É possível a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica no âmbito municipal, inclusive por meio de inexigibilidade de licitação, entende TCE-MG

Trata-se de consulta formulada por presidente da Câmara Municipal, indagando se a Câmara pode contratar, por licitação, serviços advocatícios especializados para assessorar processo licitatório de contratação de agência para promover publicidade de orientação social e de caráter informativo e institucional.

 

Em sede de preliminar, a Consulta foi conhecida, nos termos do voto do Relator, Conselheiro Cláudio Couto Terrão, ficando vencidos os Conselheiros Gilberto Diniz e Wanderley Ávila, que votaram pela inadmissão da consulta.

No mérito, o Relator destacou, com fulcro no prejulgamento de tese fixado na Consulta n. 887769, que a regra é a atribuição das atividades jurídicas a servidores de carreira, investidos mediante concurso público (ver, também, Consultas n. 684672, 708580, 735385, 765192 e 873919).

Nada obstante, a relatoria ressalvou que, desde a conclusão dessas deliberações, muitas alterações ocorreram na realidade da Administração Pública, com o aprofundamento do processo de desconcentração e descentralização das funções estatais. Nessa contextura, salientou que as Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017inovaram, substancialmente, a sistemática da terceirização, até então disciplinada pela Lei n. 6.019/1974, e deram amparo legal à transferência pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Em seguida, o Relator asseverou que este Tribunal, em sede de deliberação da Consulta n. 1024677, reconheceu que, com a novel normatização, restou superada a ideia de que a terceirização se pauta pelas noções de atividade-fim ou atividade-meio, ou mesmo de atividades “materiais acessórias, instrumentais ou complementares”. Sendo assim, é possível a terceirização de todas as atividades, no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, que não detenham natureza típica de Estado e que não reflitam o seu poder de império, para as quais segue prevalecendo a regra do concurso público, estabelecida no art. 37, II, da Constituição da República. Tal prejulgamento de tese, com caráter normativo, foi reforçado na Consulta n. 1040717.

Com efeito, em face das disposições da Lei n. 6.019/1974, com as alterações conferidas pelas Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017, do Decreto Federal n. 9.507/2018, por aplicação analógica, e, notadamente, do parecer emitido na Consulta n. 1024677, a relatoria considerou que não há impedimento, a priori, para a execução indireta do serviço de assessoramento jurídico no âmbito municipal, desde que as atividades contratadas não caracterizem manifestação do poder de império estatal, estando vedada para as funções que: a) envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; b) sejam consideradas estratégicas para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; c) estejam relacionadas ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; d) sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Uma vez admitida, em abstrato, a possibilidade de execução indireta dos serviços de assessoria jurídica no âmbito municipal, inclusive para orientação quanto à contratação de agência para promoção de publicidade de orientação social e de caráter informativo e social, desde que as atividades contratadas não caracterizem manifestação do poder de império estatal, nos moldes delineados no art. 3º do Decreto Federal n. 9.507/2018, o Relator alteou que, caso a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica seja compatível com os paradigmas discriminados no caput e no inciso XXI do art. 37 da Constituição da República, a deflagração de procedimento licitatório para a contratação é a primeira opção a ser considerada pelo gestor.

Ressalvou, todavia, que o próprio texto constitucional contempla a possibilidade de a legislação prever ressalvas, que consistem, basicamente, nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, delineadas nos arts. 17, 24 e 25 da Lei n. 8.666/1993, situações em que, segundo a avaliação em abstrato do legislador, a contratação direta sem competição atenderia em maior escala o interesse público. Afinal, não há que se considerar a licitação como um fim em si mesma, senão como um instrumento destinado a selecionar a proposta que melhor atende aos princípios do caput do art. 37 da Constituição no momento das contratações públicas.

Nesse diapasão, a relatoria destacou que o inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, que cuida de situações em que as circunstâncias fáticas inviabilizam a competição, preceitua a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 da aludida Lei, de natureza singular, com profissionais de notória especialização.

À vista da indeterminação dos conceitos legais, esta Corte de Contas foi instada inúmeras vezes a se manifestar acerca da caracterização dos elementos nucleares desse dispositivo, quais sejam a notória especialização dos profissionais e a singularidade do objeto, tendo sua jurisprudência há muito se assentado quanto à ausência desta última quando os serviços pretendidos constituam atividades de menor complexidade ou próprias da rotina administrativa, consoante entendimento firmado na Consulta n. 746716, com remissões ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 684973, e sumulado no Enunciado n. 106, nos seguintes termos:

Nas contratações de serviços técnicos celebradas pela Administração com fundamento no artigo 25, inciso II, combinado com o art. 13 da Lei n. 8.666/1993, é indispensável a comprovação tanto da notória especialização dos profissionais ou empresas contratadas como da singularidade dos serviços a serem prestados, os quais, por sua especificidade, diferem dos que, habitualmente, são afetos à Administração.

