Trata-se de Consulta formulada Presidente Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, que diante de competência constitucional e legal indagou ao Tribunal de Contas do Estado do Maranhão 9 (nove) questionamentos.
A pertinência da consulta é ímpar diante diversos entendimentos sobre o tema, inobstante o STF já ter dado certos contornos à matéria. O posicionamento do TCE-MA lança luzes numa área que tem gerado diversas condenações a advogados, escritórios de advocacia e gestores públicos que ficam suscetíveis a subjetivismos e interpretações peculiares sempre voltadas ao punitivismo, causando insegurança jurídica e inviabilizando inexigibilidades legítimas.
Por uma questão de objetividade e didática colacionamos as perguntas e as sínteses das respostas na sequência abaixo:
1. Considerando o art. 3º-A, da Lei nº 8.906/1994, incluído pela Lei nº 14.039/2020 e ainda o artigo 13 da Lei nº 8.666/1993, pergunta-se: os serviços de assessoria e/ou consultoria jurídicas são singulares pela própria natureza?
– Destarte, a natureza singular dos serviços de assessoria e consultoria jurídicas se revela pela notória especialização, definida no parágrafo único do art. 3º-A do Estatuto da OAB, em face das necessidades do ente público, que terá a prerrogativa de optar, de forma discricionária, pelo prestador de serviço que lhe seja conveniente a partir da comprovação da capacidade técnica e operacional do contratado com base em critérios objetivamente explicitados, levando em consideração atuações pretéritas, êxito em demandas judiciais e administrativas, qualificação acadêmica e profissional, independente se o objeto da contratação se tratar da atividade de assessoria jurídica ordinária da rotina administrativa do ente público ou se determinada causa específica.
2. O fato do ente público ter assessor(es) em seu quadro e/ou procuradoria Jurídica é fator impeditivo para contratação de consultoria e/ou assessoria jurídica?
– Portanto, ao ver, é possível a contratação de escritório de advocacia para realização de consultoria e assessoria jurídica mesmo quando o ente possua quadro próprio de advogados públicos, não sendo este um óbice para contratação.
3. Considerando a natureza intelectual do serviço a ser prestado e a necessidade da Administração Pública, a contratação de serviços de consultoria e/ou assessoria jurídica poderá se dar para além dos processos excepcionais e/ou específicos?
– O critério na avaliação sobre a necessidade de contratação de assessoria jurídica especializada decorre da discricionariedade do gestor público, independentemente da natureza do objeto – se para uma causa específica ou para o acompanhamento das demandas rotineiras da administração, tendo em vista que o objetivo maior é resguardar a própria legalidade dos atos administrativos, na medida que a contratação também atende a um fim consultivo e preventivo, garantindo maior debate jurídico sobre a rotina do ente público e redução de riscos nas decisões do órgão.
– Este fato é ainda mais relevante em se tratando da realidade prática da grande maioria dos Municípios do Brasil, devido à deficiência da estrutura estatal, bem como a demanda jurídica excessiva, incompatível com o volume de serviços possível de ser executado por servidores ou empregados do quadro próprio.
– Assim sendo, entendemos que a contratação de assessoria e consultoria jurídica por entes públicos não deve restringir-se às “intituladas” situações “excepcionais e específicas”, sob o risco de deixar os entes públicos sem suporte técnico jurídico, ocasionando prejuízos imensuráveis, bem como pela natureza da atividade jurídica que presume que cada caso concreto possui aspectos únicos e relevantes;
4. Considerando que cada processo tem sua particularidade e que deve ser analisado com o devido zelo pelo advogado, sendo que inclusive órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) tem posicionamento de responsabilização de parecerista (Acórdão n º 1337/2011 – Plenário e Acórdão nº 5.291/2013 – 1ª Câmara), pode-se dizer que os serviços de consultoria e/ou assessoria jurídica não são rotineiros, ou seja, são singulares?
– Dessa forma, os serviços prestados por advogado, a priori, não podem ser considerados como rotineiros, já que cada caso possui suas especificidades, ensejando o surgimento de uma variedade incontável de interpretações;
5. Quais os critérios objetivos que a Administração Pública pode utilizar para inferir que os advogados a serem contratados por processo de inexigibilidade detém notória especialização, além dos critérios já previstos, de modo exemplificativo, na legislação (art. 25, §1º, da Lei nº 8.666/1993 e art.3º-A, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.906/1994)?
