Mera revolta à prisão manifestada por meio de palavras não basta para configurar crimes de resistência e desacato, decide TRF1

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação do Ministério Público Federal (MPF) mantendo sentença que absolveu um réu dos crimes de dano, resistência e desacato, após invadir uma delegacia da polícia federal na cidade de Cáceres/MT, ao fundamento de ausência de provas da existência dos fatos, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal (CPP).

O Ministério Público Federal apelou da sentença que absolveu o acusado de haver danificado o portão da delegacia e que, em seguida, teria resistido à prisão e desacatado agentes federais. Os três crimes estão tipificados nos arts. 163, parágrafo único, inciso III, 331 e 329, caput, todos do Código Penal (CP).

Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Ney Bello, verificou que, conforme a fundamentação da sentença, o apelado estava em estado de embriaguez, por ter sido demitido da autarquia em que trabalhava, e que sequer se deu conta de que estava em uma delegacia, achando estar na prefeitura.

O relator explicou que, para o crime de dano, exige-se que haja efetivo prejuízo relativamente ao valor ou à funcionalidade do objeto destruído, o que não foi comprovado no caso dos autos, ressaltando que a informação prestada por agentes não supre a necessidade de perícia técnica.

Prosseguindo no voto, o magistrado destacou que a mera revolta à prisão, manifestada por meio de palavras, não basta para a consumação do crime de resistência. As imagens captadas pelo sistema de segurança indicam que o réu acatou as ordens emanadas pelos policiais, deitando-se no chão e, portanto, se não houve resistência à prisão, não existiu o crime.

Concluindo, o desembargador federal ressaltou que a configuração do crime de desacato exige dolo específico, ou seja, a vontade consciente de humilhar e ofender o servidor público, tendo a conduta ofensiva do apelado sido motivada por descontrole emocional, sem a vontade específica de ultrajar a função pública, daí porque não se configurou o crime, conforme precedentes do TRF1.

Por unanimidade, o Colegiado negou provimento à apelação, nos termos do voto do relator.

Processo 0001981-33.2018.4.01.3601

NOTA DO ESCRITÓRIO 

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

PENAL. PROCESSO PENAL. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS DELITOS DOS ARTIGOS 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III; 331 E 329, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CRIMES DE DANO, RESISTÊNCIA E DESACATO. CONTEXTO DOS AUTOS QUE NÃO APRESENTA SUPORTE PROBATÓRIO ACERCA DA MATERIALIDADE DELITIVA. ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 386, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DO MPF NÃO PROVIDA.
1. O crime de dano, definido no art. 163 do CP, corresponde a um delito material, ou seja, não se consuma apenas com o perigo, é necessário que ocorra efetivo prejuízo para a vítima, decorrente da diminuição do valor ou da utilidade da coisa destruída, inutilizada ou deteriorada. Não é, efetivamente, a hipótese dos autos, onde sequer foi realizado exame pericial a fim de comprovar o efetivo dano.
2. O delito do art. 329 do CP consuma-se com a efetiva oposição à prática de ato legal. É irrelevante que o agente obtenha êxito em seu fim de impedir a realização do ato funcional. No caso, é certo que o réu acatou as ordens emanadas pelos policiais, pois as imagens captadas pelo sistema de segurança da Delegacia da Polícia Federal indicam que ele, diante dos policiais armados, deitou-se no chão sem opor resistência. O crime de resistência é formal, mas a mera revolta à prisão, manifestada por meio de palavras à autoridade pública, não basta para a sua consumação. Se não houve resistência à prisão não existiu o crime.
3. O crime do art. 331 do CP é comum, formal – não exige resultado naturalístico, consistente no efetivo desprestígio da função pública – e instantâneo. O elemento subjetivo do tipo do crime de desacato é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar atos ou proferir palavras ofensivas, humilhantes, degradantes ou desprestigiadoras da função pública exercida pelo sujeito passivo secundário.
4. O crime de desacato exige dolo específico, a vontade consciente e dirigida à ação de humilhar, de ofender o servidor público, o que não restou evidenciado nos autos, porquanto a conduta do réu, ainda que incompatível com os padrões da boa educação, foi motivada pela insatisfação. Não comprovada a vontade de ultrajar e desprestigiar a função pública exercida pelos ofendidos.
5. Correta a absolvição do réu, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, pois ausente prova da existência do fato.
6. Apelação do Ministério Público Federal não provida. (TRF1 – ACR 0001981-33.2018.4.01.3601, Rel. Des. NEY BELLO, 3ªT, PJe 06/07/2021)
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