Como medida de combate aos efeitos negativos decorrentes da pandemia de COVID-19, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional (EC) 106/2020 que instituiu o “regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia”.
Nessa EC, há a previsão de uma autorização destinada a todos os entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) para a flexibilização das limitações legais relativas às ações governamentais que, não implicando despesas permanentes, acarretem aumento de despesa.
Como se constata da leitura do art. 3º da EC 106/2020, os pressupostos para que determinada despesa esteja desobrigada das limitações fiscais ordinárias, entre as quais aquelas previstas no art. 22 da LRF, são a exclusividade (a despesa deve ter como único propósito o enfrentamento da calamidade pública e suas consequências sociais e econômicas) e a temporariedade (a despesa deve ser necessariamente transitória e com vigência restrita ao período da calamidade pública).
Nesse contexto, medida que acarrete a execução de gastos públicos continuados, como a contratação e aumento remuneratório e concessão de vantagens a servidores da área da saúde, não encontra fundamento constitucional, nem mesmo no regime fiscal extraordinário estabelecido pela EC 106/2020.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo governador do Estado do Acre, mediante a qual requer seja conferida interpretação conforme a Constituição aos arts. 19, 20, 21, 22 e 23 da LRF, de modo a afastar as limitações de despesa com pessoal, contratação, aumento remuneratório e concessão de vantagens aos servidores da área da saúde.
Na ação, o governador pedia a aplicação de interpretação conforme a Constituição aos artigos 19, 20, 21, 22 e 23 da LRF. Os ministros votaram pela improcedência do pedido em relação ao art. 22 e, sobre os demais artigos, a ação não foi conhecida.
Processo relacionado: ADI 6394/AC
NOTA DO ESCRITÓRIO
Vejamos a ementa do acórdão:
CONSTITUCIONAL E FINANCEIRO. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LC 101/2000). ARTS. 19, 20, 21, 22 E 23. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DE DISPOSITIVO IMPUGNADO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO. PEDIDO DE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PANDEMIA CAUSADA PELA COVID-19. AFASTAMENTO DE LIMITAÇÕES DE DESPESA COM PESSOAL, CONTRATAÇÃO, AUMENTO REMUNERATÓRIO E CONCESSÃO DE VANTAGENS A SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DA SAÚDE. DESPESAS DE CARÁTER CONTINUADO. EMENDA CONSTITUCIONAL 106/2020. IMPOSSIBILIDADE. CONHECIMENTO PARCIAL. IMPROCEDÊNCIA.
1. À falta de apresentação de razões específicas, não pode a ação ser conhecida quanto ao pedido de interpretação conforme à Constituição dos arts. 19 e 20 da LRF, pois, segundo a jurisprudência desta SUPREMA CORTE, o déficit de impugnação específica inviabiliza os pedidos veiculados em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Precedentes.
2. Ausente pedido de aditamento, a alteração substancial do art. 21 da LRF pela Lei Complementar 173/2020, que estabeleceu o “Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19)”, prejudica a análise do pedido em relação ao dispositivo.
3. Suspensos os efeitos do art. 23 da LRF em razão do reconhecimento de calamidade pública (Decreto Legislativo 6/2020), o requerente carece de interesse para obter, mediante interpretação conforme à Constituição, flexibilização já alcançada em razão do acionamento do art. 65 da LRF.
4. Aplicável a todos os entes federativos, o art. 3º da EC 106/2020 possibilita a flexibilização de limitações legais relacionadas à expansão de ações governamentais de enfrentamento à calamidade e suas consequências sociais e econômicas que, não implicando despesas permanentes, acarretem aumento de despesa. Precedente: ADI 6357 MC-Ref, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, j. em 13/5/2020 (acórdão pendente de publicação).
5. O pretendido afastamento de limitações de despesa com pessoal, contratação, aumento remuneratório e concessão de vantagens possui caráter permanente e continuado, razão pela qual não encontra fundamento no regime extraordinário fiscal instituído pela Emenda Constitucional 106, de 7 de maio de 2020.
6. Ação Direta de Inconstitucionalidade parcialmente conhecida e julgada improcedente. (STF – ADI 6394, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-285 DIVULG 02-12-2020 PUBLIC 03-12-2020)