TRF3 confirma pensão por morte a mulher divorciada que continuou morando com o ex-marido

A Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou o direito de uma mulher divorciada receber a pensão por morte relativa ao falecimento do ex-marido. Ela comprovou que, mesmo após 30 anos de casamento, o casal nunca deixou de conviver maritalmente, inclusive no mesmo endereço, na cidade de Marília/SP.

A certidão de casamento com a averbação do divórcio mostrou que eles se casaram em 1974 e se divorciaram em 2014. Outros documentos demonstraram o domicílio em comum, como comprovantes de endereço e fichas médicas do falecido. Os dois filhos do casal e outras testemunhas confirmaram que eles nunca se separaram de fato.

As testemunhas relataram que o homem ficou doente logo após o divórcio e que a mulher cuidou dele até a morte, em 2015. Confirmaram, também, que ela não tinha renda e dependia do segurado, que já estava aposentado, e que, após o falecimento, passou a ser sustentada pelo genro.

A sentença havia reconhecido a união estável e o direito à pensão por morte, mas o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu da decisão com o objetivo de “afastar o caráter vitalício do benefício”.

No TRF3, o desembargador federal Carlos Delgado, relator do acórdão, considerou as provas convincentes de que o casal convivia como marido e mulher, em união pública e duradoura, até a época do óbito, “sendo a autora presente até os últimos dias de vida do falecido, não havendo nos autos quaisquer outros elementos que indicassem a separação de fato do casal”.

O magistrado explicou que a Lei nº 13.135/2015 visou impedir que núpcias contraídas próximo à época da morte perpetuassem o benefício previdenciário a quem, na verdade, não detinha fortes laços de afetividade com segurado. No entanto, segundo o relator, este não é o caso.

“Não se trata de pessoa que se aproximou do falecido apenas para simular uma condição de afetividade que lhe assegurasse a fruição indevida da pensão por morte. Trata-se da ex-cônjuge do de cujus, com a qual ele teve dois filhos em comum e um relacionamento longevo por mais de três décadas que perdurou até a época do passamento”, declarou.

Assim, a Sétima Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do INSS e confirmou o direito da autora ao benefício.

Apelação Cível nº 0000724-23.2016.4.03.6111

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em complemento a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 16, II e 74 A 79 DA LEI N.º 8.213/91. EX-CÔNJUGE. SEPARAÇÃO E POSTERIOR RECONCILIAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. INDÍCIO MATERIAL CORROBORADO POR PROVA ORAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. LIMITAÇÃO DO PRAZO DE FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL DA NORMA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 5º DA LINDB (DECRETO-LEI 4657/42). APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA RETIFICADOS DE OFÍCIO. 
1 – A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 16, III e 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não.
2 – O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
3 – A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época dos óbitos, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes: “I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.”
4 – O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: “Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal”. Por sua vez, o Decreto nº 3.048/99, no seu art. 16, § 6º, com a redação vigente à época do óbito, considera união estável “aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1º do art. 1.723 do Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002”.
5 – Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.
6 – O evento morte do Sr. Bento dos Santos Albanes, ocorrido em 19/07/2015, restou comprovado com a certidão de óbito. O preenchimento do requisito relativo à qualidade de segurado do de cujus restou incontroverso, eis que ele usufruía do benefício de aposentadoria por idade na época do passamento (NB 166.834.789-7), conforme o extrato do CNIS anexado aos autos.
7 – A celeuma, portanto, diz respeito à alegada união estável entre a autora e o de cujus.
8 – Segundo a narrativa delineada na petição inicial, a autora contraiu núpcias com o falecido em 25/05/1974 e, embora tenham se divorciado posteriormente, em 30/06/2014, jamais deixaram de conviver maritalmente como marido e mulher.
9 – Para a comprovação do alegado, foram coligidos aos autos, dentre outros, os seguintes documentos: a) certidão de casamento entre a autora e o de cujus, celebrado em 25/05/1974, com averbação de divórcio ocorrido em 30/06/2014; b) contas em nome da autora, referentes aos meses de fevereiro e maio de 2015, enviadas ao mesmo endereço declarado como residência do falecido na certidão de óbito – Rua Hércules Galetti, 382, apartamento 301, bairro Jardim Califórnia, Marília – SP; c) fichas médicas do falecido, preenchidas em 21/03/2015 e 30/09/2014, na qual consta que ele residia no mesmo domicílio da demandante; d) declarações dos filhos do casal, Cintia e Rodrigo, de que o de cujus e a demandante nunca se separaram de fato até a época do passamento.
10 – Constitui início razoável de prova material apenas os documentos de a) a c), devidamente corroborados por idônea e segura prova coletada em audiência realizada em 29/08/2016, na qual foram ouvidas a demandante e duas testemunhas.
11 – Os relatos são convincentes no sentido de que a Srª. Alice e o Sr. Bento conviviam como marido e mulher, em união pública e duradoura, com o intuito de formarem família, até a época do óbito, sendo a autora presente até os últimos dias de vida do falecido, não havendo nos autos quaisquer outros elementos que indiquem a separação de fato do casal.
12 – Portanto, é possível concluir, pela dilação probatória e demais documentos juntados, mormente pela prova oral, com fundamento nas máximas de experiência, conforme disciplina o artigo 375, do Código de Processo Civil, que a autora e o falecido, embora tivessem extinguido formalmente o vínculo conjugal em 30/06/2014, jamais se separaram de fato ou deixaram de se apresentarem publicamente como marido e mulher.
13 – Diante disso, havendo nos autos elementos de convicção que comprovam a união estável e duradoura entre a demandante e o de cujus, a dependência econômica é presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, e só cederia mediante a produção de robusta prova em contrário, o que não se observa no caso.
14 – Em decorrência, preenchidos os requisitos, o deferimento do benefício de pensão por morte à demandante é medida que se impõe.
15 – A mudança do artigo 77, introduzida pela Medida Provisória n. 664/14, posteriormente convertida na Lei n. 13.135/2015, visou impedir que núpcias contraídas próximo à época do passamento, com a finalidade exclusiva de superar o obstáculo da condição de dependência, lograssem perpetuar o pagamento do benefício previdenciário a quem, na verdade, não detinha fortes laços de afetividade com segurado instituidor.
16 – O reconhecimento do caráter vitalício do beneplácito no caso vertente, por óbvio, não viola o fim social das inovações introduzidas pela Lei n. 13.135/2015. A prova documental, corroborada pelos depoimentos das testemunhas, demonstrou que o vínculo conjugal entre a autora e o falecido, iniciado em 25/05/1974, embora tenha sido extinto formalmente em 30/06/2014, não foi rompido de fato até a data do óbito, ocorrido em 19/07/2015.
17 – Por outro lado, não se trata de pessoa que se aproximou do falecido apenas para simular uma condição de afetividade que lhe assegurasse a fruição indevida da pensão por morte. Trata-se da ex-cônjuge do de cujus, com a qual ele teve dois filhos em comum e um relacionamento longevo por mais de três décadas que perdurou até a época do passamento.
18 – Diante deste contexto fático, inviável acolher o pleito autárquico de modulação do período de gozo do benefício, nos termos 77, §2º, inciso V, alínea b, da Lei n. 8.213/91. Precedente.
19 – Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
20 – Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 
21 – Apelação do INSS desprovida. Correção monetária e juros de mora retificados de ofício. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv nº 0000724-23.2016.4.03.6111, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 22/10/2020, e-DJF3 Judicial de 28/10/2020)
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