STF julga contratação direta de advogados pela Administração Pública e necessidade de dolo para configuração de ato de improbidade administrativa

Teses fixadas:

“a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.”

Resumo:

É inconstitucional – em razão da necessidade da existência do dolo do agente – a previsão da modalidade culposa de ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, arts. 5º e 10, em sua redação originária).

Os atos de improbidade administrativa só se configuram se estiver presente o dolo do agente (elemento subjetivo intimamente relacionado com as ideias de desonestidade, deslealdade ou má-fé), não sendo suficiente sua culpa, ainda que grave.

Nesse contexto, a Lei nº 14.230/2021, ao estabelecer que para se configurar ato de improbidade administrativa é necessária sempre a conduta dolosa mediante ação ou omissão, somente corrobora o entendimento de que a improbidade administrativa sempre demandou a ocorrência do dolo.

Ademais, a imposição das severas sanções previstas para a improbidade administrativa, como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública e a indisponibilidade de bens, seria desproporcional e violadora de direitos fundamentais, caso aplicada a condutas meramente culposas.

É constitucional a contratação direta de advogados pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, se preenchidos os requisitos da lei e desde que não haja impedimento específico para a contratação desses serviços.

No caso, a inexigibilidade de licitação se justifica pela singularidade dos serviços advocatícios que impossibilita uma comparação objetiva em um processo licitatório e pela notória especialização do contratado.

Nesse processo discricionário, o gestor público possui certa liberdade na escolha do especialista que reputar o mais adequado à satisfação da utilidade pretendida com a contratação. Entretanto, essa liberdade não é absoluta, devendo ser pautada por critérios objetivos de confiabilidade, como a experiência do profissional, sua boa reputação e o grau de satisfação que ele obteve em outros contratos.

Por fim, se não houver norma específica do ente público que impeça a contratação direta, a simples existência de procuradores concursados não obsta, por si só, a contratação de advogados privados, desde que comprovada a real necessidade e preenchidos os requisitos legais.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta,

(i) por unanimidade, julgou prejudicado o RE 610.523/SP; e
(ii), por maioria, ao apreciar o Tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE 656.558/SP, a fim de restabelecer a decisão em que se julgou improcedente a ação, bem como fixou as teses anteriormente citadas.

Processo relacionado: RE 656.558/SP (Tema 309 RG)

NOTA DO ESCRITÓRIO

Observa-se que o julgado avaliou a contratação por inexigibilidade, ainda sob a égide da Lei nº 8.666/93. Por essa razão, se salienta a necessidade de que se cumpram os requisitos naquela lei elencados, o que explica a necessária menção à singularidade do objeto e à inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do poder público, aliada à notória especialização, ao procedimento formal e ao preço compatível com situações análogas, cobrado pelo contratado.

A Lei nº 14.133/21 (nova Lei de Licitações e Contratos), no art. 74, inciso III, alínea “e”, previu a contratação direta, por inexigibilidade, do patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, exemplos de serviços técnicos de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização. Não mais existe a menção expressa à singularidade, o que vai ao encontro de outras alterações legais.

Destaca-se o artigo 3º-A da atual redação do Estatuto da OAB, segundo o qual “os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.” Há, pois, uma lei que prescreve a singularidade total dos serviços profissionais de advogado.

Fonte: Supremo Tribunal FederalAutor: Informativo nº 1156
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