Deve haver indício de dolo de fraudar licitação para responsabilização de advogados públicos por parecer técnico-jurídico, decide TRF1

Ao julgar a apelação do Ministério Público Federal (MPF), a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que absolveu sumariamente o acusado, assessor jurídico municipal de Rio Casca/MG, da prática do crime de frustrar ou fraudar procedimento licitatório com o intuito de obter vantagem, para contratação de empresa para organizar as festividades de carnaval no município.

Na sentença, o Juízo da Subseção Judiciária de Ponte Nova/MG reconheceu a ausência de justa causa (ou seja, de um mínimo de indício de prova) em relação ao acusado, e o absolveu sumariamente, uma vez que a petição da acusação, no caso o MPF, não descreveu “qualquer situação que caracterizasse sua má-fé ou o conluio com os demais envolvidos”. O instituto da absolvição sumária está previsto no art. 397 do Código de Processo Penal (CPP).

Relator do processo, o juiz federal convocado Saulo Casali Bahia explicou que o simples fato de o acusado, como assessor jurídico do município, ter emitido parecer opinativo no procedimento licitatório em exame, atestando a regularidade dos documentos, não pode levar a sua responsabilização por ato tido como irregular, a não ser que seja evidente a ocorrência de dolo ou má-fé.

Prosseguiu o relator destacando que “o Plenário do STF reconheceu a impossibilidade de responsabilização dos advogados públicos pelo conteúdo de pareceres técnico-jurídicos meramente opinativos, salvo se evidenciada a presença de culpa ou erro grosseiro”.

Na conclusão do voto, observou o magistrado que a imunidade do advogado não impede sua responsabilização por supostas condutas criminosas praticadas no exercício de sua atividade, mas  há de haver indícios de que seu agir se deu com o dolo, no caso presente, de frustrar o caráter competitivo da licitação, de fraudar o certame e de se utilizar indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos, sem o que deve-se entender pela ausência de justa causa para a continuidade da ação penal, como o fez o juízo na sentença.

A decisão do colegiado foi unânime.

Processo 0000133-90.2019.4.01.3822

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

 

PENAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO E UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE BENS, RENDAS OU SERVIÇOS PÚBLICOS. PARECER JURÍDICO. ADVOGADO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INDÍCIOS DE DOLO. AUSÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. O Ministério Público Federal atribui ao acusado a prática dos crimes previstos nos arts. 90, caput, e 96, caput e inciso I, da Lei 8.666/1993, e no art. 1º, II, do Decreto-lei 201/1967, em concurso material, uma vez que, na qualidade de procurador do município de Rio Casca/MG, emitiu parecer favorável à licitação supostamente fraudada, para a contratação de empresa com vistas à organização e realização das festividades de carnaval naquela cidade.
2. O juízo reconheceu a ausência de justa causa em relação ao acusado, absolvendo-o sumariamente, uma vez que a peça acusatória não descreveu “qualquer situação que caracterizasse sua má-fé ou o conluio com os demais envolvidos”.
3. O instituto da absolvição sumária, previsto no art. 397 do CPP, possibilita ao magistrado, uma vez recebida a resposta escrita, julgar antecipadamente o mérito da acusação para absolver o denunciado, caso verifique, de forma manifesta, qualquer das situações previstas em seus incisos, quais sejam: a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; o fato narrado evidentemente não constituir crime; ou se encontrar extinta a punibilidade do agente.
4. O só fato de o acusado, como assessor jurídico do município, ter emitido parecer opinativo no Procedimento Licitatório 003/2010 – Pregão Presencial, atestando a regularidade dos documentos constantes do certame, salvo demonstração inequívoca de dolo ou má-fé, não pode importar em sua responsabilização individual por ato tido como irregular.
5. No julgamento do MS 24.631/DF, o Plenário do STF reconheceu a impossibilidade de responsabilização dos advogados públicos pelo conteúdo de pareceres técnico-jurídicos meramente opinativos, salvo se evidenciada a presença de culpa ou erro grosseiro.
6. É certo que a imunidade do advogado não obsta sua responsabilização por supostas condutas criminosas praticadas no exercício de sua atividade, mas é igualmente certo que há de haver indícios de que seu agir se deu com o dolo, no caso presente, de frustrar o caráter competitivo da licitação, de fraudar o certame e de se utilizar indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos, sem o que deve-se entender pela ausência de justa causa para a continuidade da ação penal, como o fez o juízo.
7. Desprovimento da apelação. (TRF1 – Proc. nº 0000133-90.2019.4.01.3822, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA (CONV.), 4ªT, e-DJF1 14/02/2022)

Leia aqui o inteiro teor do acórdão. 
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