TRE-MT cassa diploma de vereador e de 16 suplentes por fraude à cota de gênero

O Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso cassou os diplomas de todos os candidatos que compuseram a Coligação Todos por Diamantino II (PTB, PSD e DEM) nas Eleições Municipais de 2016, por prática de abuso de poder consubstanciada na fraude à cota de gênero. Foram cassados os diplomas do vereador Edson da Silva e de 16 suplentes.

A decisão unânime é considerada histórica e com grande potencial pedagógico já para as eleições municipais deste ano, à medida que demonstra aos partidos e coligações que a Justiça Eleitoral atuará fortemente no combate as candidaturas laranjas.

Além de Edson da Silva, que foi eleito vereador, também tiveram seus diplomas cassados os suplentes: Sandro Ferreira, Luiz Carlos Gaino, Luiz Paulo Brito Ramos, Antonio Praxedes Capistrano, Clarice Rodrigues Martins, Walter Trindade Boabaid, Jamil Rodrigues Barroso, Natalino da Silva Barros, Alexander Ingmar Endlich, Kleyton Jose Aleixo da Silva, Joanilson Nascimento de Souza,  Abides de Oliveira Pires, Tatiane Rita Onori, Marly Terezinha Bruno, Geruza Araujo e Sandra da Silva Ferreira Cargnin.

O Pleno também declarou a inelegibilidade de Maria De Fátima Da Silva, Sandra da Silva Ferreira Cargnin, Geruza Araujo, Sandro Ferreira e Clarice Rodrigues Martins, que comprovadamente contribuíram para a prática da fraude, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição de 2016.

Por fim, a Corte Eleitoral de Mato Grosso declarou a nulidade dos votos conferidos a Coligação Todos por Diamantino II, devendo-se proceder à recontagem total, com novo cálculo do quociente eleitoral, a fim de se reajustarem as cadeiras na Câmara dos Vereadores do município de Diamantino, de acordo com os votos válidos remanescentes, excluídos os que decorreram da fraude.

Entenda o caso:

Em 2016, o Ministério Público Eleitoral interpôs duas ações: Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) contra Edson da Silva, Maria de Fátima da Silva, Sandro Ferreira, Luiz Carlos Gaino, Luiz Paulo Brito Ramos, Antonio Praxedes Capistrano, Clarice Rodrigues Martins, Walter Trindade Baobaid, Jamil Rodrigues Barroso, Natalino Da Silva Barros, Alexander Ingmar Endlich, Joanilson Nascimento De Souza, Kleyton José Aleixo Da Silva, Abides De Oliveira Pires, Tatiane Rita Onori, Marly Terezinha Bruno, Geruza Araujo, Sandra Da Silva Ferreira Cargnin e Coligação Todos Por Diamantino II.

De acordo com o Ministério Público Eleitoral, os candidatos citados acima cometeram, no pleito de 2016, fraude na composição da lista de candidatos às eleições proporcionais para o atendimento da denominada cota de gênero. A norma infringida está prevista no art. 10, § 3°, da Lei nº 9.504/97, segundo a qual, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais.

O juiz da 7ª Zona Eleitoral de Diamantino-MT analisou as ações e as julgou improcedentes por entender que não restou comprovada fraude apta a atingir a lisura e a legitimidade do pleito. O Ministério Público Eleitoral recorreu destas meio de recursos interpostos no Tribunal Regional Eleitoral.

Responsável pela relatoria do recurso, o juiz-membro Bruno D’ Oliveira Marques explicou que as provas apontadas no processo são aptas a comprovar que três candidatas apresentadas pela Coligação, participaram do pleito como “laranjas”, ou seja, se candidataram, não para participar de maneira efetiva da corrida eleitoral, mas apenas, para que a Coligação atingisse o percentual de 30% de candidaturas femininas, conforme determina a legislação.

“A candidata Maria de Fátima da Silva não recebeu nenhum voto, enquanto as candidatas Sandra da Silva Ferreira e Geruza Araujo receberam, respectivamente, 1 e 3 votos. Essa desproporção se reflete também nos valores aplicados em campanha. As três declararam ter gastado a idêntica quantia de R$ 600,00 em suas campanhas. As semelhanças na contabilidade das candidatas não residem somente aí: todas receberam doações de serviços estimáveis em dinheiro nos valores de R$120,00 (produção de programa para TV) e R$350,00 (santinhos impressos) recebidas do candidato a Prefeito, Eduardo Capistrano de Oliveira e todas declararam os mesmos gastos, sendo R$300,00 para Assessoria e consultoria jurídica na prestação de contas R$300,00 para Assessoria e consultoria contábil na prestação de contas”.

