Para atingir os 70% do FUNDEB, pode-se reajustar remuneração ou alterar estrutura de carreira, mesmo diante das vedações da LC nº 173/2020, decide TCE-MG

Trata-se de consulta formulada por prefeito municipal, por meio da qual questiona:

– “Para atingir o novo índice obrigatório de 70% de gastos com profissionais da educação básica, pode o município majorar salários/direitos desses profissionais numa eventual reforma do plano de carreiras do município, mesmo vedado na LC173/2020?”;
– “Pode o município criar 02 cargos para atuarem na Educação Básica, autorizados na Lei Federal 13.935/2019 sem violar os dispositivos da LC 173/2020, utilizando-se do FUNDEB 70%?”
– “Acerca dos Recursos do FUNDEB e ENSINO, tais recursos podem ser utilizados para aquisição de um imóvel para funcionamento da sede da Sec.Mun.de Educação?”.

A Consulta foi admitida por unanimidade, em Sessão Plenária do dia 25/8/2021.

No mérito, o relator, conselheiro Sebastião Helvecio, votou pela revogação da tese aprovada quando da deliberação da Consulta 1095502, nos termos do art. 210-A, do Regimento Interno, e pela aprovação da seguinte tese: a) a vedação de que trata o art. 8º, I, da LC 173/2020 compreende a concessão de revisão geral anual (art. 37, X, CR) bem como a majoração de salário, ainda que concedida a fim de atender ao mínimo destinado aos salários dos profissionais da educação básica em exercício (art. 26, Lei 14.113/2020 c/c art. 212-A, XI, CR); b) os recursos advindos do Fundeb podem ser utilizados para aquisição de imóvel destinado a órgão do sistema municipal de ensino, desde que observado o disposto na Lei 14.133/2021 – sobretudo no que se refere ao mínimo a ser destinado à remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício – e nas demais normas de Direito Público por ventura aplicáveis.

Em votação na sessão plenária de 25/8/2021, o conselheiro Cláudio Couto Terrão solicitou vista processual; ao retornar com o processo, na sessão plenária do dia 20/10/2021, divergiu do relator. Como manifestou na Sessão do dia 25/8/2021, na deliberação das Consultas 1098422, e 1072519, entendeu que a tese estabelecida na Consulta 1095502 não está em desacordo com a declaração de constitucionalidade promovida pelo Supremo Tribunal Federal nas referidas ações de controle concentrado e, em razão dessa premissa, abriu divergência em relação ao voto condutor. Conforme a análise divergente, não há unanimidade entre os Tribunais de Contas acerca do alcance da revisão geral anual pelas vedações contidas no art. 8º da LC 173/2020, notadamente no inciso I. Já se manifestaram pelo descabimento de aplicação da revisão geral anual no período descrito no caput do art. 8º o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES) e o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). No âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE/CE), foi divulgada a Nota Técnica SECEX 02/21, no mesmo sentido, com a ressalva de que representa a opinião da Unidade Técnica, sem constituir prejulgamento de tese ou apresentar caráter normativo.

