É inconstitucional lei que inclua no conceito de “manutenção e desenvolvimento do ensino” o pagamento dos servidores inativos da área da educação

Percentual mínimo aplicável em ensino
A Constituição prevê que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão destinar um percentual mínimo do que for arrecadado com impostos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Veja:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e o desenvolvimento do ensino.

Lei Complementar do Estado de São Paulo criou a SSPREV
A Lei Complementar 1.010/2007, do Estado de São Paulo, criou a São Paulo Previdência (SPPREV), entidade gestora do regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais.
Até aí, tudo bem. O problema foi que os arts. 26 e 27 dessa Lei permitiram que o Estado de São Paulo considerasse, como dinheiro investido em ensino (art. 212 da CF/88), as despesas de natureza previdenciária.

Essa previsão é constitucional?
NÃO.
As despesas com encargos previdenciários não podem ser computadas como aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento de ensino, para os fins do art. 212 da CF/88.

O art. 22, XXIV, da C/88 estabelece que a União possui competência privativa para fixar as diretrizes e bases da educação nacional:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…)
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;
(…)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Em complemento, a Constituição também conferiu primazia à União ao imputar-lhe a competência para estabelecer normas gerais sobre educação e ensino, reservando aos Estados e ao Distrito Federal um espaço de competência suplementar:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
IX -educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

No exercício desta competência legislativa, foi promulgada a Lei no 9.394/96. Esta lei geral – aplicada de forma equânime a todo o território nacional – prevê quais despesas podem ser consideradas como realizadas na manutenção e desenvolvimento do ensino. Veja:

Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:
I – remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;
II – aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
IV – levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;
V – realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;
VI – concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;
VII – amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;
VIII – aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:
I – pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;
II – subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural; III – formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;
IV – programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;
V – obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;
VI – pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Assim, não há como se considerar válida lei estadual que inclua no conceito de “manutenção e desenvolvimento do ensino” o pagamento dos servidores inativos da área da educação, em arrepio às disposições da Lei de Diretrizes e Bases, que consiste em legítimo exercício da competência legislativa da União, constitucionalmente assegurado.

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E FINANCEIRO. EDUCAÇÃO. ARTS. 26, I, E 27 DA LEI COMPLEMENTAR 1.010/2007 DO ESTADO DE SÃO PAULO. CÔMPUTO DE DESPESAS COM PREVIDÊNCIA E INATIVOS PARA EFEITO DE CUMPRIMENTO DE VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL ORÇAMENTÁRIA EM EDUCAÇÃO. COMPETÊNCIA PARA EDIÇÕES DE NORMAS GERAIS DE EDUCAÇÃO JÁ EXERCIDA PELA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE LEI ESTADUAL DISPOR DO ASSUNTO DE FORMA DIVERSA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 22, XXIV, 24, IX § 1º § 4°; 212 CAPUT, E 167, VI. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. A Constituição prevê o dever de aplicação de percentual mínimo para investimentos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
2. A definição de quais despesas podem ou não ser consideradas como manutenção e desenvolvimento de ensino é definida em regra geral de competência da União, qual seja, os artigos 70 e 71 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de n° 9.394/1996. Disposição diversa de lei local significa afronta aos arts. 22, XXIV, e 24, IX da CRFB.
3. O cômputo de despesas com encargos previdenciários de servidores inativos ou do déficit de seu regime próprio de previdência como manutenção e desenvolvimento de ensino importa em violação a destinação mínima de recursos exigida pelo art. 212 da CRFB, bem como à cláusula de não vinculação de impostos do art. 167, IV da CRFB.
4. Ação julgada parcialmente procedente para: (i) declarar a inconstitucionalidade integral do art. 26, I da Lei Complementar nº 1.010/2007 do Estado de São Paulo e (ii) declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto do art. 27 da Lei Complementar nº 1.010/2007 do Estado de São Paulo, para que os valores de complementação ao déficit previdenciário não sejam computados para efeitos de vinculação ao investimento mínimo constitucional em educação. (STF – ADI 5719, Rel. Min EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 08-09-2020 PUBLIC 09-09-2020)

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