Em Denúncia recebida pela Ouvidoria do TCM-GO foram relatadas supostas irregularidades no cálculo do adicional por tempo de serviço (quinquênio) pago aos servidores públicos no Município de Caldas Novas.
De acordo com a denunciante seu pedido de aposentadoria foi suspenso em virtude de haver sido constatado que o cálculo do quinquênio estaria em desconformidade com o disposto no inciso XIV do art. 37 da CF/88.
O Relator concordou com o entendimento do Ministério Público de Contas, já que foi, de fato, constatada irregularidade no pagamento do adicional de tempo de serviço aos servidores municipais, diante da utilização de outras vantagens pecuniárias além do vencimento para a formação da base de cálculo.
Divergindo do posicionamento da Secretaria de Atos de Pessoal, entendeu pela não aplicação de multas aos responsáveis, com fundamento no art. 28 da LINDB, por não ter sido demonstrado o nexo de causalidade entre a ilicitude verificada e a atuação dos gestores que pudesse configurar a prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo e antieconômico. Considerou não ter havido erro grosseiro ou dolo na atuação do Prefeito e do Gestor Executivo, na medida em que não era razoável exigir – um na condição de ocupante do topo da pirâmide hierárquica do Executivo Municipal e o outro pela função exercida – que eles “atuassem na gestão de pessoas a ponto de corrigir a forma de cálculo de vantagens pecuniárias pagas a servidores, tema de cunha bastante peculiar, técnico e específico”.
Diante do exposto, o TCMGO julgou procedente a Denúncia e determinou ao atual Prefeito de Caldas Novas, salvo decisão judicial em sentido contrário, que:
(a) altere o cálculo do adicional por tempo de serviço (quinquênio) dos servidores, utilizando como base de cálculo apenas o valor do vencimento base previsto em lei, ou seja, não inclua na base de cálculo do benefício nenhuma outra vantagem, inclusive a estabilidade econômica;
(b) autue procedimento administrativo para: apurar os valores pagos indevidamente aos servidores, decorrentes do cálculo irregular do quinquênio, e identificar os responsáveis pelos cálculos e pagamentos indevidos, com a devida adoção de medidas para a devolução dos valores pagos irregularmente, e, também, eventuais responsabilizações, oportunizando aos interessados direito ao contraditório e ampla defesa, com base na SV nº 03, e
(c) o encaminhamento ao MPE da cópia integral dos autos para conhecimento e providências cabíveis, nos termos do inciso XI do art. 71 da CF/88.
O Voto foi aprovado por unanimidade o Acórdão nº 00706/21. Processo nº 18140/18, Rel. Cons. Valcenôr Braz, 10/2/21.
NOTA DO ESCRITÓRIO
Destacamos os fundamentos da exclusão de responsabilidade do prefeito afastando a famigerada culpa in vigilando, que em muitos casos se aproxima da responsabilidade objetiva dos gestores. A começar pela própria Procuradoria de Contas:
“2.1 Exclusão da responsabilidade do senhor Evando Magal Abadia Correia Silva, Prefeito Municipal, sugerida no Certificado em análise
Primeiro, com a devida venia ao entendimento da Especializada, entendo que merece ser excluída a responsabilização para fins de aplicação de multa do senhor Evando Magal Abadia Correia Silva, CPF 521.413.141-00, Prefeito Municipal, sugerida no Certificado em análise6.
Isso porque, ao contrário do que afirma a Secretaria Especializada no sobredito Certificado, esta Procuradoria entende que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a ilicitude apontada – a saber, “o pagamento do adicional de tempo de serviço (quinquênio) aos servidores do município em desacordo com os ditames legais” – e a atuação desse senhor, na medida em que, na condição de Chefe do Poder Executivo do Município, não se lhe podia exigir: (a) o dever de zelar “para que a forma de cálculo das vantagens pecuniárias obedeça aos ditames legais” e (b) nem muito menos que verificasse os pormenores do cotidiano da gestão de pessoal do Executivo Municipal – máxime por se tratar de uma área repleta de particularidades e que demandaria um conhecimento técnico e específico do agente público para ele poder atuar na mesma.
Com a devida vênia, a posição da Secretaria, ao propor a aplicação de multa ao senhor em tela, parece claramente desarrazoada, porquanto torna a função política de Prefeito Municipal virtualmente inexequível pelo cidadão comum. Evidentemente, essa consequência não é desejada pelo ordenamento jurídico pátrio, mormente porque a República Federativa do Brasil consiste num Estado Democrático de Direito, o qual se caracteriza pela participação do povo através dos seus representantes na direção dos negócios públicos (artigo 1º, caput e parágrafo único, da Constituição Federal de 1988).
Outrossim, registre-se que a sugerida responsabilização do Prefeito se mostra ainda descabida por se apoiar na chamada culpa in vigilando. Com efeito, de acordo com o Certificado em comento, o Chefe do Executivo teria se omitido no seu “poder-dever de supervisão dos atos administrativos, permitindo o cálculo e, consequentemente, o pagamento do adicional de tempo de serviço (quinquênio) aos servidores do município em desacordo com os ditames legais” (grifo acrescido).
Para que houvesse a possibilidade de responsabilização do Prefeito Municipal, a Secretaria deveria ter demonstrado que ele agiu com dolo ou erro grosseiro (culpa grave), o que não logrou fazer. Esse é o mandamento colhido no artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):
“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”
A Secretaria não demonstrou a existência de erro grosseiro – muito menos de dolo – na atuação do Prefeito, na medida em que não era razoável se exigir dele, como se explicitou acima, que, na condição de ocupante do topo da pirâmide hierárquica do Executivo Municipal, interferisse na gestão de pessoal desse Poder ao ponto de corrigir a forma de cálculo de vantagens pecuniárias pagas a servidores, tema de cunho bastante peculiar, técnico e específico, consoante já assinalado.”
Bem pontuou o relator em seu voto:
“Em divergência com a Secretaria de Atos de Pessoal, esta Relatoria coaduna com a explanação do Parquet quanto à não aplicar as multas sugeridas ao ex-Prefeito de Caldas Novas, Sr. Evando Magal Abadia Correia Silva e ao ex-Gestor Executivo, Sr. Thiago da Costa Pereira, em consonância com o disposto no art. 28 da LINDB, uma vez que, no presente caso, não restou demonstrado o nexo de causalidade entre a ilicitude verificada e a atuação dos gestores, capaz de configurar a prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo e anti-econômico.
Assim, não se verificou a existência de erro grosseiro – muito menos de dolo – na atuação do Prefeito e do Gestor Executivo, na medida em que não era razoável se exigir deles, um na condição de ocupante do topo da pirâmide hierárquica do Executivo Municipal e outro pela função exercida, que atuassem na gestão de pessoal desse Poder a ponto de corrigir a forma de cálculo de vantagens pecuniárias pagas a servidores, tema de cunho bastante peculiar, técnico e específico.
E quanto à apuração do dano ao erário e seu ressarcimento em procedimento instaurado para este fim, coaduna-se com o Parquet de retirar a determinação da responsabilidade de apuração pelo ex-Gestor do Poder Executivo e deixá-la somente a cargo do Prefeito de Caldas Novas, pois, até o momento, não há elementos que respaldem a responsabilização do ex-gestor-executivo, contudo, tais elementos, podem ser apurados no referido processo administrativo e isto não impediria eventual responsabilização do agente público pelo dano causado.”