TCE-MG posiciona-se favorável ao abono (rateio) dos 70% do FUNDEB desde que observados alguns requisitos

Trata-se de Consulta, formulada por prefeito municipal, na qual indaga acerca da possibilidade de utilização de recursos do Fundeb para concessão de abono aos profissionais da educação, textualmente: “Caso sobrem recursos financeiros na conta do Fundeb no final de 2021 relativo aos 70% da remuneração, poderá o município conceder abono (rateio) para os profissionais da educação (art. 26 da Lei 14.113/2020 e art. 212-A, XI, CF-88)? – Caso a resposta do item anterior seja positiva, deverá o município aprovar a nova lei autorizativa junto ao Poder Legislativo para a concessão deste benefício (rateio)?

Admitida a Consulta, à unanimidade, o relator, conselheiro substituto Adonias Monteiro, passou ao mérito, no qual destacou que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi criado pela Emenda Constitucional 53, de 19/12/2006, e regulamentado pela Lei 11.494/2007, com vigência para o período de 2007 a 2020, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. Em 31 de dezembro de 2020, foi promulgada a EC 108/2020, de 26 de agosto de 2020, que conferiu caráter permanente ao Fundeb e aperfeiçoou aspectos relevantes à sua operacionalização. Em 25 de dezembro de 2020, foi publicada a Lei 14.113/2020, que o regulamentou. Esclareceu que o Fundeb, de natureza contábil e constituído no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, é formado por recursos provenientes de impostos e transferências constitucionais vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, nos termos do art. 212 da Constituição da República.

Ressaltou ainda que o art. 212-A da Constituição da República estabelece que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais. Nesse sentido, o art. 212-A, inciso XI, da Constituição da República e o art. 26 da Lei n. 14.113/2020 dispõem que proporção não inferior a 70% dos recursos anuais totais do Fundeb será destinada ao pagamento, em cada rede de ensino, da remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício.

O relator salientou que este Tribunal, sob a égide da regulamentação anterior do Fundeb – a Lei n. 11.494/2007 – já respondeu a várias Consultas sobre a possibilidade de concessão de abono utilizando-se as “sobras” de recursos anuais totais do Fundeb destinados à remuneração dos profissionais da educação básica, nas quais foi reconhecida a possibilidade de pagamento e ressaltada sua natureza transitória, além da necessidade de lei autorizativa para sua concessão, sujeita à implementação das condições previstas no § 1º, incisos I e II, do art. 169 da Constituição da República. Dentre outras, citou as Consultas 742476, 617851, 622249, e 644252, e ressaltou que todas externam o mesmo entendimento, isto é, a concessão do abono seria possível, desde que houvesse prévia aprovação de lei autorizativa para tanto e que tal situação deveria ser transitória e excepcional.

O relator destacou ainda que a concessão de abono não possui previsão legal na regulamentação atual do Fundeb, como apontado pela unidade técnica. Em complemento, reproduziu o seguinte trecho do material citado no relatório técnico intitulado “Novo Fundeb – Perguntas e Respostas”, disponibilizado pelo governo federal, in verbis:

7.12. O que é o pagamento sob a forma de abono e quando ele deve ocorrer?

O abono foi uma forma de pagamento utilizada, no âmbito do Fundef, até 2006, e uma prática no período de vigência do extinto Fundeb, realizada sobretudo pelos Municípios, a qual consistia no pagamento aos profissionais da educação básica quando o total da remuneração do grupo não alcançasse o mínimo exigido (no novo Fundeb refere-se ao percentual de 70%) e houvesse recursos do Fundo ainda não utilizados ao final do ano. Sugeria-se que esse tipo de pagamento fosse adotado em caráter provisório e excepcional, apenas nessas situações especiais e eventuais, não devendo ser adotado em caráter permanente.

É importante destacar que a adoção de pagamentos de abonos em caráter permanente pode ensejar, no futuro, que tais pagamentos sejam incorporados à remuneração dos servidores beneficiados, por se caracterizar, à luz da legislação trabalhista, um direito decorrente do caráter contínuo e regular dessa prática.

Atualmente, porém, a Constituição Federal (art. 212-A, XI) determinou expressamente que proporção não inferior a 70% (setenta por cento) do novo Fundeb, excluídos os valores da complementação-VAAR, fosse destinada ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. Ainda, a Lei nº 14.113, ao regulamentar o novo Fundeb, prevê algumas hipóteses de responsabilização no caso de desrespeito às suas disposições.

Nesse sentido, a inobservância aos percentuais de aplicação mínima dos recursos da educação e dos percentuais do Fundeb, podem ensejar, além da responsabilidade administrativa, civil e penal da autoridade, constituindo-se ato inconstitucional, sujeito às penalidades legais.

Dessa forma, caso no Município estejam ocorrendo “sobras” significativas de recursos dos 70% (setenta por cento) do Fundeb no final de cada exercício, essa situação pode significar que o Plano de Carreira e Remuneração dos Profissionais da Educação Básica ou, ainda, a escala ou tabela de salários/vencimentos, esteja necessitando de revisão ou atualização, de forma a absorver, sem sobras, os 70% (setenta por cento) do Fundo no pagamento da remuneração, sem a necessidade de uso de pagamentos sob a forma de abonos.

