Relatório de inspeção realizada em decorrência de representação formulada ao TCU envolvendo possíveis irregularidades em contratações celebradas no âmbito das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras) apontou, entre outras “não-conformidades”, a contratação direta por inexigibilidade de licitação, “sem demonstração regular e prévia de requisito legalmente previsto”, dos membros da Comissão Independente de Gestão da Investigação (Cigi), criada, mediante deliberação do Conselho de Administração da entidade, com o objetivo de apoiar tecnicamente o conselho nas investigações internas relacionadas com “atos e fatos apontados pela Operação Lava-Jato”.
A unidade técnica concluiu que os procedimentos de seleção utilizados pela Eletrobras para a contratação dos membros da Cigi, por inexigibilidade de licitação fundada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, não estariam de acordo com as normas que regem a matéria ou com as “melhores práticas de seleção de fornecedores”.
Instado a se manifestar, o Ministério Público de Contas (MPTCU) também concluiu pela irregularidade da contratação direta, sob o argumento de que a relação de atribuições da Cigi não se amoldaria à existência de qualquer característica, requisito, competência ou particularidade que pudesse conferir ao objeto características singulares, na medida em que representaria tão somente um trabalho de supervisão e controle das investigações que seriam conduzidas. Nesse sentido, segundo o MPTCU, haveria inúmeros escritórios e firmas de consultoria que teriam condições de participar de processo licitatório para esse objeto.
Em seu voto, o relator registrou sua discordância das instâncias precedentes. Ao tecer considerações quanto à legalidade do procedimento de inexigibilidade de licitação, o relator assinalou que a contratação direta com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993 exige simultaneamente a demonstração dos seguintes requisitos: (i) que o objeto se inclua entre os serviços técnicos especializados previstos no art. 13 da mencionada lei; (ii) que tenha natureza singular; e (iii) que o contratado detenha notória especialização. Segundo ele, no caso em apreço, a notória especialização dos quatro membros da Cigi (ex-diretor da CVM, ex-ministra do STF, conselheiro fiscal da Eletrobras e professor livre-docente de controladoria e finanças do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da UERJ) dispensava maiores digressões, por deterem inquestionável reputação e conhecimento nas áreas em que atuavam. Conforme o relator, o adequado acompanhamento das investigações no âmbito da estatal visando a apurar atos e fatos relacionados à Operação Lava Jato exigiriam conhecimento sobre mercado de capitais brasileiro e americano, legislação societária, legislação anticorrupção do Brasil e dos Estados Unidos e contabilidade, o que, para ele, parecia se amoldar aos perfis dos integrantes da Cigi.
Adentrando no exame da singularidade do objeto, enfatizou que tal conceito não pode ser confundido com unicidade, exclusividade, ineditismo ou mesmo raridade, isso porque, “se fosse único ou inédito, seria caso de inexigibilidade por inviabilidade de competição, fulcrada no caput do art. 25, e não pela natureza singular do serviço”. Além disso, o fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas “não impede que exista a contratação amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993”. Afirmou ainda não concordar com a argumentação do MPTCU no sentido de que “a falsa aparência de singularidade do objeto decorreu, na verdade, da definição vaga e imprecisa dos serviços que seriam contratados”, não havendo falar assim, sob a ótica do Parquet, em “singularidade do objeto, que foi caracterizado basicamente por um trabalho de supervisão e controle das investigações que seriam conduzidas”.
O relator ponderou que, em alguns tipos de contratação, deve ser observada a relação que existe entre a singularidade do objeto e a notória especialização, e que embora tal fato não possa ser tomado como regra geral, a singularidade do objeto muitas vezes decorre da própria notória especialização de seu executor. Para essa corrente doutrinária, frisou o relator, a notória especialização envolveria uma espécie de singularidade subjetiva, que estaria associada ao profissional que executa o objeto. Prosseguiu enfatizando que, em alguns tipos de objeto, a própria escolha dos contratados acaba dependendo de uma análise subjetiva, e que não poderia ser diferente, pois se a escolha pudesse ser calcada em elementos objetivos, a licitação não seria inviável. Seria ela impossível justamente porque há dificuldade de comparação objetiva entre as propostas, que estão atreladas aos profissionais que executarão os trabalhos. Destarte, “nesse tipo de objeto, resta caracterizada a discricionariedade na escolha do contratado”.
A corroborar sua assertiva, o relator invocou o Acórdão 204/2005-TCU-Plenário, do qual julgou oportuno transcrever o seguinte excerto: “16. Verifica-se, então, do entendimento desse texto que o Administrador deve, na situação do inciso II do art. 25, escolher o mais adequado à satisfação do objeto. O legislador admitiu, no caso, a existência de outros menos adequados, e colocou, portanto, sob o poder discricionário do Administrador a escolha do contratado, sob a devida e indispensável motivação, inclusive quanto ao preço, ao prazo e, principalmente, o aspecto do interesse público, que deverá estar acima de qualquer outra razão.”. Essa seria, a seu ver, a melhor interpretação da Súmula TCU 264, a de que a contratação de serviços por notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação. Nesse contexto, observou que os integrantes da Cigi não se limitaram a prestar meros serviços de supervisão e acompanhamento das investigações em curso na Eletrobras, mas emprestaram os seus nomes, sua reputação, para que os resultados alcançados fossem considerados isentos, imparciais e independentes, de forma a obter a aceitação dos órgãos reguladores e dos agentes de mercado. Embora isso não necessariamente tornasse os contratados da Cigi prestadores de serviço exclusivos, “não se pode olvidar que justifica sua contratação, caso presentes os requisitos exigidos para o enquadramento da contratação no inciso II do art. 25 da Lei 8.666/1993”.
Ademais, salientou que a impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento, aliada à discricionariedade do gestor na escolha dos profissionais a serem contratados, não autoriza a Administração a efetuar escolhas arbitrárias ou inadequadas à satisfação do interesse público. E arrematou: “A seleção deverá observar os critérios de notoriedade e especialização, sendo devidamente fundamentada no processo de contratação.”.
Assim sendo, o relator concluiu pela caracterização da singularidade do objeto em tela e que a escolha dos contratados fora devidamente motivada, no que foi acompanhado pelos demais ministros.
Nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento.
Acórdão 1397/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.