Não existe sucumbência recíproca quando o valor arbitrado na condenação for menor que o indicado no pedido indenizatório. Aplicação da Súmula 326/STJ mesmo após o CPC/15.

No caso presente tem-se substancial discrepância entre o quantum pleiteado a título de indenização e o valor arbitrado pelas instâncias de origem, o que poderia sugerir a sucumbência prevalente dos autores da demanda.

O art. 292, V, da nova lei processual dispôs que o valor da causa nas ações indenizatórias – inclusive aquelas fundadas em danos morais – deve corresponder ao valor pretendido, ensejando controvérsia doutrinária sobre a manutenção do entendimento consagrado na Súmula n. 326/STJ, segundo o qual “[n]a ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.

Em essência, o entendimento sumulado pautou-se pela premissa lógico-jurídica de que, “fixado o valor indenizatório menor do que o indicado na inicial, não se pode, para fins de arbitramento de sucumbência, incidir no paradoxo de impor-se à vítima o pagamento de honorários advocatícios superiores ao deferido a título indenizatório” (AgRg no Ag n. 459.509/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 19/12/2003).

Além disso, considera-se que “a pretensão inicial [indenização por danos morais], pela natural dificuldade de ser aferida a lesão moral, é de ser considerada meramente estimativa pelo autor, de modo que na eventualidade de ser fixado um quantum inferior, isso não o transforma em parcialmente vencido. Vencido é, apenas, o réu, desde que haja condenação, como acontece na hipótese em comento” (REsp n. 432.177/SC, relator Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJ de 28/10/2003).

Esses pressupostos subsistem e não foram superados tão só pelo fato de que o art. 292, V, do CPC/2015 passou a exigir que o autor da demanda indique – exclusivamente para o fim de se estipular o valor da causa, com possível repercussão nas custas processuais e, eventualmente, na competência do órgão julgador -, em caráter meramente estimativo, o valor pretendido a título de reparação pelos danos morais que diz haver suportado.

Efetivamente, contraria a lógica reparatória, direito elevado ao status constitucional pela Carta de 1988 – art. 5º, V e X – o provimento jurisdicional que, declarando a ilicitude do ato e o direito da vítima à indenização, com a condenação do ofensor no pagamento de prestação pecuniária, impõe àquela a obrigação de custear os encargos processuais sucumbenciais em montante que supera o valor arbitrado para fins de ressarcimento.

A proposta se revela ainda menos plausível quando se considera que o arbitramento do valor da indenização é de competência exclusiva do órgão judiciário, com elevada carga de subjetividade, sendo de pouca influência a estimativa que o demandante faz em sua petição inicial. Nesse sentido, basta ponderar que nem mesmo a revelia do réu seria capaz de ensejar o acolhimento incondicional do valor indicado pelo autor da ação.

Com efeito, o valor sugerido pela parte autora para a indenização por danos morais traduz mero indicativo referencial, apenas servindo para que o julgador pondere a informação como mais um elemento para a árdua tarefa de arbitrar o valor da condenação, a fim de que se afigure suficiente para reparar o prejuízo imaterial suportado pela vítima do evento danoso.

Na perspectiva da sucumbência, o acolhimento do pedido inicial – este entendido como sendo a pretensão reparatória stricto sensu, e não o valor indicado como referência -, com o reconhecimento do dever de indenizar, é o bastante para que ao réu seja atribuída a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, decerto que vencido na demanda, portanto sucumbente.

O quantum indicado pelo autor da demanda nem mesmo faz parte do pedido propriamente dito – entendido esse como a indenização, no valor que somente pode ser arbitrado pelo Magistrado -, mas sim da causa de pedir, limitando-se a representar a narrativa da parte no sentido de que, em sua avaliação, aquele prejuízo imaterial tem equivalência pecuniária no montante por ela indicado.

Note-se, a propósito, que a disposição contida no art. 292, V, da lei processual versa, em essência, sobre o valor da causa, subsistindo a autorização legal para que a parte formule pedido genérico (CPC, art. 324, parágrafo único). Nesses termos, a parte pode valer-se de fórmulas genéricas como “indenização não inferior a”, sem que a condenação em montante superior à sua estimativa qualifique decisão ultra petita.

Hipótese diversa é aquela na qual o autor reivindica indenização por mais de um fato danoso ou prejuízo (v. g., danos estéticos, morais e à imagem) e o juiz reconhece o dever de indenizar para somente parte deles. Força reconhecer, nesse caso, a parcial sucumbência do demandante. E, da mesma forma, quando o pedido envolve a reparação de prejuízo materiais, necessariamente delimitados e quantificados (ressalvada a antes mencionada hipótese na qual se admite pedido genérico), quando uma parcela dos pedidos é indeferida.

No caso sob exame, os pedidos – indenização por danos morais e à imagem – foram integralmente acolhidos, de sorte que a parte recorrente, vencida na demanda, sucumbiu à integralidade.

Processo: REsp 1.837.386-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022.

Fonte: Superior Tribunal de JustiçaAutor: Informativo nº 746
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