Ainda em seu voto, o relator ressaltou que Maria confessou em juízo, que não se interessava por política, mas que se candidatou a pedido do esposo da patroa Clarice Rodrigues, que era candidata a vereadora. Já Sandra, em depoimento, afirmou que disponibilizou seu nome para concorrer ao cargo de vereador a fim de ‘fechar a cota de mulheres’ e que assim o fez para ajudar o irmão, Sandro Ferreira, também candidato ao cargo de vereador. Geruza também confirmou em depoimento que se candidatou para ajudar Sandro, que é seu esposo.

“Sandra esclareceu que os demais candidatos, pertencentes a coligação, tinham pleno conhecimento e ciência de sua candidatura fictícia, inclusive tal condição foi debatida em reuniões, pois todos estavam cientes que caso o percentual não fosse alcançado os pretensos candidatos não poderiam concorrer”.

Leia o acórdão.

Processo relacionado: 0000437-49.2016.6.11.0007

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ORDINÁRIOS EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) E AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME) JULGADOS CONJUNTAMENTE. LITISPENDÊNCIA. CRITÉRIO DA IDENTIDADE DE RELAÇÃO-JURÍDICA BASE. EXTINÇÃO DA AIME SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ABUSO DO PODER. FRAUDE. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. COTA DE GÊNERO. SENTENÇAS DE IMPROCEDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 10, § 3°, LEI N°. 9.504/97 E AO ART. 5°, I, DA CF. PROVA INCONTESTE. EFEITO JURÍDICO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. NULIDADE DOS VOTOS ATRIBUÍDOS AOS CITADOS CANDIDATOS. RECONTAGEM TOTAL DOS VOTOS. NOVO CÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. LEADING CASE RESPE 19392. VALENÇA DO PIAUÍ. DISCUSSÃO PACIFICADA. PARCIAL PROVIMENTO. SENTENÇAS REFORMADAS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Havendo identidade de partes, pedido e causa de pedir entre a AIJE e AIME deve ser reconhecida a litispendência, extingue-se a AIME, sem julgamento de mérito, por ter sido proposta posteriormente. Precedentes do e. TSE.
2. O Juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos com fundamento na liberdade de organização política, na prevalência da liberdade individual de escolha dos participantes do pleito e, por fim, em respeito à vontade do eleitor.
3. O Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do REspe 19392, Valença do Piauí-PI, fixou balizas para o reconhecimento na fraude na cota de gênero de candidaturas, que representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3°, da Lei n° 9.504/97 – a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana -, de forma que a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie.
3.1. Na linha desse precedente do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, caracterizada a fraude, o efeito jurídico correspondente será a cassação dos diplomas de todos os candidatos que concorreram pela coligação, independentemente de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para as eleições futuras.
3.2. A cassação dos diplomas impõe a declaração de nulidade dos votos atribuídos aos candidatos, com a imperiosa recontagem dos votos válidos para a fixação de novo cálculo do quociente eleitoral.
4. No caso concreto, merece reforma a sentença proferida na ação de investigação judicial eleitoral, na medida em que é inescapável a conclusão de que, os claros indícios de maquiagem contábil, associados à confissão em juízo das candidatas envolvidas e um candidato integrante da mesma coligação, a ausência ou quantidade ínfima de votos, a disputa pelo mesmo cargo e pela mesma coligação/partido político de parentes (cônjuge e irmão) e empregadores (mantida a relação de emprego), sem nenhuma notícia de animosidade entre eles, são suficientemente aptos a demonstrar a fraude, na linha do paradigma fixado pelo TSE para as Eleições 2016.
5. Face ao viés jurisprudencial consolidado no e. TSE e em observância ao art. 489, § 1°, inc. VI do NCPC, não há como deixar de observar o entendimento assentado nos precedentes da Corte Superior, motivo pelo qual é forçoso decretar a cassação dos diplomas de todos os candidatos que compuseram a Coligação Todos por Diamantino II (PTB, PSD e DEM) nas Eleições 2016.
6. A sanção de inelegibilidade, por seu caráter personalíssimo, deve ser aplicada apenas àqueles que concorreram para a prática do fato como autores ou partícipes.
7. Parcial provimento ao recurso interposto na Ação de Investigação Judicial Eleitoral. (TRE-MT – Proc. nº 0000437-49.2016.6.11.0007, Rel. Des. BRUNO D’OLIVEIRA MARQUES, julgado em 15.09.2020)

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