TJ-SP devolve cargo de prefeito cassado com voto do filho do vice

O trâmite do processo político-administrativo deve observar as regras de procedimento, de modo especial de ordem ética, no sentido de que vereador que tenha interesse em determinada decisão, dela não participe, afastando-se. Neste cenário, é insubsistente o decreto de cassação com participação, de forma decisiva, do filho do vice-prefeito, com inequívoco interesse pessoal no resultado.

Com base nesse entendimento, a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a cassação do prefeito de Valparaíso, Roni Ferrareze (PV), e determinou que ele reassuma o cargo. Ferrareze teve o mandato cassado em fevereiro de 2018, acusado de planejar a abertura de empresas com intuito de fraudar licitações do município.

O relator, desembargador Jarbas Gomes, acolheu a tese da defesa de que houve vício na cassação do prefeito em razão da participação de um vereador impedido. Isso porque, conforme o advogado de Ferrareze, Renato Ribeiro de Almeida, o filho do vice-prefeito não poderia ter votado por ter interesse no afastamento do prefeito, o que beneficiaria seu próprio pai.

Para o relator, o voto do filho do vice-prefeito configura ofensa frontal à norma do Regimento Interno da Câmara Municipal de Valparaíso. “Manifesto o interesse do vereador no afastamento de Roni Cláudio do cargo de prefeito, cumpria ao presidente da sessão convocar o suplente para que, a seguir, o Plenário deliberasse sobre o relatório final, de modo a atender aos princípios positivados no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Patente, pois, a ilegalidade”, disse.

Ainda segundo Gomes, a prova que serviu de base à denúncia é “absolutamente desprovida de vitalidade jurídica”. Um ex-secretário apresentou uma gravação em áudio em que supostamente Ferrareze estaria discutindo fraude em licitações.

Para o TJ-SP, a gravação não pode ser usada como prova, pois, conforme perícia, além de os fragmentos terem sido selecionados exclusivamente pelo denunciante, o que impede a contextualização das falas, não é possível identificar os interlocutores, nem pelos nomes, nem pelos registros de voz.

“À vista dessas circunstâncias, incumbia à comissão processante, na fase de controle prévio de admissibilidade da denúncia, apurar se, efetivamente, havia indícios mínimos da autoria e mesmo da materialidade, tendo em conta que nenhuma das condutas ao impetrante concretizou-se, como está claramente narrado no relatório final. Todavia, a denúncia foi processada sem lastro em elemento de prova que pudesse ser efetivamente associado ao impetrante, o que resultou inegável afronta ao devido processo legal e ao exercício do direito de defesa”, afirmou o relator.

Diante de “vícios insanáveis”, a Câmara decidiu, por unanimidade, anular a cassação do prefeito e determinar sua recondução ao cargo a partir da publicação do acórdão.

Leia o acórdão.

Processo relacionado: 1000380-66.2018.8.26.0651

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria, colacionamos a ementa do aresto:

CONEXIDADE. Mandado de Segurança e Ação Anulatória. Reconhecimento, dada a identidade dos pedidos. Exame da doutrina. Reunião dos processos para julgamento conjunto. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. Mandado de Segurança. Reconhecimento, uma vez que dois dos impetrados, vereadores, não detêm competência para eventual desconstituição do ato colegiado produzido pela Câmara Municipal. Exame da doutrina e da jurisprudência. Processo extinto, sem resolução do mérito, em relação a esses litisconsortes, com base no artigo 485, incisos IV e VI, do Código de Processo Civil. Preliminar suscitada em contrarrazões acolhida. MANDATO ELETIVO. Prefeito. Insubsistente o decreto de cassação, uma vez que da votação que culminou com o afastamento do impetrante participou, de forma decisiva, o filho do vice-prefeito, com inequívoco interesse pessoal no resultado. Hipótese, ademais, em que a prova que instruiu a denúncia (áudio) é inábil para que se impute ao impetrante a autoria dos atos que deram azo ao seu afastamento, porque, além de manipulada pelo denunciante, não permite a identificação dos interlocutores, seja pelos nomes, seja pelos registros de voz. Violação do devido processo legal e a norma regimental e prejuízo à defesa. Exame da jurisprudência. Ordem concedida. CARÊNCIA DE AÇÃO. Ação Anulatória. Superveniência, uma vez que as questões de mérito relevante à solução da lide foram decididas no bojo do mandado de segurança. Processo extinto, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. RECURSO INTERPOSTO NO MANDADO DE SEGURANÇA PROVIDO, PREJUDICADO O APRESENTADO NA AÇÃO ANULATÓRIA. (TJSP; Apelação Cível 1000380-66.2018.8.26.0651; Relator (a): Jarbas Gomes; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Valparaíso – 1ª Vara; Data do Julgamento: 26/11/2019; Data de Registro: 26/11/2019)

Fonte: ConsultorJurídico - ConJur Autor: Tábata Viapiana
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