7.13. Quais são os critérios para concessão do abono?

Por se tratar de uma prática de alguns Estados e Municípios, sem qualquer previsão nas disposições constitucionais e legais do Fundeb, o eventual pagamento de abonos é definido no âmbito da administração local, por LEI, que estabeleça o valor, a forma de pagamento e demais parâmetros considerados.

É importante destacar que a adoção desses pagamentos decorre de decisões político administrativas inerentes ao processo de gestão desses entes governamentais, os quais são responsáveis por administrar as verbas públicas de forma clara e objetiva, expondo os critérios a serem observados na destinação desses recursos e fazendo constar em instrumento legal que preveja as regras de concessão e os devidos fundamentos legais e materiais, em obediência aos princípios da transparência e legalidade do procedimento.

7.14.A fração dos 30% (trinta por cento) do Fundeb gera pagamento de abono, assim como ocorre com a fração dos 70% (setenta por cento)?

Em relação ao pagamento dos profissionais da educação básica, há na Constituição Federal e na Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020 um limite mínimo de 70% (setenta por cento) dos recursos do Fundeb para sua garantia (excluídos os recursos relativos à parcela da complementação-VAAR). Já em relação à parcela restante, de até 30% (trinta por cento), não há vinculação ou obrigação de que parte dessa porcentagem de recursos seja destinada ao pagamento de outros servidores da educação, ainda que o Estado ou Município possa utilizá-la para esse fim. Por conseguinte, não há limite mínimo a ser cumprido que possa gerar alguma sobra financeira e ensejar o pagamento de eventual abono. Assim, não há como se falar em abonos para outros servidores da educação, decorrente de critério emanado da legislação federal.

Sendo assim, o relator entendeu pela possibilidade da concessão do abono; todavia, em consonância com o entendimento da Unidade Técnica, frisou que essa não é a situação ideal, uma vez que pode significar que o plano de carreira e a remuneração dos profissionais da educação básica ou a tabela de vencimentos esteja necessitando de revisão ou atualização, de forma a absorver, sem sobras, a proporção mínima de 70% dos recursos anuais do Fundeb com o pagamento da remuneração dos referidos profissionais, sem a necessidade da concessão de abonos. Além disso, é estritamente necessária a aprovação de lei que estabeleça o valor, bem como a forma de pagamento do abono. Ademais, em razão do atual contexto da pandemia de Covid-19, a Unidade Técnica ainda concluiu que deveria ser observado o disposto no art. 8º, inciso VI, da LC 173/2020, o qual imporia restrições à concessão do referido abono.

Entretanto, o relator explicou que, após a apresentação do relatório técnico, na sessão plenária do dia 20/10/2021, no âmbito da Consulta 1098573, este Tribunal fixou o seguinte prejulgamento de tese: “as vedações do art. 8º da Lei Complementar nº 173/20 não obstam a aplicação do novo percentual mínimo de aplicação do Fundeb em remunerações dos profissionais da educação básica, ainda que, para atingi-lo, seja necessário promover o reajuste de remuneração ou a alteração da estrutura de carreira que implique aumento de despesa no período compreendido entre 28/05/20 e 31/12/21” . Assim, entendeu que tal prejulgamento de tese abarca a possibilidade de concessão do abono.

Portanto, o relator, Conselheiro Substituto Adonias Monteiro, propôs, em consonância com precedentes deste Tribunal de Contas e com a manifestação da Unidade Técnica, a fixação do prejulgamento de tese, com caráter normativo, nos seguintes termos: é possível o pagamento de abono, com recursos compreendidos na proporção não inferior a 70% (setenta por cento) dos recursos anuais totais do Fundeb, de que dispõem o art. 212-A, inciso XI, da Constituição da República e o art. 26 da Lei 14.113/2020, para os profissionais da educação básica em efetivo exercício, em caráter excepcional e transitório, desvinculado da sua remuneração, desde que sejam observados os seguintes requisitos: previsão em lei, na qual deve constar os critérios regulamentadores do pagamento; prévia dotação na Lei Orçamentária Anual – LOA e autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, nos termos do § 1º, incisos I e II, do art. 169 da Constituição da República.

Votada a proposta do relator, o parecer de Consulta foi aprovado à unanimidade.

Leia o acórdão.

(Processo 1102367 – Consulta. Relator Conselheiro Substituto Adonias Monteiro. Tribunal Pleno. Deliberado em 24/11/2021.

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do julgado:

CONSULTA. PREFEITURA MUNICIPAL. FUNDEB. CONCESSÃO DE ABONO PARA OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM EFETIVO EXERCÍCIO. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL E TRANSITÓRIO. OBSERVÂNCIA DE REQUISITOS.
É possível o pagamento de abono, com recursos compreendidos na proporção não inferior a 70% (setenta por cento) dos recursos anuais totais do Fundeb, de que dispõem o art. 212-A, inciso XI, da Constituição da República e o art. 26 da Lei n. 14.113/2020, para os profissionais da educação básica em efetivo exercício, em caráter excepcional e transitório, desvinculado da sua remuneração, desde que sejam observados os seguintes requisitos: previsão em lei, na qual deve constar os critérios regulamentadores do pagamento; prévia dotação na Lei Orçamentária Anual – LOA e autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, nos termos do § 1º, incisos I e II, do art. 169 da Constituição da República. [CONSULTA n. 1102367. Rel. CONS. SUBST. ADONIAS MONTEIRO. Sessão do dia 24/11/2021. Disponibilizada no DOC do dia 01/12/2021.]

Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Autor: Informativo de Jurisprudência nº 240
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