O dolo de não recolher o tributo, de maneira genérica, não é suficiente para preencher o tipo subjetivo do crime de sonegação fiscal (art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990)

O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a questão no RHC 163.334/SC e firmou o entendimento de que o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990.

Nesta Corte, a questão foi pacificada pela Terceira Seção, por ocasião do julgamento do HC 399.109/SC, que consignou: para a configuração do delito em apreço, o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do ilícito, visto que este não pressupõe a clandestinidade nem a fraude.

Note-se que o sujeito ativo do crime é o sujeito passivo da obrigação, que, na hipótese do ICMS próprio, é o comerciante, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação não tem importância no campo da tipicidade; por opção do legislador, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial.

No caso, o acusado, na condição de proprietário e administrador da empresa, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e em prejuízo do Estado, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de março, maio, julho, outubro e dezembro de 2012 e dezembro de 2013.

A conduta acima descrita seria típica pelo seu aspecto formal. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser necessário, para a condenação, a demonstração da contumácia e do dolo de apropriação, circunstâncias não identificáveis na espécie.

Há de se levar em consideração o dolo com a imprescindível consideração do elemento subjetivo especial de sonegar, qual seja, a vontade de se apropriar dos valores retidos, omitindo o cumprimento do dever tributário com a intenção de não os recolher.

O dolo de não recolher o tributo, de maneira genérica, não seria suficiente para preencher o tipo subjetivo do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990. É necessária a presença de uma vontade de apropriação fraudulenta dos valores do Fisco para materializar o elemento subjetivo especial do tipo em comento. Esse ânimo manifesta-se pelo ardil de omitir e/ou alterar os valores devidos e se exclui com a devida declaração da espécie tributária junto aos órgãos de administração fiscal. Na situação em exame, inexiste imputação de fraude.

Dessa forma, no caso em análise, o não pagamento do tributo por seis meses aleatórios não é circunstância suficiente para demonstrar a contumácia nem o dolo de apropriação. Ou seja, não se identifica, em tais condutas, haver sido a sonegação fiscal o recurso usado pelo empresário para financiar a continuidade da atividade em benefício próprio, em detrimento da arrecadação tributária.

HC 569.856-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 14/10/2022.

Fonte: Superior Tribunal de JustiçaAutor: Informativo nº 753
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