Trata-se de consulta formulada por prefeito e chefe de controladoria municipal, por meio da qual indagam se a receita não transferida pelo Estado em 2018, reconhecida pelo ente municipal, ao propor o seu parcelamento em exercícios posteriores, poderá ser considerada para o índice de pessoal no exercício de 2019. Também questionam se os aportes financeiros realizados ao RPPS para a cobertura de déficit do Grupo Financeiro devem compor o índice de pessoal do município.
Admitida a Consulta, o relator, conselheiro Wanderley Ávila, esclareceu, inicialmente, que os gastos com pessoal realizados pelos entes federativos, segundo disposição constitucional, não devem exceder os limites estabelecidos pela Lei Complementar n. 101/2000, conforme preceitua o art. 19 e seus incisos. Além dos índices, o art. 19 da LRF revela também que o cálculo relativo à despesa com pessoal está associado ao montante arrecadado pelo ente como Receita Corrente Líquida (RCL) no período de apuração. Destacou que a conceituação e a forma de apuração da RCL estão previstas no inciso IV e o § 3º, ambos do art. 2º, da própria LRF. Assim, o relator apontou que, sendo as transferências correntes uma das fontes que compõe a RCL, a ausência dos repasses pelo governo estadual aos municípios afeta diretamente o montante arrecadado dessa receita e, consequentemente, a parcela destinada aos gastos com pessoal.
Em seguida, o relator explicou que, para responder à primeira indagação formulada, é preciso verificar qual o modo adequado para se efetuar o registro da receita proveniente dessas transferências correntes extemporâneas, se no momento de sua efetiva arrecadação, ou desde o reconhecimento da dívida (crédito a ser transferido) pelo ente público estatal. Isso porque, do ponto de vista contábil, as receitas devem ser reconhecidas pelo regime de competência, ou seja, no momento da ocorrência de seu fato gerador, independentemente de seu efetivo recebimento; porém, quanto ao aspecto orçamentário, segundo o art. 35 da Lei n. 4.320/1964, as receitas são reconhecidas pelo regime de caixa, ou seja, pela arrecadação.
O relator destacou, ainda, que o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP) – 8ª edição esclarece que as transferências correntes constitucionais e legais são “aquelas que são arrecadadas por um ente, mas devem ser transferidas a outros entes por disposição constitucional ou legal”. Desse modo, “o ente recebedor deve reconhecer um direito a receber (ativo) no momento da arrecadação pelo ente transferidor em contrapartida de variação patrimonial aumentativa, não impactando o superávit financeiro”. Conforme o referido manual:
No momento do ingresso efetivo do recurso, o ente recebedor deverá efetuar a baixa do direito a receber (ativo) em contrapartida do ingresso no banco, afetando neste momento o superávit financeiro. Simultaneamente, deve-se registrar a receita orçamentária realizada em contrapartida da receita a realizar nas contas de controle da execução do orçamento.
Esse procedimento evita a formação de um superávit financeiro superior ao lastro financeiro existente no ente recebedor.
Outrossim, o relator destacou que a receita corrente líquida se vale do regime de caixa/arrecadação para ser apurada, nos termos do § 3º do art. 2º da LRF, que expõe ainda que a RCL não se vincula ao exercício financeiro, mas sim ao mês de sua apuração e os onze anteriores.
Dessa maneira, após afirmar que, nos termos do § 2º do art. 18 da LRF, as despesas com pessoal são calculadas da mesma forma, somando-se a despesa realizada no mês em referência com as dos onze meses anteriores, o relator consignou que, sendo a receita corrente líquida a base de cálculo para a apuração dos limites percentuais da despesa com pessoal dos entes federados, não há que se falar em exercícios financeiros, visto que a RCL é determinada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze imediatamente anteriores. Logo, asseverou que não importa em que mês ou exercício as transferências correntes foram reconhecidas, mas sim a data de seu efetivo recebimento, pois somente dessa forma ela será computada na RCL e influenciará no montante disponível para gastos com pessoal.
