Candidato excluído de cota racial em concurso da PRF terá direito a reavaliação, decide TRF5

Um candidato excluído da lista de aprovados na cota racial da primeira fase do concurso da Polícia Rodoviária Federal, por determinação da comissão de heteroidentificação do certame, terá direito a ser reavaliado. Foi o que decidiu, por unanimidade, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5.

O Edital Concurso PRF nº 1/2021, que rege o certame, estabelece, simultaneamente, os sistemas de autoidentificação (em que os próprios candidatos declaram sua raça) e heteroidentificação (em que a confirmação da identificação étnico-racial de uma pessoa é feita por terceiros), para assegurar aos concorrentes o acesso às vagas reservadas.

Com base nos critérios fenotípicos (aspectos relacionados à aparência da pessoa, como o formato dos olhos, a tonalidade da pele, a cor e a textura do cabelo), a comissão de heteroidentificação do concurso concluiu que o candidato não se enquadrava como pessoa parda, conforme havia declarado no momento da inscrição no certame.

Ao apreciar o recurso do candidato, a comissão manteve a decisão, mas apenas um dos integrantes fundamentou seu entendimento. Os outros dois embasaram a conclusão em afirmação genérica, que poderia ser perfeitamente aplicável a qualquer pessoa. Para a Terceira Turma do TRF5, essa situação configura indício de irregularidade, uma vez que todos os atos administrativos devem ser devidamente motivados.

Em seu voto – integralmente acompanhado pelos demais integrantes da turma –, o desembargador federal Cid Marconi, relator do processo, determinou que o candidato seja reavaliado por uma nova comissão de heteroidentificação, cujos integrantes não poderão ser informados de que revisam, por decisão judicial, o trabalho do grupo anterior. Eles também deverão especificar, concretamente, as características fenotípicas que fundamentem sua conclusão.

Processo nº 0800941-66.2022.4.05.0000

NOTA DO ESCRITÓRIO

Em acréscimo à matéria colacionamos a ementa do acórdão:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL.  COTAS RACIAIS. EXCLUSÃO DO AGRAVADO DA CONDIÇÃO DE COTISTA. AUTODECLARAÇÃO FEITA PELO CANDIDATO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. EXAME DE VERIFICAÇÃO DO FENÓTIPO PELA COMISSÃO EXAMINADORA. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ANULAÇÃO DO ATO DE EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NA QUESTÃO ADMINISTRATIVA PARA ANÁLISE DE FENÓTIPO. REAVALIAÇÃO DA CANDIDATA POR NOVA COMISSÃO.
1. Agravo de Instrumento interposto pela União Federal em face de decisão que deferiu a tutela provisória para determinar a participação do Agravado no Curso de Formação e demais fases do concurso público para o cargo de Policial Rodoviário Federal (Edital 01/2021), se não houver impedimento por outro motivo.

2. A atribuição do efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento é excepcional, e reclama a presença da relevância da argumentação e a ocorrência – ou a possibilidade – de lesão grave e de difícil reparação, que possa decorrer do ato impugnado, requisitos esses cuja presença há de ficar patenteada no exame perfunctório que ora é dado empreender.
3. A Lei nº 12.990/2014 estabelece cota de 20% (vinte por cento) das vagas em concursos públicos realizados no âmbito da Administração Pública Federal, das Autarquias, das Fundações Públicas, das Empresas Públicas e das Sociedades de Economia Mista controladas pela União Federal (art. 1º) para os que se declararem negros (pretos ou pardos) no ato da inscrição no concurso público (art. 2º).
4. O Supremo Tribunal Federal declarou a compatibilidade dessa Lei com a Constituição no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186.
5. Com relação à Lei n. 12.990/2014, além da declaração de constitucionalidade, a Suprema Corte fixou as seguintes teses: a) é constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta; b) é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada à dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. (STF – ADC 41, Rel. Ministro Roberto Barroso, Pleno, julgado em 08/06/2017, DJe 17/08/2017).
6. Da análise dos autos, observa-se que a Lei e o Edital apresentam os Sistemas de autoidentificação e de heteroidentificação, de modo que não é suficiente, para garantir ao candidato o acesso às vagas reservadas por cor ou raça, o fato de ele se autodeclarar negro/pardo. Cabe, assim, à Administração Pública analisar se procede ou não esse autoenquadramento.
7. No caso dos autos, no entanto, há indícios de irregularidade no ato da Administração que excluiu o Agravado da lista de aprovados na cota para negros e pardos. A Comissão do Concurso entendeu que o Agravado não se enquadrava, segundo os critérios fenotípicos, como pessoa negra/parda; contudo, essa decisão não foi devidamente motivada por dois dos integrantes da comissão, não havendo a desconstrução da eficácia da autodeclaração.
8. Observa-se, assim, que a eliminação do candidato do certame foi desprovido do necessário fundamento, pois embasada apenas em afirmação genérica, que poderia ser perfeitamente aplicável a qualquer pessoa, não estando a atuação da Administração, portanto, em consonância com a interpretação que melhor atende ao princípio da motivação dos atos administrativos.
9. Acerca da matéria, esta Corte já decidiu no sentido que é nula, por ausência de motivação, a decisão da Banca que, por sua generalidade, se prestaria a embasar qualquer outra decisão. (TRF5 – Processo 08100892720174058100, Apelação Cível, Rel. Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, 4ª Turma, Julgamento: 25/06/2018).
10. Contudo, ainda que o ato administrativo, que considerou que o candidato não tinha fenótipo compatível com a vaga destinada aos cotistas, padeça de vício formal, isto não autoriza, por óbvio, que o Agravado seja simplesmente considerado como enquadrado.
11. Da mesma forma, também não é possível que o Judiciário adentre no mérito administrativo, para aferir se o Agravado possui fenótipo apto a incluí-lo entre os beneficiários da política afirmativa, de modo que deve ser determinada, portanto, a sua reavaliação por uma nova Comissão (que deverá atuar às cegas, não podendo ser informada que estará revisando, por decisão Judicial, o trabalho da Comissão anterior), e que, ademais, deverá especificar, concretamente, a(s) característica(s) fenotípica(s) que motivam o (não) enquadramento do Recorrido como cotista.
12. Nesse sentido, trago julgados desta Terceira Turma, “in verbis”:  Processo 08099842520184058000, Apelação Cível, Rel. Desembargador Federal Fernando Braga Damasceno, 3ª Turma, Julgamento: 17/12/2020; e Processo 08015497420194058308, Apelação Cível, Rel. Desembargadora Federal Isabelle Marne Cavalcanti de Oliveira Lima (Convocada), 3ª Turma, Julgamento: 10/12/2020.
13. Agravo de Instrumento provido em parte para reformar parcialmente a decisão recorrida, determinando que o Agravado seja reavaliado por uma nova Comissão. (TRF5 – Proc. nº 0800941-66.2022.4.05.0000, Rel. Des. Fed. CID MARCONI, 3ªT, julgado em 23.06.2022)

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