Com base na Lei nº 14.230/2021, os desembargadores da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo deram provimento ao recurso de apelação para julgar improcedente a ação que tramitava na Comarca de Monte Aprazível contra um ex-prefeito da cidade de Nipoã, no interior paulista.
A decisão foi provocada por recurso de apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra Luciano Cesar Scalon.
A decisão questionada condenou o ex-prefeito a restituir R$ 111 mil aos cofres públicos e pagar multa em razão do descontrole da administração municipal com gastos de combustível.
No recurso, o acusado sustenta que a condenação foi baseada apenas na responsabilidade que ele teria por ter administrado o município e não apontou nenhuma conduta ou atribuição específica que ele teria deixado de cumprir.
O político sustenta que não lhe cabia fiscalizar diretamente os gastos com combustíveis, atestar os abastecimentos, calcular os gastos, controlar o uso diário da frota, pois todo esse controle era feito por servidores. Inclusive um deles testemunhou no processo, confirmando que atestava os recebimentos e fiscalizava o fornecimento de combustíveis. Também argumenta que não ficou comprovado que ele atuou com desídia, negligência e má-fé no exercício de suas funções como prefeito.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador Oswaldo Luiz Palu, apontou que a imputação do MP em face do ex-prefeito encontrava suporte na Lei nº 8.429/92, vigente à época dos fatos, que estabelecia a punição dos atos de improbidade praticados por qualquer agente público e por aquele que, não sendo agente público, concorra para a prática do ato ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Ele lembra que, com a alteração na Lei de Improbidade Administrativa, a Lei nº 14.230/2021, foi suprimida a modalidade culposa nos atos de improbidade. O julgador entendeu que a norma se aplica no caso concreto.
“E, diante desse cenário, na hipótese dos autos a conduta típica que gera atuação punitiva do Estado prevista no artigo 10, X, somente pune a conduta com o agir ‘ilicitamente’ e não ‘negligentemente'”, pontuou ao votar pela improcedência. O entendimento foi seguido por unanimidade.
Leia o acórdão.
Processo: 1001594-31.2019.8.26.0369
NOTA DO ESCRITÓRIO
Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.
1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.
2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.
3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.
4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.
5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.
6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.
7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.
8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido. (TJSP – Apelação Cível nº 1001594-31.2019.8.26.0369, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu; 9ª Câmara de Direito Público, julgado em 10.11.2021, registro em 10.11.2021)