Quanto ao segundo questionamento, o relator salientou que este Tribunal, nos autos da Consulta n. 862594, de relatoria do conselheiro Sebastião Helvecio, fixou prejulgamento de tese no sentido de que os aportes financeiros realizados ao RPPS para a cobertura de déficit do Grupo Financeiro não compõem o cálculo do limite legal de gasto com pessoal da Prefeitura.
Entretanto, o relator elucidou que, em razão da edição da Lei Complementar n. 178/2021, o art. 19 da LRF sofreu alteração e passou a dispor explicitamente acerca dos aportes realizados para cobertura de déficit financeiro do RPPS. Com o acréscimo do § 3º do art. 19 da LRF, passou de obrigatória a proibida a não contabilização dos referidos aportes no cálculo da despesa total com pessoal do ente federado.
Desse modo, o relator ressaltou que o posicionamento anteriormente firmado na Consulta n. 862594 não mais coaduna com a legislação nacional vigente e, por isso, o cálculo do índice de pessoal realizado pela União, Estados e Municípios deve, obrigatoriamente, contabilizar os aportes realizados ao RPPS para a cobertura de déficit do Grupo Financeiro.
Ademais, para elucidar o teor do novel § 3º do art. 19 da LRF , o relator citou ainda os itens 40 e 41 da Nota Técnica SEI n. 18162/2021/ME, da Secretaria de Previdência Social, do Ministério da Economia (SPREV).
O relator salientou que, por força do § 1º, inciso VI, do art. 19, da Lei Complementar n. 101/2000, há despesas com inativos e pensionistas que devem ser deduzidas da despesa bruta para cálculo da despesa total com pessoal, são as provenientes: I) da arrecadação de contribuições dos segurados; II) da compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da Constituição; e III) de transferências destinadas a promover o equilíbrio atuarial do regime de previdência, na forma definida pelo órgão do Poder Executivo federal responsável pela orientação, pela supervisão e pelo acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos. Elucidou que, diferentemente do § 3º do art. 19 da LRF, o § 1º, inciso VI, do art. 19 apresenta quais despesas com RPPS não serão consideradas no cômputo do índice de pessoal, quais sejam, as custeadas com recursos vinculados.
Ao final, concluiu a relatoria que os recursos aportados para a cobertura de déficit financeiro dos regimes de previdência, assim como as despesas com pessoal inativo e pensionista custeadas com recursos não vinculados, não poderão ser deduzidas do cálculo do índice de pessoal do Município.
O parecer foi aprovado, à unanimidade, nos termos do voto do relator, ficando fixado prejulgamento de tese, com caráter normativo, no sentido de que:
a) sendo a receita corrente líquida a base de cálculo para a apuração dos limites percentuais da despesa com pessoal dos entes federados, não há que se falar em exercícios financeiros, visto que a RCL é determinada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze imediatamente anteriores. Sendo assim, não importa em que mês ou exercício as transferências correntes foram reconhecidas (créditos a receber), mas sim a data de seu efetivo recebimento, pois somente dessa forma ela será computada na RCL e influenciará no montante disponível para gastos com pessoal;
b) as receitas recebidas a título de transferências correntes constitucionais e legais somente serão consideradas para a apuração dos limites percentuais da despesa com pessoal dos entes federados no momento de seu efetivo recebimento, quando passarão a compor a receita corrente líquida, a qual é calculada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores e é a base de cálculo utilizada para apuração dos respectivos limites, conforme art. 2º, § 3º, e art. 19, caput, ambos da Lei Complementar n. 101/2000;
c) em face da alteração legislativa empreendida na Lei de responsabilidade Fiscal pela edição da Lei Complementar n. 178/2021, verifica-se que os recursos aportados para a cobertura de déficit financeiro dos regimes de previdência, assim como as despesas com pessoal inativo e pensionista custeadas com recursos não vinculados, não poderão ser deduzidas do cálculo do índice de pessoal do Município, nos termos do § 3º do art. 19 da Lei Complementar n. 101/2000. Por conseguinte, revoga-se a tese fixada pelo Tribunal Pleno no julgamento da Consulta n. 862594.
(Processo 1071447 – Consulta. Rel. Cons. Wanderley Ávila. Tribunal Pleno. Deliberado em 16/2/2022)