– Por todo exposto, infere-se que as disposições já existentes na legislação pátria, em conjunto da confiança da Administração na técnica do profissional, são suficientes para a aferição da notória especialização dos profissionais da advocacia;
6. Quais os critérios mais adequados para justificar o preço na contratação dos serviços técnicos jurídicos por inexigibilidade?
– Nesse ponto, os critérios mais adequados para justificar o preço na contratação dos serviços técnicos jurídicos por inexigibilidade é a análise de referência de outros preços praticados pelo contratado em outros entes públicos, ou por outros profissionais que executem serviços similares em entes públicos, conforme estabelecido no § 4º do art. 23 da Lei nº 14.133/2021. É o mais adequado para justificar o preço, na medida que não existe no Estado do Maranhão uma tabela de preço fixo para tais serviços. Lembrando, porém, não ser possível e justo exacerbar valores ao contrato que podem produzir resultado lesivo ao patrimônio público, sob pena de responsabilização do ente contratante e do contratado. Assim, devem ser respeitados os princípios de razoabilidade e proporcionalidade;
7. Em contratação para causas específicas, que se busca o proveito econômico para o ente público contratante consistente em deixar de pagar ou receber quantia, possível firmar contrato de êxito? Em caso positivo, em até qual percentual?
– Com esses fundamentos, adoto, com ressalvas, o posicionamento da Unidade Técnica desta Corte de Conta no Relatório de Instrução nº 1036/2021, no sentido de ser possível o pagamento, pela Administração Pública, de honorários contratuais com base em cláusula ad exitum, fixado em percentual sobre o valor auferido com a prestação do serviço ou por risco puro, devendo constar no contrato o valor estimado dos honorários e a dotação orçamentária própria para o pagamento de serviços de terceiros. Ressalvando que o valor máximo percentual deve observância ao disposto no art. 36 do Código de Ética da OAB (Lei nº 8.906/1994);
8. Preenchidos os requisitos para contratação por inexigibilidade, a confiança na capacidade técnica-intelectual, em última instância, pode ser adotada como critério no processo de escolha do contratado?
– Com supedâneo no precedente supracitado, os requisitos previstos na legislação devem ser aliados ao elemento subjetivo da confiança, de modo que além de notória especialização, os advogados devem desfrutar da confiança da Administração, tendo em vista o caráter personalíssimo que rodeia a prestação de um serviço advocatício, de modo que o ente público não está autorizado a contratar por inexigibilidade de licitação escritório de advocacia pelo mero arbítrio da confiança pessoal, mas sim pelo binômio de notória especialização e confiança na técnica do profissional contratado;
9. Por fim, considerando a natureza do serviço público pode-se dizer que os serviços de consultoria e/ou assessoria jurídica são considerados serviços contínuos?
– Nesse sentido, o suporte técnico, através de consultoria e assessoria jurídica, enquanto serviço contínuo, apresenta-se como compatível com os princípios do interesse público e da eficiência da administração pública, tendo em vista a presumida necessidade desse auxílio, cuja ausência poderá ocasionar prejuízos irreparáveis para o ente e, em última instância, para a sociedade.
– Não obstante, a contratação desses serviços de forma continuada, sobretudo considerando o vulto de trabalho jurídico inerente a administração pública, prestigia o princípio da economia, pois evita a realização de contratos conforme o surgimento das demandas. Porquanto, os serviços de assessoria/consultoria, considerando as atividades exercidas dentro da administração pública, são considerados serviços de natureza contínua.
Para um maior aprofundamento do processo leia o Relatório e Voto.
Acreditamos que esse entendimento esposado pelo TCE-MA agrega segurança jurídica num tema que precisa avançar mais, mas já é um bom alento.
Processo relacionado: Consulta nº 1533/2021 (Decisão PL nº 180/21), Rel. Cons. Edmar Serra Cutrim, Plenário, julgado em 28.04.2021, publicado em 13.05.2021.
Por Josembergues Melo