúde. Salientou que a própria Lei Complementar 173/20 prevê a entrega pela União de auxílio financeiro aos Estados, Distrito Federal e municípios, distinguindo os valores destinados exclusivamente às ações de saúde e assistência social (art. 5º, I) dos que não têm vinculação estrita (art. 5º, II). Dessa maneira, respondeu ao terceiro questionamento trazido pelo consulente.
Por fim, acerca da distribuição de benefício para fomento da economia local em situação de calamidade pública em face do disposto no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, verificou que esta lei, que estabelece normas para as eleições, a fim de resguardar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, proíbe, no ano em que se realizar eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública e estado de emergência. Analisando a questão dentro da atribuição deste Tribunal de Contas, resguardando a jurisdição eleitoral na parte que lhe toca, observou, da leitura combinada do inciso IV do caput e do § 10 do referido art. 73, que a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios vedada tem caráter assistencial, razão pela qual a regra não se aplicaria, a priori, às ações de fomento à economia local, a menos que contemplassem iniciativas dessa natureza. De todo modo, ressaltou que texto do § 10 é explícito em ressalvar da sua vedação a situação de calamidade reconhecida pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 06/20, assim, podem ser afastadas as proibições para a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios nos termos do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, vedado, em qualquer hipótese, o uso promocional das ações assistenciais adotadas durante o enfrentamento da pandemia, com o objetivo de angariar capital político, devendo ainda, ser resguardada a possibilidade de acompanhamento da execução financeira e administrativa pelo Ministério Público.
Em face do exposto, respondeu aos questionamentos da seguinte maneira:
1) estando decretada situação de calamidade pública no âmbito dos municípios, reconhecida pelo Congresso Nacional, fica afastada a vedação do art. 42 da Lei Complementar n. 101/00, desde que as despesas sejam destinadas ao combate ao mencionado estado de calamidade, exclusivamente enquanto perdurar a situação excepcional;
2) o excepcional afastamento das limitações do art. 42 da Lei Complementar n. 101/00, previsto no novo art. 65, § 1º, II, da mesma lei, pode ser aplicado para a adoção de ações de fomento à economia local, desde que haja regular justificativa, em que esteja demonstrada a relação dessa atuação com a mitigação dos efeitos econômicos, sociais e financeiros advindos da pandemia decorrente do coronavírus;
3) a leitura combinada do inciso IV do caput e do § 10, ambos do art. 73 da Lei n. 9.504/97, induz à interpretação segundo a qual a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios vedada em ano eleitoral tem caráter assistencial, razão pela qual a regra não se aplica, a priori, às ações de fomento à economia local, a menos que contemplem iniciativas dessa natureza;
4) as proibições do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 podem ser afastadas em caso de calamidade pública, desde que devidamente reconhecido pelos meios próprios e resguardada a possibilidade de acompanhamento da execução financeira e administrativa pelo Ministério Público, vedado, em qualquer hipótese, o uso promocional das ações assistenciais adotadas durante o enfrentamento da pandemia.
O voto do conselheiro relator foi aprovado por unanimidade pelo Tribunal Pleno. (Consulta n. 1092501, Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão, 04.11.2020).