Não é típico o ato do servidor que se apropria de valores (peculato) que já lhe pertenceriam, em razão do cargo por ele ocupado, decide 4ªT do STJ

No caso, a conduta imputada às partes é a nomeação da ré para o exercício de cargo em Câmara Municipal, no gabinete do corréu. Segundo a narrativa do Parquet, essa conduta configurou o crime de peculato-desvio porque a ré apenas comparecia ao trabalho, para assinar o ponto sem, contudo, exercer suas atribuições do cargo e, dessa forma, não faria jus à remuneração percebida.

Extrai-se na situação fática que houve comunhão de esforços, a partir de janeiro de 2016, e teriam desviado, em proveito próprio, R$ 478.419,09, referentes aos vencimentos mensais da ré. Isso porque, embora cedida para trabalhar no gabinete do corréu na Câmara de Vereadores, desempenhava outras funções, não cumprindo com a carga horária semanal de 40 horas.

Todavia, não há imputação de que o corréu tomasse para si os vencimentos da ré, mas somente que a referida servidora não desempenhava, efetivamente, as funções para as quais foi nomeada. Tampouco o acórdão recorrido registra, em qualquer momento, que as verbas remuneratórias fossem destinadas a qualquer pessoa, além da própria ré.

Nos termos da jurisprudência deste STJ, não é típico o ato do servidor que se apropria de valores que já lhe pertenceriam, em razão do cargo por ele ocupado. Assim, a conduta da funcionária poderia ter repercussões disciplinares ou mesmo no âmbito da improbidade administrativa, mas não se ajusta ao delito de peculato, porque seus vencimentos efetivamente lhe pertenciam. Se o servidor merecia perceber a remuneração, à luz da ausência da contraprestação respectiva, é questão a ser discutida na esfera administrativo-sancionadora, mas não na instância penal, por falta de tipicidade.

Processo: AgRg no AREsp 2.073.825-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 22/08/2022.

Fonte: Superior Tribunal de JustiçaAutor: Informativo nº 746
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