A recuperação de estradas vicinais, pavimentação e a drenagem de vias públicas podem ser enquadradas no conceito de ação social para impedir as restrições nos sistemas CAUC/SIAFI/CADIN?

Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado pelo Município de Abaíra/BA com o objetivo de receber as transferências voluntárias da União, sem as restrições nos sistemas CAUC/SIAFI/CADIN, para a pavimentação de vias públicas. No caso dos autos, o Tribunal de origem consignou que as obras relacionadas à pavimentação das vias se enquadrariam no conceito de ações sociais, o que permitiria a liberação de tais verbas.

A suspensão da restrição para a transferência de recursos federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios trata de norma de direito financeiro e é exceção à regra, estando limitada às situações previstas no próprio art. 26 da Lei 10.522/2002 (execuções de ações sociais ou ações em faixa de fronteira). A interpretação da expressão “ações sociais” não pode ser abrangente a ponto de abarcar situações que o legislador não previu. Sendo assim, o conceito da expressão “ações sociais”, para o fim da Lei 10.522/2002, deve ser resultado de interpretação restritiva, teleológica e sistemática, mormente diante do fato de que qualquer ação governamental em prol da sociedade pode ser passível de enquadramento no conceito de ação social.

O termo “ação social” presente na mencionada lei diz respeito às ações que objetivam o atendimento dos direitos sociais assegurados aos cidadãos, cuja realização é obrigatória por parte do Poder Público, como aquelas mencionadas na Constituição Federal, nos arts. 6º, 193, 194, 196, 201, 203, 205, 215 e 217 (alimentação, moradia, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto).

O direito à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, os quais abarcam a pavimentação e a drenagem de vias públicas, compõem o rol de prerrogativas que dão significado à garantia das cidades sustentáveis, conforme previsão do art. 2º da Lei 10.257/2001 – Estatuto das Cidades. Apesar disso, conforme a fundamentação supra, a pavimentação e drenagem de vias públicas não pode ser enquadrada no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei 10.522/2002. Nesse sentido: REsp 1.372.942/AL, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.4.2014; REsp 1.527.308/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5.8.2015; AgRg no REsp 1.457.430/SE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.12.2015.

Processo: AgInt no REsp 1927406, Rel.  Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/08/2021 DJe de 31/08/2021

