Cinge-se a controvérsia quanto à possibilidade de condenação solidária dos réus ao ressarcimento dos danos pela prática de ato de improbidade administrativa.
O art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992, incluído pela Lei n. 14.230/2021, estabeleceu que “Na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade”.
Quando do exame do Tema n. 1.199, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela irretroatividade da Lei n. 14.230/2021, ocasião em que se limitou, a Corte Suprema, a reconhecer a aplicação das novas normas às hipóteses em que evidenciada uma abolição da tipicidade da conduta, sem que tenha, ainda, ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Ao disciplinar o ressarcimento dos danos, quando da edição da Lei n. 14.230/2021, o legislador andara, claramente, ao largo do sistema de responsabilização por danos patrimoniais decorrentes de ato ilícito estabelecido desde o Código Civil de 1916.
A disparidade se evidencia, ainda, em relação a variadas outras normas a disciplinar o controle interno dos entes públicos, a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração, o sistema de licitações para celebração de contratos administrativos, a preverem a existência de solidariedade entre coautores/partícipes de atos ilícitos, conforme art. 74, §1º, da CF; art. 4º, §2º, da Lei n. 12.846/2013; e artigos 8º, §2º, 15, V, 41, IV, 73 e 121, §2º da Lei n. 14.133/2021.
O Código de Bevilácqua já dispunha, no início do século passado, no art. 1.518 que: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outros ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis como autores os cúmplices e as pessoas designadas do artigo 1.521”.
O Código Civil de 2002 também assim disciplinou a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes de atos ilícitos, na forma do art. 942.
Nesse sentido, a exegese que mais bem harmoniza o art. 17-C, §2º da LIA com o sistema de ressarcimento de danos causados por atos ilícitos é a de que, considerada as participações dos réus e as provas produzidas, em sendo possível ao julgador, deverá ele delimitar a responsabilidade de cada um dos demandados sobre os danos a serem ressarcidos de acordo com os seus comprovados desígnios.
Em havendo, no entanto, a atribuição de participações de mesma intensidade entre todos os demandados na realização do ato ímprobo e, assim, na causação dos danos, não sendo viável individualizar em relação àqueles que contribuíram igualmente no cometimento do ato ilícito a vontade de participar de determinada porção desse ato à qual se pudesse compartimentalizar o dano correlato, possível será o reconhecimento da solidariedade.
Sobre essa questão, conforme doutrina “[…] a única interpretação razoável do art. 17-C, §2º, da nova redação da LIA, é de que não há solidariedade entre os litisconsortes passivos quanto às sanções derivadas da condenação por ato de improbidade administrativa, como a multa civil e a perda do proveito próprio obtido por cada agente, ressalvado quanto à reparação do dano derivado daquele ato, que, em consonância com toda a secular construção legal e doutrinária sobre a responsabilidade por atos ilícitos, preconiza a solidariedade da obrigação passiva de reparação entre os agentes causadores”.
Com efeito, diferem, relevantemente, o ressarcimento dos danos e a aplicação das penas por força da condenação pela prática de atos ímprobos.
Na expectativa de garantir a observância do princípio da intranscendência da pena, previsto artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, o legislador de 2021 confundiu ressarcimento com sanção.
A natureza das sanções é personalíssima, incidindo o princípio constitucional da individualização das penas, razão por que a sua imputação considera a efetiva participação de cada um dos condenados no empreendimento ilícito.
O ressarcimento dos danos causados ao erário, por outro lado, decorre logicamente do reconhecimento do ato ilícito, da presença do dano efetivo e do nexo causal, e é informado pelo princípio da reparação integral, cabendo aos causadores do dano ao patrimônio da coletividade, a mais completa indenização.
Logo, são efetivamente diversas as naturezas ressarcitória e sancionatória, razão por que é possível a conclusão no sentido de que o art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992, dentro de uma interpretação sistemática com as demais normas do sistema jurídico brasileiro, é aplicável quando individualizáveis os desígnios dos agentes ativos do ato ilícito, mas não quando tenham, todos eles, participado em unidade de vontades no cometimento da improbidade, oportunidade em que se poderá atribuir a todos o dever de ressarcir integralmente os danos causados, na forma do art. 942 do CC.
Processo: AgInt no AREsp 1.485.464-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025, DJEN 10/4/2025.