Em contrapartida, os Tribunais de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), dos Municípios do Estado da Bahia (TCM/BA) e o dos Municípios do Estado de Goiás (TCM/GO) consideram que a revisão geral anual não foi vedada pelas normas temporárias, devendo ser observados os índices oficiais, a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Foi nesse sentido que se posicionou esta Corte, no parecer emitido na Consulta 1095502, quando ponderou que a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos não representa aumento real, mas apenas recomposição dos efeitos da inflação. O conselheiro Cláudio Couto Terrão entendeu que não procede a assertiva segundo a qual os posicionamentos contrários à possibilidade de aplicação da revisão geral anual durante o regime da LC 173/2020 seguem o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Em atenta leitura não verificou qualquer menção à revisão geral anual na fundamentação do provimento em controle concentrado, limitando-se a concluir que, com a LC 173/2020, “não houve redução do valor da remuneração dos servidores públicos, uma vez que apenas proibiu-se, temporariamente, o aumento de despesas com pessoal para possibilitar que os entes federados enfrentem as crises decorrentes da pandemia”. Na divergência, o conselheiro Cláudio Couto Terrão citou a decisão monocrática proferida na Reclamação 48538, do ministro Alexandre de Moraes, que por meio da qual cassou os pareceres emitidos pelo TCE/PR nas Consultas 447230/2020 e 96972/2021, que firmavam entendimento de que a Lei Complementar 173/2020 não é óbice para a concessão da revisão geral anual, para expressar seu entendimento de que o pronunciamento monocrático exarado no âmbito do Supremo Tribunal Federal reproduziu a frequente confusão visualizada na doutrina e na jurisprudência entre os institutos da revisão e do reajuste, que não se equivalem, sendo que o último está abarcado pelas restrições da Lei Complementar 173/2020 e a primeira não.

Sendo assim, sob a ótica do conselheiro Cláudio Couto Terrão, no âmbito deste Tribunal há prejulgamento de tese, com caráter normativo, no sentido de que as vedações do art. 8º da LC 173/2020 não obstam a recomposição da perda inflacionária sofrida pela remuneração dos servidores ou do subsídio dos agentes políticos no período de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19, sendo que, no seu entender, as decisões do STF nas ADI 6.442, 6.447, 6.450 e 6.525 não se pronunciam sobre esse tema.

Portanto, o conselheiro Cláudio Couto Terrão entendeu que não há incompatibilidade com a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade nas ADI 6.442, 6.447, 6.450 e 6.525.

Pelo mesmo motivo, o conselheiro Cláudio Couto Terrão analisou o primeiro questionamento sob perspectiva diversa da do relator, e esclareceu que a Lei 14.113/2020 alterou não apenas o percentual mínimo dos recursos a serem utilizados para pagamento de remuneração, de 60% para 70%, mas também os seus beneficiários, antes “profissionais do magistério da educação básica” e agora “profissionais da educação básica”, alargando o rol de profissionais inseridos na nova regra, conforme deliberado na Consulta 1098272, na sessão plenária de 28/4/2021.

Citou ainda que somente a contabilização das novas categorias já pode ser suficiente para atingir o percentual mínimo dos 70%. Ainda assim, salientou a Consulta 1098501, que firmou precedente nesta Corte, quando o cumprimento do piso nacional do magistério foi contextualizado com o período de excepcionalidade de que trata a LC 173/2020. Assim sendo, o art. 8º da LC 173/2020 vedou o aumento de remuneração excepcionando determinações legais anteriores à situação de calamidade pública, nos termos do art. 5º da Lei 11.738/2008.

Assim, o conselheiro Cláudio Couto Terrão analisou a dúvida do consulente sob a perspectiva que visualizou as disposições legais de forma sistêmica. Então, há que se reconhecer que a Lei 14.113/2020 regulamentou as alterações no texto da CF, trazidas pela EC 108/2020, entre as quais se encontra o aumento do percentual mínimo de aplicação do Fundeb em remuneração para 70%, que agora consta no art. 212-A, XI, do diploma maior.

Entendeu, portanto, o conselheiro Cláudio Couto Terrão, que não pareceu coerente que o legislador/constituinte, no plano nacional, aprovasse essa alteração nas disposições relativas ao Fundeb, sem regime transitório, caso houvesse incompatibilidade de natureza política com as ações em curso para combate à pandemia.

Destarte, votou o conselheiro Cláudio Couto Terrão por responder ao consulente em seu primeiro questionamento que as vedações do art. 8º da LC 173/2020 não obstam a aplicação do novo percentual mínimo de aplicação do Fundeb em remunerações dos profissionais da educação básica, ainda que, para atingi-lo, seja necessário promover o reajuste de remuneração ou a alteração da estrutura de carreira que implique aumento de despesa no período compreendido entre 28/05/20 e 31/12/21.

