Determinações judiciais de bloqueios de verbas públicas com destinação específica são inconstitucionais, julga STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que determinaram o arresto, o sequestro, o bloqueio, a penhora ou a liberação de valores das contas estaduais para atender demandas relativas a pagamento de salários de servidores ativos e inativos, satisfação imediata de créditos de prestadores de serviços e tutelas provisórias definidoras de prioridades na aplicação de recursos públicos. O entendimento adotado é de que as decisões judiciais usurparam a competência constitucional do Poder Executivo de exercer a direção da administração pública e a do Poder Legislativo de autorizar a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos orçamentários.

O colegiado acolheu parcialmente pedido do Estado do Rio de Janeiro na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 405. Em junho de 2017, o Plenário havia deferido medida cautelar para suspender as ordens judiciais de bloqueio e penhora de verbas estaduais. Na sessão virtual, a ação foi julgada em definitivo, por maioria, nos termos do voto da relatora, ministra Rosa Weber.

Expropriação indiscriminada

O Estado do RJ informou que decisões judiciais reiteradas levaram à indisponibilidade de verbas públicas da ordem de mais de R$ 1,6 bilhão, em ofensa a diversos preceitos fundamentais, como o da independência dos poderes, do princípio federativo e dos princípios e das regras do sistema orçamentário. Para o estado, a medida é uma expropriação indiscriminada e desordenada de recursos administrados pelo Poder Executivo.

Crise financeira

Segundo o voto da relatora, são inconstitucionais as determinações judiciais indiscriminadas em ações que tenham recaído sobre recursos escriturados (verbas com vinculação orçamentária específica ou vinculadas a convênios e operações de crédito, valores de terceiros sob a administração do Poder Executivo e valores constitucionalmente destinados aos municípios).

A ministra Rosa Weber lembrou que o ajuizamento da ação tem como pano de fundo a grave dificuldade econômica e financeira do estado, especialmente após a perda de receitas tributárias provenientes dos royalties da produção do petróleo e a desaceleração da economia, que causou grande desequilíbrio nas contas públicas. Essa situação levou o então governador a editar decretos para alterar o calendário de pagamento de salários e pensões e ao atraso no repasse das parcelas dos duodécimos aos Poderes e órgãos autônomos do estado.

Essas medidas, segundo a ministra, causaram enorme demanda judicial em busca da garantia dos pagamentos, alcançando inclusive recursos de terceiros, escriturados contabilmente, individualizados ou com vinculação orçamentária específica. Ainda de acordo com Rosa Weber, a proliferação de decisões judiciais em descompasso com o cronograma de desembolso orçamentário terminou por colocar alguns credores em posição mais vantajosa do que outros em igual situação fática e jurídica, quebrando a isonomia.

Ficou vencido apenas o ministro Marco Aurélio, que não admitia a ADPF.

Processo relacionado: ADPF 405

NOTA DO ESCRITÓRIO

Enquanto não é publicado o acórdão da decisão de mérito, vejamos a ementa do acórdão do deferimento da medida cautelar, pelo Plenário, em junho de 2017:

EMENTA MEDIDA CAUTELAR EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. DECISÕES JUDICIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO. BLOQUEIO, ARRESTO, PENHORA, SEQUESTRO E LIBERAÇÃO DE VALORES EM CONTAS DO PODER EXECUTIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PAGAMENTO DE SALÁRIOS E BENEFÍCIOS DE SERVIDORES ATIVOS E INATIVOS. SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS DE PRESTADORES DE SERVIÇOS. DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES POLÍTICAS NA APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS. ATO DO PODER PÚBLICO. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL CABÍVEL. ARTS. 1º, CAPUT, E 4º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/1999. ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DE RECURSOS PÚBLICOS. TRANSPOSIÇÃO DE RECURSOS ENTRE DIFERENTES ÓRGÃOS OU CATEGORIAS DE PROGRAMAÇÃO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. VEDAÇÃO. ARTS. 2º, 84, II, e 167, VI e X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA DEMONSTRADOS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA EM PARTE. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES IMPUGNADAS EXCLUSIVAMENTE NOS CASOS EM QUE AS MEDIDAS CONSTRITIVAS TENHAM RECAÍDO SOBRE RECURSOS DE TERCEIROS, ESCRITURADOS CONTABILMENTE, INDIVIDUALIZADOS OU COM VINCULAÇÃO ORÇAMENTÁRIA ESPECÍFICA.
1. As reiteradas decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região que resultaram em bloqueio, arresto, penhora, sequestro e liberação de valores administrados pelo Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro para atender demandas relativas a pagamento de salário de servidores ativos e inativos, satisfação imediata de créditos de prestadores de serviços e tutelas provisórias definidoras de prioridades na aplicação de recursos públicos traduzem, em seu conjunto, ato do Poder público passível de controle pela via da arguição de descumprimento de preceito fundamental, cabível nos moldes dos arts. 1º, caput, e 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999.
2. A efetividade do modelo de organização da Administração Pública preconizado pela Constituição Federal supõe a observância dos princípios e regras do sistema orçamentário (arts. 167, VI e X, da CF), do regime de repartição de receitas tributárias (arts. 34, V, 158, III e IV, e 159, §§ 3º e 4º, e 160, da CF) e da garantia de paramentos devidos pela Fazenda Pública em ordem cronológica de apresentação de precatórios (art. 100, da CF). Expropriações de numerário existente nas contas do Estado do Rio de Janeiro, para saldar os valores fixados nas decisões judiciais, que alcancem recursos de terceiros, escriturados contabilmente, individualizados ou com vinculação orçamentária específica implicam alteração da destinação orçamentária de recursos públicos e remanejamento de recursos entre categorias de programação sem prévia autorização legislativa, o que não se concilia com o art. 167, VI e X, da Constituição da República. A aparente usurpação de competências constitucionais reservadas ao Poder Executivo – exercer a direção da Administração – e ao Poder Legislativo – autorizar a transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro – sugere lesão aos arts. 2º, 84, II, e 167, VI e X, da Carta Política. Precedente: ADPF 387/PI, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 23.3.2017. Fumus boni juris evidenciado.
3. Satisfeito o requisito do periculum in mora ante o elevado risco de comprometimento do patrimônio e das receitas correntes do Estado do Rio de Janeiro.
4. Deferimento apenas parcial para suspender os efeitos das decisões judiciais impugnadas exclusivamente nos casos em que as medidas constritivas nelas determinadas tenham recaído sobre recursos escriturados, com vinculação orçamentária específica ou vinculados a convênios e operações de crédito, valores de terceiros sob a administração do Poder Executivo e valores constitucionalmente destinados aos Municípios, em afronta aos arts. 2º, 84, II, e 167, VI e X, da Constituição da República.
5. Medida cautelar deferida em parte. (STF – ADPF nº 405-MC, Rel. Min. ROSA WEBER, Pleno, julgado em 14.06.2017, DJe-020 de 05.02.2018)

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