Ente público não pode construir ou reformar imóvel em propriedade particular, entende TCE-PR

O direcionamento de verba pública para construção, reforma ou melhoramento de imóvel em propriedade particular, a qualquer título, corresponde, nos termos do artigo 1.255 do Código Civil Brasileiro, a facilitar a indevida incorporação ao patrimônio particular de bem ou verbas provenientes do tesouro público, o que pode ser classificado como ato de improbidade administrativa que gera prejuízo ao erário, nos termos do inciso I do artigo 10 da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).

A regra vale mesmo se houver recomendação administrativa ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público que aconselhe a construção ou reforma em terreno alheio. Isso porque o objetivo dessas recomendações é apenas o de persuadir o gestor público a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos. Portanto, não é possível afirmar que, do ponto de vista legal, esses instrumentos gozem dos mesmos efeitos de uma sentença judicial transitada em julgado – sobretudo a imutabilidade e efeito erga omnes – ou possuam força normativa.

No máximo, os instrumentos como o TAC vinculam as partes que o firmaram, sem estender seus efeitos a outras pessoas ou órgãos. Assim, nada impede que outros órgãos judiciais ou de controle tenham concepção diversa da estipulada nesses instrumentos e venham a exercer seu poder e dever de buscar a responsabilização do ente público e de seu gestor por meio de competente processo de ressarcimento ao erário.

Caso seja caracterizada aplicação de verbas públicas de forma irregular e ofensa ao princípio da legalidade, haverá reprovação das contas do gestor pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).

Não há segurança jurídica na aquisição de área, mesmo pelo instrumento da desapropriação, quando localizada em área maior que se encontre ainda em litígio de reintegração de posse. Caso não tenha sido concretizado o assentamento de famílias acampadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por exemplo; e, sobretudo, não tendo havido posicionamento irrecorrível do Poder Judiciário sobre a causa, nenhuma intervenção na propriedade que resulte de injeção de verba pública será viável e incontestável, visto que sequer a posse se encontra pacificada.

Além disso, em muitos dos processos de disputa de terras há firmado interesse da União na área, o que, em tese, inviabilizaria a fixação do interesse de outro ente público na desapropriação. Por fim, o risco de sobrevir uma ordem de desocupação, com eventual desapropriação e construção de obra pública já realizada, levaria a enormes prejuízos aos cofres públicos e responsabilização do gestor público pela inviabilização e esvaziamento precoce do projeto.

Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Município de Porto Barreiro, por meio da qual questionou sobre a possibilidade de construção ou reforma de equipamento público em terreno de particular.

Instrução do processo

Em seu parecer jurídico, a Procuradoria Municipal de Porto  Barreiro manifestou-se pela impossibilidade de se dispender recursos financeiros provenientes do tesouro público em terreno cuja propriedade não seja do próprio município, sob pena de estar caracterizada aplicação de verba pública em área irregular.

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que a realização de investimentos públicos em área privada ocupada de forma precária pelo poder público representaria sérios riscos de dano ao erário, em razão da probabilidade de retomada da área pelo seu legítimo proprietário.

A unidade técnica entendeu que as recomendações administrativas expedidas pelo Ministério Público Estadual, conforme a própria terminologia sugere, não possuem força cogente. Assim, concluiu que compete ao gestor público, dentro de sua discricionariedade administrativa, escolher o   caminho   que   melhor   atenda   ao   interesse público, dentro   das   possibilidades permitidas pelo ordenamento jurídico. Também ressaltou que os TACs, apesar de sua natureza de título executivo extrajudicial, apenas se perfectibilizam pelo acordo de vontades entre ambas as partes envolvidas.

A CGM destacou que configurará irregularidade das contas públicas se houver ocupação de área privada pelo poder público sem respaldo em lei, em razão da ofensa ao princípio da legalidade.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) enalteceu o trabalho realizado pela procuradoria municipal e sugeriu que fossem endossadas as respostas apresentadas pelo órgão.

Legislação

O inciso I do artigo 1.225 do Código Civil Brasileiro (CCB) dispõe que a propriedade é um direito real. O artigo 1.228 desse código fixa que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

O artigo 1.255 do CCB estabelece que aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; e se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. O parágrafo único desse artigo expressa que, se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

O artigo 10 da Lei nº 8.429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

O inciso I desse artigo fixa que é ato de improbidade facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial dessas entidades.

O parágrafo 6º do artigo 5º da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) estabelece que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

O artigo 127 da Constituição Federal dispõe que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Decisão

O relator do processo, conselheiro Durval Amaral, concordou com os entendimentos convergentes da CGM e da Procuradoria de Porto Barreiro. Ele concluiu que a realização de obra pública em terreno particular que está em litígio de reintegração de posse oferece grande potencial de causar prejuízo ao erário, diante da real possibilidade de os bens, verbas ou investimentos provenientes do tesouro público serem incorporados ao patrimônio particular.

Amaral entendeu que há alternativas administrativas para o cumprimento do dever de prestação adequado e eficiente de serviço público, sem envolver a construção ou reforma em terreno alheio.

Finalmente, o relator ressaltou que, embora o Ministério Público seja instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, os pareceres por ele emitidos e instrumentos jurídicos a seu dispor não têm força cogente.

Os conselheiros aprovaram por maioria absoluta o voto do relator, na Sessão de Plenário Virtual nº 8/23 do Plenário Virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 11 de maio. O Acórdão nº 1165/23 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 23 de maio, na edição nº 2.985 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

Serviço

Processo :

111352/22
Acórdão nº 1165/22 – Tribunal Pleno
Assunto: Consulta
Entidade: Município de Porto Barreiro
Relator: Conselheiro José Durval Mattos do Amaral
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