Ainda destacou que é possível a aplicação da revisão geral anual dos vencimentos dos referidos profissionais, na medida em que não caracteriza aumento real, limitada à recomposição dos efeitos da inflação, na forma do inciso VIIIdo art. 8º da Lei Complementar nº 173/20.

Por fim, o Conselheiro Cláudio Couto Terrão ressaltou que o art. 26 da Lei 14.113/2020 alargou a abrangência dos profissionais da educação básica, podendo ter suas remunerações contabilizadas para aferição do percentual mínimo de utilização dos recursos do Fundeb.

E nesse sentido, destacou que, nos termos do § 3º do art. 25 da mesma lei, até 10% dos recursos recebidos à conta dos Fundos, inclusive relativos à complementação da União, nos termos do § 2º do art. 16 desta Lei, poderão ser utilizados no primeiro quadrimestre do exercício imediatamente subsequente, mediante abertura de crédito adicional.

Fica aprovado o voto vista do Conselheiro Cláudio Couto Terrão, vencidos, em parte, o relator, conselheiro Sebastião Helvecio, e o conselheiro Durval Ângelo.

Leia o acórdão.

Processo relacionado: 1098573 – Consulta. Rel. Cons. Sebastião Helvecio. Tribunal Pleno. Deliberado em 20/10/2021)

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo a matéria colacionamos a ementa do acórdão:

CONSULTA. ADMISSIBILIDADE PARCIAL. QUESTIONAMENTO JÁ RESPONDIDO. MÉRITO. FUNDEB. RECURSOS. APLICAÇÃO DE NOVO PERCENTUAL MÍNIMO. REMUNERAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA. AUMENTO DE DESPESA. EQUILÍBRIO FISCAL. NECESSÁRIO ATENDIMENTO AO ART. 212-A, XI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL. DESTINAÇÃO A ÓRGÃO DO SISTEMA DE ENSINO. OBSERVÂNCIA AO DISPOSTO NA LEI N. 14.113/2020.
1. A formulação de questionamento já respondido em consulta anterior, salvo quando o Conselheiro entender pela necessidade de propor a revogação ou reforma da tese vigente, impõe a inadmissão (total ou parcial) da consulta, nos termos do inciso V do § 1º do art. 210-B do Regimento Interno.
2. As vedações do art. 8º da Lei Complementar nº 173/20 não obstam a aplicação do novo percentual mínimo de aplicação do Fundeb em remunerações dos profissionais da educação básica, ainda que, para atingi-lo, seja necessário promover o reajuste de remuneração ou a alteração da estrutura de carreira que implique aumento de despesa no período compreendido entre 28/05/20 e 31/12/21.
3. É recomendável que o gestor público avalie as alternativas possíveis que melhor acomodem o cumprimento do percentual mínimo de aplicação do Fundeb em remunerações dos profissionais da educação básica com o equilíbrio fiscal e a sustentabilidade das contas públicas, a salvaguardar, de modo global, a proporção entre receitas e despesas, lançando mão, se necessário, da previsão contida no § 3° do art. 25 da Lei n° 14.113/20.
4. É imprescindível, para a não incidência das vedações do art. 8º da Lei Complementar nº 173/20, que eventuais medidas que aumentem a despesa com pessoal sejam adotadas exclusivamente com o objetivo de atender ao disposto no art. 212-A, XI, da Constituição da República.
5. Os recursos advindos do Fundeb podem ser utilizados para aquisição de imóvel destinado a órgão do sistema municipal de ensino, desde que observado o disposto na Lei n. 14.113/2020 sobretudo no que se refere ao mínimo a ser destinado à remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício e nas demais normas de Direito Público porventura aplicáveis. (TCE-MG – CONSULTA n. 1098573. Rel. CONS. SEBASTIÃO HELVECIO. Sessão do dia 20/10/2021. Disponibilizada no DOC do dia 04/11/2021)

Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Autor: Informativo de Jurisprudência nº 238
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