Vejamos a ementa de outros julgados da primeira e segunda turmas do STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REPASSE DE VERBA PELA UNIÃO. RESTRIÇÃO CADASTRAL NO CAUC E NO SIAFI. SUSPENSÃO DOS EFEITOS APENAS QUANTO AOS REPASSES QUE VISEM À EXECUÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS OU EM FAIXA DE FRONTEIRA. ART. 26 DA LEI 10.522/2002. ABRANGÊNCIA DO TERMO “AÇÕES SOCIAIS”.
1. O STJ entende que o termo “ação social” presente na Lei 10.522/2002 diz respeito às ações que objetivam o atendimento dos direitos sociais assegurados aos cidadãos, cuja realização é obrigatória por parte do Poder Público, como aquelas mencionadas na Constituição Federal, nos arts. 6º, 193, 194, 196, 201, 203, 205, 215 e 217 (alimentação, moradia, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto).
2. A interpretação da expressão “ações sociais” não pode ser abrangente a ponto de abarcar situações que o legislador não previu. Sendo assim, o conceito da expressão “ações sociais”, para o fim da Lei 10.522/2002, deve ser resultado de interpretação restritiva, teleológica e sistemática, mormente diante do fato de que qualquer ação governamental em prol da sociedade pode ser passível de enquadramento no conceito de ação social. Precedentes.
3. Dessa forma, apesar de a infraestrutura urbana estar incluída dentro do rol dos direitos a cidade sustentáveis, a recuperação de estradas vicinais não pode ser enquadrada no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei 10.522/2002.
4. Agravo Interno não provido. (STJ – AgInt no REsp 1921725/DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe 31/08/2021)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO MOVIDA POR MUNICÍPIO QUE OBJETIVA A LIBERAÇÃO DE VERBA FEDERAL OBJETO DE CONTRATO DE REPASSE FIRMADO COM A UNIÃO. PAVIMENTAÇÃO DE VIAS URBANAS. INSCRIÇÃO NO SIAFI/CAUC. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ART. 26 DA LEI N. 10.522/2002. CONTROVÉRSIA SOBRE A ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE “AÇÕES SOCIAIS”.
1. A legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal foi reconhecida em razão de constar, no contrato de repasse, como representante da União e agente operador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Urbano de Municípios de Pequeno Porte, sendo, assim, responsável pelas medidas de repasse de verbas. Essa premissa fática, que, pontua-se, não pode ser revista em sede de recurso especial, conforme entendimentos das Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ, denota a necessidade de a Caixa Econômica Federal figurar no pólo passivo de ação que objetiva a liberação de valores constantes do contrato que firmou com a municipalidade autora.
2. Considerando que a suspensão da restrição para a transferência de recursos federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios trata de norma de direito financeiro e é exceção à regra, estando limitada às situações previstas no próprio artigo 26 da Lei n. 10.522/2002 (execuções de ações sociais; ou ações em faixa de fronteira), a interpretação da expressão “ações sociais” não pode ser abrangente a ponto de abarcar situações que o legislador não previu; nessa linha, o conceito da expressão “ações sociais”, para o fim da Lei n. 10.522/2002, deve ser resultado de uma interpretação restritiva, teleológica e sistemática, mormente diante do fato de que qualquer ação governamental em prol da sociedade pode ser passível de enquadramento no conceito de ação social.
3. A ação social a que se refere mencionada lei é referente às ações que objetivam atender a direitos sociais assegurados aos cidadãos, cuja realização é obrigatória por parte do Poder Público, como aquelas mencionadas na Constituição Federal, nos artigos 6º, 193, 194, 196, 201, 203, 205, 215 e 217 (alimentação, moradia, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto).
4. O direito à infra-estrutura urbana e aos serviços públicos, os quais abarcam o direito à pavimentação de vias públicas, compõem o rol de direitos que dão significado à garantia do direito a cidades sustentáveis, conforme previsão do art. 2º da Lei n. 10.257/2001- Estatuto das Cidades. Nada obstante, a pavimentação de vias públicas não pode ser enquadrada no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei n. 10.522/2002.
5. Ônus de sucumbência invertidos; porém, não no patamar de 10% sobre o valor da causa (R$ 243.750,00), uma vez que se trata de município de pequeno porte, cujos respectivos valores farão falta ao erário. Em atenção ao valor da causa e ao princípio da razoabilidade, arbitra-se a verba honorária de sucumbência em R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, montante que deverá ser distribuído, proporcionalmente, entre a CEF e a União.
6. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, na parte, providos. (STJ – REsp 1372942/AL, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01.04.2014, DJe 11.04.2014)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MOVIDA POR MUNICÍPIO QUE OBJETIVA A LIBERAÇÃO DE VERBA FEDERAL PARA PAVIMENTAÇÃO DE VIAS URBANAS. INSCRIÇÃO NO SIAFI/CAUC. SITUAÇÃO QUE NÃO SE COADUNA COM O CONCEITO DE AÇÃO SOCIAL PREVISTO NO ART. 26 DA LEI 10.522/2002. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NESTA CORTE SUPERIOR. INCIDÊNCIA SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DO MUNICÍPIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Lei Complementar 101/2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, prevê em seu art. 25 a proibição de repasse de verbas para aqueles entes que se encontrem em situação irregular.
2. Por sua vez, o art. 26 da Lei 10.522/2002 dispõe que fica suspensa a restrição para transferência de recursos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais ou ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objetos de registros no CADIN e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal-SIAFI.
3. E não é outro o entendimento desta Corte Superior, segundo o qual a inscrição de Município junto ao SIAFI ou CAUC deve ter seus efeitos suspensos somente quando os repasses visarem execução de ações sociais ou em faixa de fronteira.
4. Ressalte-se, entretanto, que a interpretação da expressão ações sociais não pode estender-se a ponto de abarcar situações que o legislador não previu. Seu conceito, para o fim da Lei 10.522/2002 (CADIN), deve decorrer de interpretação restritiva, teleológica e sistemática.
5. In casu, trata-se de liberação de verbas federais para a execução de serviços de pavimentação de vias públicas (direito relacionado à infraestrutura urbana e aos serviços sociais previstos no art. 2º. da Lei 10.257/2001 – Estatuto das Cidades), que não se enquadra no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei 10.522/2002. Precedentes: AgRg no REsp. 1.490.020/PE, AgRg no REsp. 1.439.326/PE, REsp. 1.372.942/AL.
6. Agravo Regimental do MUNICÍPIO DE PROPRIÁ/SE a que se nega provimento. (STJ – AgRg no REsp 1457430/SE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 15/12/2015)

Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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