O Relator, entretanto, propôs um avanço na análise da singularidade que justifica a contratação pública direta, em virtude da inexigibilidade de licitação, asseverando que o que qualifica o serviço como singular não é a habitualidade por sua demanda dentro da rotina administrativa ou a sua complexidade, abstratamente considerada, ou não apenas isso, mas sim o aspecto subjetivo da prestação do serviço, avaliado sob a ótica do prestador, que envolve a metodologia empregada, a experiência específica, o elemento criativo, o traço pessoal do profissional, que agregam às atividades qualidades que as tornam distintas de todas as outras disponíveis no mercado.

Assim, é possível que existam tantos outros potenciais prestadores do serviço, mas que aspectos subjetivos, relacionados aos meios empregados, indiquem apenas um deles como apto a atender à necessidade pública.

Ressaltou, ainda, que essa evolução quanto à caracterização da singularidade do objeto para fins de inexigibilidade de licitação, bem como a inviabilidade de competição em razão dos aspectos subjetivos já vêm sendo reconhecidas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme decisão exarada na Ação Penal n. 348/SC, sob a relatoria do Ministro Eros Grau.

De igual modo, o Tribunal de Contas da União também segue tal linha argumentativa, consoante decisão proferida nos autos do Processo n. TC 017.110/2015-7 (Acórdão n. 2616/2015), de relatoria do Ministro Benjamin Zymler.

Nesses termos, o Relator destacou que a caracterização da hipótese de inexigibilidade calcada no inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, em especial no que concerne ao elemento da singularidade, não deve estar adstrita à ausência de habitualidade dos serviços, como exposto na Súmula n. 106, tendo em vista que a singularidade se faz presente quando, na escolha do prestador de serviços mais apto para o alcance das finalidades, incidem critérios preponderantemente subjetivos, tornando inviável a competição.

Destarte, a relatoria asseverou ser possível também a contratação direta por inexigibilidade de licitação dos serviços de assessoria jurídica, porquanto serviço técnico especializado previsto no art. 13 da Lei n. 8.666/1993, desde que comprovadas no caso concreto, por meio do procedimento de justificação descrito no art. 26 da mesma norma, a notória especialização do prestador e a singularidade do objeto, assim considerado aquele que exige, na seleção do melhor executor, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

Nessa contextura, o Relator respondeu ao questionamento formulado pelo consulente, nos seguintes termos:

1) é possível a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica no âmbito municipal, desde que as atividades contratadas não caracterizem manifestação do poder de império estatal, estando vedada para as funções que:

a) envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;

b) sejam consideradas estratégicas para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;

c) estejam relacionadas ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção;

d) sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal;

2) a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica compatível com os paradigmas legais deve observar a regra definida no art. 37, XXI, da Constituição da República, ou seja, contratação mediante a realização de procedimento licitatório;

3) é possível, porém, a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, dos serviços de assessoria jurídica quando caracterizados como serviço técnico especializado previsto no art. 13 da Lei n. 8.666/1993, desde que comprovadas no caso concreto, por meio do procedimento de justificação descrito no art. 26 da mesma norma, a notória especialização do prestador e a singularidade do objeto, assim considerado aquele que exige, na seleção do melhor executor, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

O Tribunal Pleno, por maioria, aprovou o voto do Relator, restando vencido, em parte, o Conselheiro Gilberto Diniz, que se limitou a responder objetivamente à indagação do consulente, ou seja, que a Câmara pode contratar, por licitação, serviços advocatícios especializados para assessorar processo licitatório de contratação de agência para promover publicidade de orientação social e de caráter informativo e institucional, se esse for o caso.

Por fim, destaca-se que a resposta dada à presente Consulta resultou na revogação da tese estabelecida nas Consultas n. 684672, 708580, 735385, 765192, 873919 e 888126, porquanto incompatíveis com os itens 1 e 2 do parecer.

[Processo n. 1076932 – Consulta. Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão, Pleno, deliberado em 3.2.2021]

Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Autor: Informativo de Jurisprudência nº 224
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